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Será a hora e a vez da paradiplomacia para estados e municípios?

É isso o que se vê ocorrer à luz do dia, de forma gradativa e cada vez mais contundente, com movimentos dos governos dos estados do Nordeste

Jair Bolsonaro e o ex-ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, responsável pelo atuação do Brasil no Covax Facility. Foto: Agência Brasil
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Diante de uma política externa de ultradireita, cuja ideologia radical põe a pique décadas de investimentos e negociações diplomáticas acumuladas, minando a reputação e a imagem internacional do Brasil, o que pode ser feito para mitigar os prejuízos e talvez salvar algo desse progressivo naufrágio? Estados e municípios brasileiros começam a responder a esse cenário incerto, turbulento e caótico através da paradiplomacia.

Sim, estados federados e municípios realizam ações internacionais, isso não é novidade nem no Brasil e muito menos no mundo. Trata-se de fenômeno internacionalmente conhecido e reconhecido na academia e nos setores governamentais como paradiplomacia. No Brasil, assim como na maioria dos países, a paradiplomacia tem se realizado há cerca de quatro décadas em harmonia com o governo nacional. Impulsionada pela redemocratização, pela globalização e pelos processos de integração, a cooperação internacional envolvendo governos subnacionais tornou-se parte da agenda governamental, embora concentrada em alguns estados, suas capitais, e cidades grandes e médias.

Depois de um boom nos anos 2000, com o forte apoio da União Europeia, por meio do Programa UR-BAL, e de agências do sistema da ONU, como o Banco Mundial, com projetos de fortalecimento de políticas públicas locais, a paradiplomacia entrou em ritmo lento e sonolento, desenvolvendo-se mais tecnicamente em redes de cidades e em plataformas da ONU, como Habitat e ONU Meio Ambiente, e no Mercosul, como a Rede Mercocidades. Nesse período, aumentou também o fluxo de difusão e de transferência de políticas públicas entre entes subnacionais de diferentes países. Com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável-ODS, por meio da Agenda 2030, surgiu um novo sentido para a relação global-local, e um conjunto de ações vem se desenvolvendo, mas sempre em consonância e convergência com o governo federal e o vigilante acompanhamento do Itamaraty. Essa paradiplomacia soft, branda, leve e inofensiva, pode agora ceder lugar a outra, hard, forte e agressiva.

É isso o que se vê ocorrer à luz do dia, de forma gradativa e cada vez mais contundente, com movimentos dos governos dos estados do Nordeste, dada a discriminação que lhes foi imposta pelo presidente. É isso o que se vê ocorrer, com os estados da Região Amazônica, diante do discurso e da prática contrárias à preservação da Amazônia, com conflitos desnecessários envolvendo importantes financiadores internacionais, como a Alemanha e a Noruega que, atacadas com virulência pelo presidente e seus ministros, suspendem a transferências de recursos destinados a dezenas de projetos de preservação ambiental afetando milhares de pessoas.

Em paralelo, no Estado de São Paulo, cuja paradiplomacia foi muito bem estruturada nos últimos dez anos visando a atração de investimentos, negócios e comércio, surge novo movimento paradiplomático turbinado pela competição política já anunciada pelo governador para o pleito nacional de 2022.

Assim, o cenário de uma paradiplomacia hard está dado, em pelo menos três regiões do país – Nordeste, Norte e Sudeste. São governadores e prefeitos que tratam de resgatar a diplomacia perdida, afirmando que o Brasil não é só Brasília e que não dependem apenas do governo central para obter apoio, recursos e parcerias com governos estrangeiros e organizações internacionais.

Há precedentes desses contrapontos paradiplomáticos no Brasil e em outros países que resultaram em saídas hard benéficas para o país. Aqui, foram os casos dos governos de Leonel Brizola, no Rio de Janeiro, e de Franco Montoro, em São Paulo, que ajudaram a redemocratizar o Brasil em pleno governo militar em meados dos anos de 1980. Apesar de terem estilos e ideias politicas diferentes, Brizola e Montoro, por meio de seus contatos e prestigio internacionais, contribuíram para reinserir o Brasil no mundo sul-americano e multilateral.

Nos EUA, após George W. Bush retirar sua assinatura do Protocolo de Kyoto e declarar-se contra o combate à mudança climática, o então governador da Califórnia, Arnold Schwazernegger, o confrontou e aprovou uma lei estadual comprometendo o estado a cumprir voluntariamente as diretrizes de redução de CO2 – lembrando que a Califórnia é o maior estado emissor desses gases nos EUA. Há inúmeros casos pelo mundo que mostram a força política que governos subnacionais podem ter – com base legal, constitucional, e por meio de ações internacionais legítimas para a garantia de interesses locais e regionais, num marco democrático nacional.

Será então a hora e a vez da paradiplomacia? Num país federal, onde estados e municípios têm autonomia política e compartilham competências constitucionais estratégicas – como a preservação ambiental – pode haver chegado o momento de aumentar a participação federativa na política externa brasileira. Há fóruns subnacionais, como o Fórum RI27 dos estados, e o Fonari dos municípios, que podem articular ações internacionais subnacionais mais coesas. Quem sabe esse movimento descentralizado ajude a resgatar algo da política externa brasileira, gerando ações mais racionais e se contrapondo ao viés ideológico que domina a atual diplomacia do País.

Por Gilberto M. A. Rodrigues, professor e coordenador do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais e membro do Observatório de Política Externa e de Inserção Internacional do Brasil (OPEB) da Universidade Federal do ABC (UFABC).

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