Parlatório

Um ‘ajuste’ no ajuste fiscal de Joaquim Levy

Ministro diz que as mudanças não são “uma correção de rota” na austeridade, só “um ajuste nas velas”

Joaquim Levy aplica outra dose de arrocho, enquanto popularidade de Dilma cai e governo enfrenta tensão no Congresso
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O ajuste fiscal anunciado pelo governo no fim do ano passado derrubou o PIB em 2015, como há tempos alertavam alguns economistas. Resultado: Brasília viu-se forçada a abandonar a meta fiscal proposta para este ano e para os dois próximos e a rebaixar todas as previsões de crescimento até o fim da gestão Dilma Rousseff. Mas não sem aplicar outra dose de arrocho, com novos cortes no orçamento, e reafirmar que o plano de austeridade segue intacto.

A redução na meta fiscal anunciada nesta quarta-feira 22 foi definida em uma reunião da equipe econômica com Dilma na véspera. Até a semana passada, a presidenta preferia evitar o tema. Em ao menos duas reuniões importantes, ela havia desconversado. Primeiro, na segunda-feira 13, durante encontro semanal com seus principais ministros no Palácio do Planalto. E no dia seguinte, em almoço-reunião com o ex-presidente Lula e alguns ministros no Palácio da Alvorada.

Até então, Dilma alinhava-se com a posição do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, para quem era melhor esperar até setembro para eventualmente mexer na meta. Até lá, apostava Levy, talvez o Congresso já tivesse aprovado alguns aumentos de tributos, o que reforçaria a arrecadação deste ano e poderia levar a uma redução menor na meta.

Nos últimos dias, contudo, prevaleceu a visão de que seria melhor anunciar a redução logo, para não recaírem sobre Brasília acusações de falta de transparência.

O governo pretendia economizar este ano 66,3 bilhões de reais a fim de pagar juros (superávit primário) e, com isso, segurar a dívida pública, uma cobrança do sistema financeiro em nome da manutenção do chamado “grau de investimento”, selo de bom pagador emitido pelas agências de rating. Agora, o governo propõe ao Congresso reduzir a meta para 8,7 bilhões de reais. O que seria um ajuste de 1,1% do PIB cairá a 0,15%, em caso de aprovação parlamentar. A sonhada (por Brasília) meta de 2% foi adiada por dois anos. Era para 2016, passou a 2018.

Duas foram as razões para a mudança na meta de 2015, segundo explicações dadas poro Levy e pelo ministro Nelson Barbosa (Planejamento) em entrevista coletiva nesta quarta-feira 22. De um lado, a arrecadação, com base no que já se constatou ao longo do primeiro semestre, será 46,6 bilhões menor do que o esperado. De outro, os gastos ficarão 11,3 bilhões acima.

Para lidar com essa diferença total de 58 bilhões de reais, a equipe econômica decidiu diminuir o superávit primário que cabe ao governo federal em 50 bilhões (era de 55 bilhões; os demais 11 bilhões são de responsabilidade de estados e municípios) e promover uma nova rodada de corte de gastos federais, de 8 bilhões. As áreas atingidas pelos novos cortes serão conhecidas nos próximos dias, mas Barbosa deixou claro: nenhum ministério vai escapar. Nem investimentos.

No fim de maio, em uma entrevista da qual Levy ausentara-se por causa de uma gripe, o governo já havia anunciado um corte de 70 bilhões. Nunca a equipe econômica aplicou tamanha tesourada no orçamento como em 2015, um total de 78 bilhões de reais.

A impossibilidade de arrecadar tudo o que antes estava previsto decorre em boa medida do próprio ajuste. A queda na atividade econômica é tão grande, que a Receita Federal tem coletado menos impostos do que o estimado. Se ao anunciar o corte de 70 bilhões, em maio, o governo esperava uma retração do PIB de 1,2% em 2015, agora trabalha com -1,5%. Fora de Brasília, especialmente entre economisas sem vínculos com o “mercado”, aposta-se em um tombo ainda maior, de 2%.

 legado do arrocho fiscal tem sido, por ora, desemprego, estaganação salarial e falta de confiança dos agentes econômicos na recuperação do PIB. A taxa oficial de desemprego, medida pelo IBGE, subiu de 4,3% em dezembro para 6,7% em maio, último dado conhecido. Um índice mais abrangente calculado pelo mesmo IBGE passou de 6,5% para 8,1% no mesmo período. Em junho, conforme dados recém-divulgados pelo Ministério do Trabalho, foram fechadas 111 mil vagas com carteira assinada, pior no mês desde 1992. Não é à toa que a Central Única dos Trabalhadores (CUT) prepara uma manifestação na porta do ministério da Fazenda na próxima terça-feira (28) contra a política econômica.

O impacto do ajuste fiscal no PIB não se limitará a 2015. A equipe econômica acredita que até o fim do mandato de Dilma a expansão será menor do que o projetado meses atrás. A previsão para 2016 caiu à metade (de 1%, para 0,5%). A de 2017 recuou de  1,9% para 1,8%. A de 2018, de 2,4% para 2,1%.

Na entrevista, Levy disse que as mudanças não são “uma correção de rota” no plano de austeridade, mas apenas “um ajuste nas velas”. “Baixar a meta não é relaxar”, afirmou. Para ele, a retração do PIB e a queda na arrecadação não resultam do ajuste, mas de uma combinação de alguns elementos, como incertezas entre agentes econômicos e piora no cenário externo. E garantiu: Dilma continua fechada com o plano.

A mudança na meta fiscal exigirá a aprovação de uma lei pelo Congresso, já que a atual meta, de 66 bilhões está fixada em outra lei, a de Diretrizes Orçamentárias (LDO) 2015. No ano passado, o governo também foi obrigado a modificar a meta. Conseguiu apenas em dezembro, em um cenário de guerra, com manifestantes mobilizados pela oposição a protestar dentro e nas imediações do Congresso, sob gritos de impeachment e “Fora Dilma”.

O quadro político atual é pior. Se em 2014, Renan Calheiros, presidente do Senado e do Congresso, conduziu as sessões por horas a fio, em total alinhamento com o Planalto, agora coloca-se como crítico da presidenta, revoltado com os desdobramentos da Operação Lava Jato. Na Câmara, o atual presidente, Eduardo Cunha, acaba de declarar-se oposição a Dilma, igualmente inconformado com as investigações conduzidas contra ele pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot.

Para Nelson Barbosa, apesar da turbulência no parlamento, a mudança na LDO será aprovada. Motivos: PT e PMDB, os maiores partidos governistas e do Legislativo, já deram sinalizações favoráveis à redução. E a proposta de agora está sendo apresentada em julho, o que dará tempo para discussões e negociações. Em 2014, a alteração só foi solicitada ao Congresso em novembro.

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