Justiça

Entenda todas as alterações pela nova lei de trabalho temporário

Lei que regulamenta trabalho temporário produz uma série de retiradas de direitos garantidos na Constituição

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Publicado no Diário Oficial da União no último dia 15 de outubro, o Decreto nº 10.060, de 14 de outubro de 2019, passa a regulamentar a lei do trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 3 de janeiro de 1974), cuja regulamentação era feita anteriormente pelo Decreto nº 73.841, de 13 de março de 1974, o qual fora integralmente revogado pelo novo decreto presidencial.

Muito embora diversos sítios eletrônicos de notícias estejam divulgando aspectos [supostamente] positivos no texto do decreto, a verdade é que, em leitura conjunta da nova regulamentação com a Lei nº 6.019/1974, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), a Constituição Federal de 1988 (CF/88) e a jurisprudência consolidada do Tribunal Superior do Trabalho (TST), não restam dúvidas de que, mais uma vez, a atuação do governo federal representa uma afronta aos direitos do trabalhador, à dignidade da pessoa humana e aos valores sociais do trabalho.

De início, cumpre destacar que, ao chefe do Poder Executivo, é conferida a atribuição do chamado “poder regulamentar de execução”, cujo objetivo é o de expedir regulamentos que propiciem a fiel execução da lei, explicando o modo, a operacionalização e os pormenores para a adequada execução de uma norma. Nesse sentido, portanto, é evidente que o novo decreto regulamentador do trabalho temporário deveria ater-se à mera sistematização e regulamentação das disposições normativas trazidas pela lei dessa modalidade de labor.

Ocorre, todavia, que, além de não trazer nenhum benefício aos trabalhadores, o novo decreto presidencial acaba por violar a própria lei do trabalho temporário, em total absurdo no ordenamento jurídico brasileiro, sendo este mais um dos tantos já cometidos pelo atual governo.

Entenda as alterações

No tocante ao prazo de duração do contrato de trabalho temporário, o decreto regulamentou o que já estava em vigor desde 2017, com a edição da Lei nº 13.429/2017: prazo máximo de até 180 dias, com a possibilidade de ser prorrogado por até 90 dias, acrescentando, todavia, no caput e no parágrafo único do art. 27, que a contagem dos 180 ou dos 90 dias será de forma corrida, independentemente de a prestação de serviços ocorrer em dias consecutivos ou não.

Dessa forma, referidos prazos devem ser contados de forma corrida, incluindo os intervalos contratuais, e não apenas considerando só os dias efetivamente trabalhados, previsão esta que atende à proposta do governo de encerramento cada vez mais rápido do contrato de trabalho, com o consequente descarte mais rápido do trabalhador temporário.

Sem indenização por dispensa

Já com relação aos direitos do trabalhador temporário, o decreto não mais discrimina o direito à indenização em caso de dispensa sem justa causa ou término normal contrato, correspondente a 1/12 (um doze avos) do pagamento recebido pelo obreiro, previsto no art. 12, alínea “f” da lei do trabalho temporário e cuja previsão existia no antigo decreto que regulamentava a lei, em seu art. 17, inciso III.

Corte de férias proporcionais

Ainda com relação aos direitos do trabalhador temporário, ao tratar acerca das férias proporcionais, o novo decreto viola não apenas o art. 12, alínea “c”, da Lei nº 6.019/1974, mas também a própria CLT, ao afirmar, no parágrafo único de seu art. 20, que, para fins do pagamento das férias proporcionais, será considerada como mês completo a fração igual ou superior a quinze dias úteis, em total arrepio ao previsto no art. 146, parágrafo único, da CLT e informação que igualmente sequer existia no decreto já revogado, conforme leitura de seu art. 17, III.

Também quanto ao direito às férias proporcionais, o decreto afirma, em seu art. 20, inciso II, que seu valor será calculado na base de um doze avos do último salário percebido por mês trabalhado, ou seja, novamente violando o disposto na Consolidação Obreira, que, em seu art. 142, §6º, deixa claro que o cálculo das férias deverá observar a média duodecimal recebida no período aquisitivo de férias, a fim de evitar qualquer prejuízo salarial ao trabalhador caso o valor de sua remuneração a quando da concessão das férias seja inferior àquele da época do período de aquisição desse direito.

Sem limites para horas extraordinárias

Não bastassem os pontos acima comentados, de extrema relevância destacar também o decreto não apresenta nenhuma limitação diária de horas extraordinárias a serem exercidas pelo trabalhador temporário, em desacordo com o art. 12, alínea “b” da lei de trabalho temporário e com o art. 59, caput, da CLT, deixando ao livre arbítrio da empresa tomadora de serviços utilizar-se dos trabalhadores sem a devida observância de princípios relacionados às normas de medicina, higiene e segurança do trabalho, eis que a nova regulamentação dá margem a esse tipo de conduta, deixando o obreiro desprotegido neste particular.

Ademais, ainda com relação à jornada do trabalhador temporário, o parágrafo primeiro do art. 21 do decreto admite que esta poderá ser superior a oito horas diárias na hipótese de a empresa tomadora de serviços utilizar jornada de trabalho específica, sem, contudo, expor o que seria a chamada “jornada de trabalho específica”, visto que se trata de conceito juridicamente aberto e, portanto, que deixa o trabalhador à mercê de abusos patronais. Sobre este ponto, aliás, convém salientar que o art. 18 do decreto revogado excepcionava a observância da jornada de oito horas diárias apenas diante de disposições legais específicas concernentes a peculiaridades profissionais, requisito retirado, contudo, do atual decreto.

Corte de indenização por dispensa ou fim do contrato

Não obstante todos os aspectos negativos já apresentados, a lista de assassinatos aos direitos laborais continua. Conforme dispõe o art. 25 do decreto, é excluído dos trabalhadores temporários o direito à indenização prevista no art. 479 da CLT, aplicável em caso de dispensa sem justa causa do trabalhador antes do prazo previsto para o término do contrato, norma não prevista na lei do trabalho temporário e que, portanto, o decreto não poderia trazer tal proibição, eis que atenta contra princípio basilar do ordenamento jurídico brasileiro, qual seja, o princípio da legalidade (art. 5º, II, CF/88).

De igual sorte, o art. 31 do decreto estabelece que o contrato de individual de trabalho temporário não se confunde com o contrato por prazo determinado previsto no art. 443 da CLT, o que demonstra, novamente, um prejuízo trazido pela nova regulamentação, eis que a própria Lei nº 6.019/1974 não traz tal disposição.

E mais: além de o art. 31 do decreto representar uma verdadeira exorbitância do poder regulamentar do Executivo, eis que a lei nada versa a esse respeito, esse artigo viola o entendimento doutrinário majoritário acerca da matéria, eis que contratos de trabalho têm como gênero aqueles por prazo indeterminado e aqueles por prazo determinado, sendo que o contrato de experiência e o contrato de trabalho temporário são espécies deste último, sendo, pois, incongruente dissociar os contratos de trabalho temporário dos contratos por prazo determinado.

Empresas sem lastro sólido podem contratar

Além disso, o art. 5º, III, do decreto traz outra violação à lei, dessa vez no que se refere aos requisitos de registro das empresas de trabalho temporário junto ao Ministério da Economia. Enquanto que o art. 6º, III, da Lei nº 6.019/1974 exige que as empresas de trabalho temporário comprovem possuir capital social de, no mínimo, R$ 100.000,00 (cem mil reais), o decreto viola a lei e passa a permitir a constituição e o registro dessas empresas com capital social inicial de R$ 10.000,00 (dez mil reais).

Na prática, a consequência disso é permitir que empresas sem lastro financeiro sólido atuem no mercado sem a devida capacidade econômica de adimplir com as obrigações trabalhistas e previdenciárias de seus trabalhadores, o que incentiva, portanto, que esses trabalhadores fiquem desamparados em caso de não recebimento de seus haveres trabalhistas.

Taxa de agenciamento

Por fim – mas não menos importante –, o novo decreto traz a chamada “taxa de agenciamento de colocação à disposição dos trabalhadores temporários”, sobre qual não se refere a lei e tampouco se referia o decreto revogado. Para a surpresa [ou não] de todos, o decreto não conceitua o que seria sobredita taxa e sequer traz maiores explicações a seu respeito, possivelmente porque é mais conveniente assim fazê-lo, eis que quanto menos explicar, mais brechas para praticar violações de direitos terá.

Aliás, isso não é nenhuma novidade quando se trata do atual governo…

Publicado no Diário Oficial da União no último dia 15 de outubro, o Decreto nº 10.060, de 14 de outubro de 2019, passa a regulamentar a lei do trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 3 de janeiro de 1974), cuja regulamentação era feita anteriormente pelo Decreto nº 73.841, de 13 de março de 1974, o qual fora integralmente revogado pelo novo decreto presidencial.

Muito embora diversos sítios eletrônicos de notícias estejam divulgando aspectos [supostamente] positivos no texto do decreto, a verdade é que, em leitura conjunta da nova regulamentação com a Lei nº 6.019/1974, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), a Constituição Federal de 1988 (CF/88) e a jurisprudência consolidada do Tribunal Superior do Trabalho (TST), não restam dúvidas de que, mais uma vez, a atuação do governo federal representa uma afronta aos direitos do trabalhador, à dignidade da pessoa humana e aos valores sociais do trabalho.

De início, cumpre destacar que, ao chefe do Poder Executivo, é conferida a atribuição do chamado “poder regulamentar de execução”, cujo objetivo é o de expedir regulamentos que propiciem a fiel execução da lei, explicando o modo, a operacionalização e os pormenores para a adequada execução de uma norma. Nesse sentido, portanto, é evidente que o novo decreto regulamentador do trabalho temporário deveria ater-se à mera sistematização e regulamentação das disposições normativas trazidas pela lei dessa modalidade de labor.

Ocorre, todavia, que, além de não trazer nenhum benefício aos trabalhadores, o novo decreto presidencial acaba por violar a própria lei do trabalho temporário, em total absurdo no ordenamento jurídico brasileiro, sendo este mais um dos tantos já cometidos pelo atual governo.

Entenda as alterações

No tocante ao prazo de duração do contrato de trabalho temporário, o decreto regulamentou o que já estava em vigor desde 2017, com a edição da Lei nº 13.429/2017: prazo máximo de até 180 dias, com a possibilidade de ser prorrogado por até 90 dias, acrescentando, todavia, no caput e no parágrafo único do art. 27, que a contagem dos 180 ou dos 90 dias será de forma corrida, independentemente de a prestação de serviços ocorrer em dias consecutivos ou não.

Dessa forma, referidos prazos devem ser contados de forma corrida, incluindo os intervalos contratuais, e não apenas considerando só os dias efetivamente trabalhados, previsão esta que atende à proposta do governo de encerramento cada vez mais rápido do contrato de trabalho, com o consequente descarte mais rápido do trabalhador temporário.

Sem indenização por dispensa

Já com relação aos direitos do trabalhador temporário, o decreto não mais discrimina o direito à indenização em caso de dispensa sem justa causa ou término normal contrato, correspondente a 1/12 (um doze avos) do pagamento recebido pelo obreiro, previsto no art. 12, alínea “f” da lei do trabalho temporário e cuja previsão existia no antigo decreto que regulamentava a lei, em seu art. 17, inciso III.

Corte de férias proporcionais

Ainda com relação aos direitos do trabalhador temporário, ao tratar acerca das férias proporcionais, o novo decreto viola não apenas o art. 12, alínea “c”, da Lei nº 6.019/1974, mas também a própria CLT, ao afirmar, no parágrafo único de seu art. 20, que, para fins do pagamento das férias proporcionais, será considerada como mês completo a fração igual ou superior a quinze dias úteis, em total arrepio ao previsto no art. 146, parágrafo único, da CLT e informação que igualmente sequer existia no decreto já revogado, conforme leitura de seu art. 17, III.

Também quanto ao direito às férias proporcionais, o decreto afirma, em seu art. 20, inciso II, que seu valor será calculado na base de um doze avos do último salário percebido por mês trabalhado, ou seja, novamente violando o disposto na Consolidação Obreira, que, em seu art. 142, §6º, deixa claro que o cálculo das férias deverá observar a média duodecimal recebida no período aquisitivo de férias, a fim de evitar qualquer prejuízo salarial ao trabalhador caso o valor de sua remuneração a quando da concessão das férias seja inferior àquele da época do período de aquisição desse direito.

Sem limites para horas extraordinárias

Não bastassem os pontos acima comentados, de extrema relevância destacar também o decreto não apresenta nenhuma limitação diária de horas extraordinárias a serem exercidas pelo trabalhador temporário, em desacordo com o art. 12, alínea “b” da lei de trabalho temporário e com o art. 59, caput, da CLT, deixando ao livre arbítrio da empresa tomadora de serviços utilizar-se dos trabalhadores sem a devida observância de princípios relacionados às normas de medicina, higiene e segurança do trabalho, eis que a nova regulamentação dá margem a esse tipo de conduta, deixando o obreiro desprotegido neste particular.

Ademais, ainda com relação à jornada do trabalhador temporário, o parágrafo primeiro do art. 21 do decreto admite que esta poderá ser superior a oito horas diárias na hipótese de a empresa tomadora de serviços utilizar jornada de trabalho específica, sem, contudo, expor o que seria a chamada “jornada de trabalho específica”, visto que se trata de conceito juridicamente aberto e, portanto, que deixa o trabalhador à mercê de abusos patronais. Sobre este ponto, aliás, convém salientar que o art. 18 do decreto revogado excepcionava a observância da jornada de oito horas diárias apenas diante de disposições legais específicas concernentes a peculiaridades profissionais, requisito retirado, contudo, do atual decreto.

Corte de indenização por dispensa ou fim do contrato

Não obstante todos os aspectos negativos já apresentados, a lista de assassinatos aos direitos laborais continua. Conforme dispõe o art. 25 do decreto, é excluído dos trabalhadores temporários o direito à indenização prevista no art. 479 da CLT, aplicável em caso de dispensa sem justa causa do trabalhador antes do prazo previsto para o término do contrato, norma não prevista na lei do trabalho temporário e que, portanto, o decreto não poderia trazer tal proibição, eis que atenta contra princípio basilar do ordenamento jurídico brasileiro, qual seja, o princípio da legalidade (art. 5º, II, CF/88).

De igual sorte, o art. 31 do decreto estabelece que o contrato de individual de trabalho temporário não se confunde com o contrato por prazo determinado previsto no art. 443 da CLT, o que demonstra, novamente, um prejuízo trazido pela nova regulamentação, eis que a própria Lei nº 6.019/1974 não traz tal disposição.

E mais: além de o art. 31 do decreto representar uma verdadeira exorbitância do poder regulamentar do Executivo, eis que a lei nada versa a esse respeito, esse artigo viola o entendimento doutrinário majoritário acerca da matéria, eis que contratos de trabalho têm como gênero aqueles por prazo indeterminado e aqueles por prazo determinado, sendo que o contrato de experiência e o contrato de trabalho temporário são espécies deste último, sendo, pois, incongruente dissociar os contratos de trabalho temporário dos contratos por prazo determinado.

Empresas sem lastro sólido podem contratar

Além disso, o art. 5º, III, do decreto traz outra violação à lei, dessa vez no que se refere aos requisitos de registro das empresas de trabalho temporário junto ao Ministério da Economia. Enquanto que o art. 6º, III, da Lei nº 6.019/1974 exige que as empresas de trabalho temporário comprovem possuir capital social de, no mínimo, R$ 100.000,00 (cem mil reais), o decreto viola a lei e passa a permitir a constituição e o registro dessas empresas com capital social inicial de R$ 10.000,00 (dez mil reais).

Na prática, a consequência disso é permitir que empresas sem lastro financeiro sólido atuem no mercado sem a devida capacidade econômica de adimplir com as obrigações trabalhistas e previdenciárias de seus trabalhadores, o que incentiva, portanto, que esses trabalhadores fiquem desamparados em caso de não recebimento de seus haveres trabalhistas.

Taxa de agenciamento

Por fim – mas não menos importante –, o novo decreto traz a chamada “taxa de agenciamento de colocação à disposição dos trabalhadores temporários”, sobre qual não se refere a lei e tampouco se referia o decreto revogado. Para a surpresa [ou não] de todos, o decreto não conceitua o que seria sobredita taxa e sequer traz maiores explicações a seu respeito, possivelmente porque é mais conveniente assim fazê-lo, eis que quanto menos explicar, mais brechas para praticar violações de direitos terá.

Aliás, isso não é nenhuma novidade quando se trata do atual governo…

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