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Diplomacia ambiental brasileira está em risco real de extinção
Publicações estrangeiras especializadas já apontam que, sob o governo Bolsonaro, o Brasil deixa de ser um líder nas negociações do clima
Com a colaboração de Everton Farias, Giovana Matos, Letícia Leite, Luiz Franco, Pedro Lagosta e Rafaela Martins – alunos do Bacharelado em Relações Internacionais da UFABC e membros do Observatório de Política Externa e da Inserção Internacional do Brasil.
O rumo tomado pelo governo Jair Bolsonaro com relação ao meio-ambiente tem confirmado as piores expectativas e sendo fortemente criticado tanto no Brasil quanto no exterior. Ainda na campanha eleitoral o candidato do PSL já chamou a atenção da opinião pública internacional em relação ao tema ambiental e climático. Em março, no Chile, durante sua primeira viagem presidencial na América do Sul, declarou que “o Brasil não deve nada em preservação do meio ambiente” e agradeceu o país vizinho por tomar seu lugar para sediar a importante Conferência das Partes das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima, a COP 25.
Em junho, durante a Cúpula do G20 no Japão, Bolsonaro afirmou que “o Brasil tem muito a ensinar à Alemanha e à França em preservação do meio ambiente”. Nesta mesma ocasião, afirmou jocosamente que Angela Merkel (Alemanha) arregalou os olhos ao ouvi-lo dizer que existe uma paranoia ambientalista ideológica contra o Brasil. A situação dramática do meio-ambiente, porém, coincide com a percepção de Merkel. De acordo com dados do Inpe, porém, o desmatamento total no mês de junho de 2019 foi de 920,4 km², aumento de 88% em relação ao mesmo mês de 2018.
Despreza-se assim um grande capital político-diplomático que o Brasil vinha acumulando ao menos desde que sediou a Conferência Rio’92. O país se destacou ainda em outros momentos importantes das negociações internacionais como na participação de Lula na COP 15 de Copenhagen em 2009, na realização da Conferência Rio+20 no governo Dilma em 2012 e no papel importante da nossa diplomacia ambiental nas negociações do Acordo de Paris em 2015. Temos assim uma trajetória da diplomacia ambiental do Itamaraty que se tornou gradualmente mais protagonista e complexa sem nunca ter deixado de defender a soberania do Brasil sobre seu território, nem o seu direito ao desenvolvimento.
Em seus primeiros atos no governo, o presidente começou por um desmonte da burocracia governamental existente. Especialmente quanto aos Ministérios do Meio Ambiente (MMA) e da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), modificações afrouxaram os critérios de licenciamento e os instrumentos da preservação ambiental do país, subtraindo poderes e competências do MMA. Além disso, em tempo recorde o governo liberalizou o uso de 239 agrotóxicos apenas nos seis primeiros meses de 2019, dentre os quais 66 considerados extremamente tóxicos, na sua grande maioria proibidos no exterior – inclusive na União Europeia (UE), onde a aplicação do Princípio de Precaução sobre riscos à saúde da população pode complicar as expectativas de exportações brasileiras.
Por aqui, também na esfera ministerial do governo a insensatez que espanta o mundo prossegue: o excêntrico chanceler Ernesto Araújo se destacou ao contrariar a ONU, afirmando que “o aquecimento global é uma trama globalista” e o ministro do Gabinete de Segurança Institucional, general Augusto Heleno, ao mandar os europeus “procurarem a sua turma” e deixarem de criticar a política ambiental do atual governo.
O próprio ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, afirmou que “a mudança climática é uma questão secundária”. Não é coincidência portanto que, neste reformulado MMA, Salles tenha extinto o Departamento de Políticas em Mudança do Clima e o Departamento de Monitoramento, Apoio e Fomento de Ações em Mudança do Clima, reduzindo em 95% a verba destinada às políticas de mudanças climáticas.
Já o presidente Bolsonaro, se esforçando para imitar Trump, criticou repetidas vezes o Acordo de Paris sobre o Clima e ameaçou a comunidade internacional com a saída do Brasil. As declarações foram criticadas pela sociedade civil brasileira e também no exterior, mas o governo só recuou desta decisão como condição imposta pela União Europeia (ironicamente capitaneada por Alemanha e França) para a assinatura do acordo de comércio com o Mercosul, um compromisso crucial do governo com os interesses dos setores ruralistas que lhe dão sustentação.
Como não fosse suficiente, ao buscar refomar e depois extinguir o Comitê Orientador do Fundo Amazônia, Salles entrou em rota de colisão com os países doadores do Fundo – Noruega e Alemanha – que financiam projetos de preservação e desenvolvimento sustentável na floresta. O governo chegou a fazer o papelão de propor gastar os recursos com o pagamento a fazendeiros que hoje ocupam áreas de conservação ou terras indígenas, ou seja, indenizar grileiros. Foi novamente a UE que provocou, em julho, uma intervenção direta da presidência sobre o ministro, que foi aparentemente enquadrado.
Ao longo de sucessivos governos, o Brasil veio conquistando credibilidade internacional por ser parte ativa da busca de soluções multilaterais para o meio-ambiente e a crise do clima. Hoje, é visto como parte do problema. Recentemente, numa histórica convergência de visões entre todos os ex-ministros do meio-ambiente do Brasil nos últimos 25 anos, o ex-embaixador Rubens Ricupero foi categórico: estamos diante da destruição do que foi criado em matéria de política ambiental desde os anos 1980 no Brasil e de um “esforço sistemático de antagonismo à participação da sociedade civil”. Publicações estrangeiras especializadas também já apontam que, sob o governo Bolsonaro, o Brasil deixa de ser um líder nas negociações do clima para se converter em uma ameaça à sustentabilidade. O Itamaraty pode colocar as barbas de molho, a sua própria diplomacia ambiental está em risco de extinção.
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