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A desconstrução dos direitos humanos na política externa brasileira

Tudo pode acontecer quando Bolsonaro se gaba de seu passado anti-direitos humanos e impõe agenda regressiva como parte de seu governo

Créditos: EBC
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Por Gilberto M. A. Rodrigues* com a colaboração de Flavia Mitake, Giovanna Miron, José Luis de Freitas e Marina Stephan**, do Observatório de Política Externa e da Inserção Internacional do Brasil.


A ideologia radical do presidente Bolsonaro converge com a tendência internacional da ascensão da ultradireita no mundo, fenômeno que atinge diversos países ocidentais, como EUA, Israel, Italia, Hungria e Brasil. Em países em desenvolvimento, governos de ultradireita têm maior potencial de desconstruir os direitos humanos, dada a insipiência e fragilidade de muitas de suas instituições. Desde o fim da ditadura militar não se via a política externa brasileira atuar na desconstrução dos direitos humanos, como tem ocorrido no governo de Bolsonaro.

O combate à corrupção é aclamado pelo governo Bolsonaro como principal assunto de defesa dos direitos humanos na política externa brasileira. Com efeito, esse combate é, desde 2000, parte da agenda dos DH da ONU. Em 2018, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) aprovou resolução sobre Corrupção e Direitos Humanos. No Banco Mundial e no BID, o tema é da área de integridade das operações. Apesar disso, o combate à corrupção no Brasil tem ajudado a desconstruir os DH, devido às arbitrariedades da polícia e do judiciário em violação ao devido processo legal, com julgamentos e prisões arbitrárias, o que vem sendo criticado pela ONU.

O Brasil atuou para a criação do Conselho de Direitos Humanos (CDH) da ONU, em substituição à Comissão de Direitos Humanos (1946-2006), e desde então exerceu mandatos no CDH em 2006-2008, 2008-2011, 2013-2015 e 2017-2019, o que permitiu ao país protagonizar ações como líder dos países em desenvolvimento. A importância do novo CDH e de seu Mecanismo da Revisão Periódica Universal (RPU) está ligada à participação dos países do Sul e ao tratamento igualitário na CDH. Porém, com Bolsonaro, a representação permanente do Brasil em Genebra tornou-se uma traidora do Sul Global, com destaque para o inédito alinhamento do Brasil a Tel Aviv na votação da resolução contra Israel pela ocupação do Golã e de territórios palestinos.

Nas Américas, desde que aderiu ao Pacto de San Jose de 1969, o Brasil vinha cooperando com a CIDH em relação às denúncias recebidas e processadas contra o país. O caso Maria da Penha, mais emblemático caso contra o Brasil, teve uma de suas principais recomendações acolhida – a aprovação da Lei Maria da Penha que trata da violência contra a mulher. Em 1998, o país aderiu ao Estatuto da Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH). Todos esses vínculos estão agora em xeque. Desde a posse de Bolsonaro, a CIDH acompanha a situação dos direitos humanos no Brasil, nos temas de gênero (violência contra a mulher); tragédia ambiental (mortes e poluição causada pela barragem de Brumadinho); trabalhadores rurais (mortes de membros do MST); defensores de direitos humanos (ameaças contra a vida de ativistas); o caso Marielle (ameaça contra defensores de direitos humanos).

Em relação a migrantes e refugiados, uma das primeiras decisões de Bolsonaro foi se retirar do Pacto Global para Migração da ONU, que havia sido assumido por Temer. As declarações anti-migração de Bolsonaro transformam migrantes em fonte de problemas e de ameaça. Nem mesmo os brasileiros fora do Brasil escaparam de suas críticas, em sua viagem aos EUA, quando apoiou Trump em sua nefasta política migratória. Na política para refugiados – tema humanitário – não houve mudança se se toma em conta a continuidade da política de acolhimento de refugiados venezuelanos, coordenada pelas Forças Armadas e realizada em Roraima, na fronteira.

Mulheres, indígenas, camponeses, população afrodescendente, quilombolas e comunidade LGBTI estão em crescente risco com o novo governo. A desigualdade de gênero – que a CEPAL destaca em seu relatório de 2019 – tem o feminicídio como uma de suas problemáticas no país, agravada com o discurso misógino de Bolsonaro e sua política de liberação de armas. A transferência da demarcação de terras indígenas da Funai para o Ministério da Agricultura é ameaça persistente, mesmo após o Congresso vetar essa mudança. Quilombolas estão sob assalto, no caso da Base de Alcântara. Defensores de direitos humanos são assassinados – como a líder do Movimento contra a Barragem de Tucuruí no Pará. A extinção dos conselhos participativos fragiliza a implementação e a continuidade de políticas públicas socioambientais rompendo acordos internacionais.

A regressividade dos direitos humanos no âmbito interno se traduz velozmente na política externa brasileira. Como esta lidará com recomendações e condenações dos sistemas regionais e universais ded ireitos humanos ao país? O Brasil acatará essas decisões? Permanecerá membro desses sistemas? Tudo pode acontecer quando o presidente se gaba de seu passado anti-direitos humanos e impõe agenda regressiva como parte da identidade de seu governo.

* Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais (PRI) da Universidade Federal do ABC (UFABC).
** Alun@s do Bacharelado em Relações Internacionais (BRI) da UFABC.

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