Economia

Como lidar com o terrorismo do mercado financeiro nas eleições brasileiras

Caberá às forças políticas que se contrapõem ao bolsonarismo saber lidar com as manifestações vindouras em 2022

A sede da Standard & Poor's, em Nova York: cartel formado com a Fitch e a Moody's domina o mercado
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As reações do mercado financeiro são hoje um ingrediente frequente da política brasileira. Dificilmente alguma questão se resolve sem que a opinião pública seja claramente informada sobre o que o mercado pensa a respeito. Os meios para esse fim são variados: movimentos na bolsa, o impacto dos fluxos de capitais sobre o câmbio, indicadores de risco-País e um sem número de manifestações discursivas repercutidas pela mídia.

Neste cenário, as futuras eleições presidenciais despontam como um evento crítico. As manifestações do mercado, via de regra, são favoráveis às candidaturas mais à direita. Isso porque a agenda programática de governos de direita está mais alinhada às demandas dos setores financeiros, sendo orientada, com frequência, pelo imperativo da austeridade e pelas reformas liberalizantes.

Em outras palavras, os interesses do mercado são mais fortemente representados por um lado do espectro político partidário do País.

O problema ocorre quando o aspecto político das posições do mercado é negligenciado, conferindo-lhes uma roupagem científica e de neutralidade

Como consequência, o outro lado da disputa acaba por ser desqualificado, sendo comumente caracterizado como incompetente ou “populista”. Não raramente, essa posição se radicaliza e cenários catastróficos são projetados caso qualquer política que desvirtue dos preceitos ortodoxos corra o risco de vencer nas urnas. Trata-se, com efeito, de um terrorismo frequente no modus operandi do mercado financeiro frente ao processo político nacional.

Vejamos como essa realidade se reflete no comportamento das agências de classificação de risco diante das eleições brasileiras nos anos 2000. As agências vêm participando ativamente da dinâmica eleitoral do Brasil, sempre opinando sobre seus desdobramentos e fazendo uso de sua condição de autoridade epistêmica para propor agendas e constranger candidaturas. Como seria de se esperar, isso vem ocorrendo em favor dos candidatos de direita – sejam eles do PSDB, como foi o caso até 2014, ou Bolsonaro, tal como ocorreu em 2018 e deve ocorrer em 2022.

No ano eleitoral de 2002, em meio ao contexto de crise de confiança que se estabeleceu, as agências rebaixaram a classificação de risco brasileira em função da probabilidade de vitória de Lula. Nos relatórios publicados por Standard & Poor’s, Moody’s e Fitch Ratings, que oligopolizam o segmento, a justificativa para tanto era a percepção de que Lula e o PT eram radicais de esquerda, o que tornava mais saliente, em sua visão, o risco de default da dívida pública. Isso a despeito dos claros sinais de moderação do partido na ocasião, tal como a “Carta ao Povo Brasileiro” indicou.

Com Lula eleito, contudo, as profecias do mercado não se concretizaram: pelo contrário, o presidente petista aderiu a uma agenda predominantemente ortodoxa e a classificação de risco brasileira ingressou em uma trajetória ascendente de cerca de uma década.

Nos dois pleitos presidenciais seguintes não houve crise nem projeções de cenários ruins, uma vez que a economia brasileira apresentava um bom desempenho e o PT havia conquistado a confiança dos investidores. Mas em 2014 o conflito voltou a aparecer e a Standard & Poor’s, sem qualquer cerimônia, publicou relatório, em 31 de julho, afirmando que um governo de Aécio Neves ou Eduardo Campos seria melhor para o país do que uma reeleição de Dilma.

Com Dilma reeleita, porém, restou às empresas embarcar na aventura do impeachment, promovendo downgrades em profusão da nota de risco do país durante a tramitação do processo no Congresso. Paralelamente, na dimensão discursiva, enalteciam a credibilidade de um possível governo Temer, que prometera sua “Ponte para o Futuro”. Embora não se possa afirmar que as agências agiram conscientemente em prol da destituição da presidente, fato é que suas ações compuseram o cenário que criou as condições para o golpe.

Já na corrida eleitoral de 2018, as agências voltaram a promover um terrorismo diante da possibilidade de um candidato que abandonasse a agenda reformista ser eleito. Em relatório publicado no mês de setembro, a Fitch, por exemplo, projetou um cenário calamitoso para a economia brasileira caso Haddad, no PT, saísse vitorioso da disputa. Por outro lado, uma vitória de Bolsonaro era promessa de que muito em breve os investimentos retornariam ao país, que assim voltaria a crescer.

 

Para 2022, à medida que as eleições se aproximam, a tendência é que novas projeções do gênero se proliferem. Nesse contexto, é imprescindível que saibamos identificar o caráter político e eleitoreiro dessas manifestações, que, a despeito de se apresentarem como técnicas e politicamente neutras, visam apenas a resguardar os interesses de atores do mercado financeiro na disputa.

Em áudio vazado e amplamente repercutido pela mídia, o banqueiro André Esteves já adiantou que a agenda do governo Bolsonaro segue dominante no setor – a despeito de todas as tragédias sanitárias e socioeconômicas que experimentamos nos últimos três anos.

Caberá então às forças políticas que se contrapõem ao bolsonarismo saber lidar com o terrorismo vindouro.

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