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Os primeiros sinais do governo Bolsonaro nas Comunicações

Silêncio sobre o setor desde o programa de governo e nomeações na pasta apontam para barganha política e militarização do setor

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Prestes a completar o seu primeiro mês sob o governo de Jair Bolsonaro, uma área praticamente inexistente é o das políticas de comunicação. A ausência de uma notícia sequer sobre rádio e televisão no site do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações nesse período, o silêncio absoluto do ministro Marcos Pontes sobre o setor e a ausência do tema inclusive na agenda do ministro, neste mês de janeiro, são alguns exemplos. Em suas aparições públicas, Pontes trata apenas, e precariamente, de ciência e tecnologia, o que se repete na agenda pública registrada até agora.

Nas 35 metas nacionais prioritárias para os 100 primeiros dias de gestão, divulgadas na quarta 23, há duas diretamente relacionadas ao MCTIC, porém nenhuma sobre internet banda larga ou radiodifusão, apenas sobre tecnologias de dessalinização e ciência na escola.

Outro indicador da quase inexistente ação pública do governo federal para as Comunicações diz respeito à falta de definição sobre os rumos da Empresa Brasil de Comunicação (EBC). Em verdade, nas 35 metas dos 100 dias há uma que diz: “reestruturar a Empresa Brasileira de Comunicação, racionalizar estrutura da empresa e valorizar a qualidade do conteúdo”.

Além de divulgar erroneamente o nome da EBC num documento oficial e pouco dizer o que efetivamente se pretende fazer com a empresa pública de comunicação, a proposta aponta para o enxugamento de uma estrutura que já dispõe de poucos recursos financeiros e, ainda assim, apresenta um conteúdo com qualidade reconhecida, com produções vencedoras em diversos prêmios de jornalismo.

Mas se engana quem pensa que os núcleos econômico e político (incluídos aqui o militar e o religioso) do governo federal não estão preocupados com o tema. Ao contrário, a opção é pelas movimentações em ambientes restritos, o que dá o caráter de mercadoria ou um instrumento de propagação ideológica, violando a comunicação como um direito humano.

O anúncio da entrada da norte-americana CNN no mercado brasileiro de televisão, sem qualquer debate público, é uma primeira sinalização de que, quando o assunto for comunicação, – serviço público, logo de direito de toda a população – a estratégia do governo Bolsonaro será a de negociações diretas entre empresariado e governo federal, reforçando um paradigma histórico de exclusão da sociedade civil, estrutura que teve alguns raros momentos de rompimento. Emblemática neste sentido foi a imagem de registro da reunião entre Jair Bolsonaro, o seu filho Carlos Bolsonaro, que se notabilizou como um dos articuladores da campanha do pai nas mídias sociais, e os dois sócios da futura emissora.

Setores conservadores e fundamentalistas religiosos à frente da CNN Brasil

Falando em CNN, vale ressaltar que a sua chegada em nada representa a ampliação da diversidade e do pluralismo nas Comunicações. Afinal, não são as diversas vozes silenciadas pela mídia – mulheres, população LGBT, negras e negros, indígenas, quilombolas e demais comunidades tradicionais – e suas reivindicações que ganham uma emissora de televisão, mas sim setores conservadores da economia e fundamentalistas religiosos, visto que a CNN Brasil tem como sócios Rubens Menin, fundador da MRV, maior empresa de construção civil do país, cujo histórico inclui flagrante de trabalho escravo em canteiros de obras, e Douglas Tavolaro, sobrinho e co-autor da biografia de Edir Macedo.

Aqui não custa recordar que o trio Macedo-Tavolaro-Bolsonaro já demonstrava extrema afinidade durante as eleições de outubro de 2018, quando o primeiro fazia campanha aberta para Bolsonaro no interior dos templos da Igreja Universal e o segundo era vice-presidente de jornalismo da Record, emissora que funcionou como amplificadora da voz e opiniões do então candidato.

Ainda no que diz respeito à televisão é preciso um olhar crítico para a relação entre Bolsonaro e Grupo Globo. A guerra, antes fria, mas que esquentou bastante nos últimos dias com as denúncias envolvendo o outro filho do presidente, Flávio Bolsonaro, parece mais uma demonstração de forças para se chegar a acordos possíveis.

Assim não fosse, como explicar a TV Globo ter menosprezado o fato de um dos candidatos à Presidência da República, já no segundo turno, negar-se a participar do tradicional debate eleitoral da emissora? Ou como explicar a mesma Globo, que faz uma campanha intitulada Fato ou Fake, ter permitido um candidato à Presidência mentir no Jornal Nacional sobre um suposto “kit gay”? Ou ainda o que dizer do silêncio institucional do Grupo Globo sobre as arbitrariedades contra profissionais de comunicação que trabalharam na cobertura da posse presidencial? Já do lado do governo federal, o que explicaria, então, não dar prosseguimento à afirmação feita pelo presidente, ainda na primeira semana de 2019, de acabar com a Bonificação por Volume, mecanismo que faz a Globo concentrar os recursos do mercado publicitário?

Também sobre a relação entre o governo de Bolsonaro e o grupo da família Marinho, vale acompanhar as investigações sobre a tentativa de Paulo Guedes, atual ministro da Economia e comandante do núcleo econômico do Executivo, de ajudar a Globo com um investimento suspeito feito com dinheiro de fundos de pensão.

Outra sinalização das opções a serem empregadas pelo governo Bolsonaro nas Comunicações vem do perfil dos ocupantes de cargos estratégicos no MCTIC. Um exemplo é a nomeação de Marcus Vinícius Paolucci para o cargo de Diretor do Departamento de Radiodifusão Educativa e Comunitária do MCTIC. Paolucci é considerado pelo movimento de rádios comunitárias um algoz desse segmento, tendo sido o responsável pelo fechamento de diversas emissoras no país, quando ocupava a chefia da Assessoria Técnica da Anatel.

Ainda sobre Paolucci, vale citar que, em audiência pública realizada pelo Conselho de Comunicação Social (CCS), em junho do ano passado, representando a Anatel, posicionou-se contra o Projeto de Lei 10.637/2018, que propõe o aumento do limite de potência de transmissão e a quantidade de canais designados para a execução do serviço de radiodifusão comunitária.

Outro exemplo é a nomeação de Elifas Gurgel – um coronel da reserva, com experiência em comunicações e tecnologia de informação de órgãos militares – para a Secretaria de Radiodifusão do ministério.

A ocupação de tal cargo por Gurgel aliada à Medida Provisória 870/2019, assinada por Bolsonaro em 1 de janeiro, logo após a posse, aponta também para a instauração de uma concepção militar nas Comunicações, tanto nas políticas públicas quanto nas questões do próprio governo. De acordo com o artigo 10 da MP, ao Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, chefiado pelo general Augusto Heleno, compete “coordenar as atividades de segurança da informação e das comunicações no âmbito da administração pública federal”.

Essa concepção é reforçada quando se verifica também que o porta-voz da Presidência da República é um militar de carreira, o general Otávio Rêgo Barros, ex-chefe de comunicação do Exército, e que a Secretaria de Governo, onde estão localizadas a EBC e a Secretaria de Comunicação (SECOM), tem como ministro o general Carlos Alberto dos Santos Cruz. Sobre a SECOM, que teve a relação com a imprensa retirada das suas funções, também ontem (23), o porta-voz do governo anunciou que pretende reduzir até 30% os cargos lotados no órgão.

Em um governo marcado por uma aparente confusão entre os diversos grupos das elites econômicas e políticas que o conformam e pela revelação de vários casos de corrupção envolvendo integrantes/amigos/assessores do clã Bolsonaro, é difícil confirmar qual caminho será seguido numa área de inúmeros conflitos de interesses. Mas as primeiras sinalizações e, ainda antes, a ausência de qualquer proposta sobre o setor no plano de governo do então candidato, demonstram uma tendência de uso das Comunicações como moeda de barganha política, onde imperam os acordos de gabinete entre poder político e poder econômico.

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