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Covid-19 e os impactos nas relações de trabalho

Alterações nas relações de trabalho impactam na responsabilidade do empregador, home office e na chamada ‘lay off’

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Com a declaração da Organização Mundial da Saúde (OMS) reconhecendo a pandemia global do vírus COVID-19, bem como com a identificação dos primeiros casos de pacientes contaminados no Brasil, surgem questionamentos vinculados às relações de trabalho e aos efeitos jurídicos de afastamentos e da realização de trabalho remoto.

Ao analisar as alternativas jurídicas cabíveis para mitigação de impactos, deve-se observar a proteção dos trabalhadores e evitar medidas que vulnerabilizem ainda mais a população no enfrentamento da pandemia. Vejamos:

Medidas de isolamento

Em atenção à ampla disseminação do vírus COVID-19, foi sancionada a Lei n. 13.979/2020, dispondo medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública resultante da pandemia. A normativa estabelece que as ausências do empregado decorrentes de medidas propostas para contenção do contágio – como isolamento e quarentena – serão consideradas faltas justificadas; tratando-se, portanto, de interrupção do contrato de trabalho, com regular recebimento do salário.

Todavia, importa observar que tais medidas de emergência deverão estar vinculadas à determinação das autoridades locais de saúde, com autorização do Ministério da Saúde, conforme dispõe a Portaria 356/2020.

Em não havendo determinação dos órgãos de saúde de medidas como quarentena e isolamento, há a possibilidade do afastamento por força maior ser compensado com até duas horas extras diárias, durante no período máximo de 45 dias por ano, com fulcro no § 3º, do art. 61 e no art. 501 da CLT.

Além do mais, o período de afastamento superior a 30 dias pode ser compensado com férias proporcionais, de maneira que se iniciaria um novo período aquisitivo quando do retorno do empregado às atividades, conforme disposição do art. 133, III da CLT.

Visando mitigar o contágio em deslocamentos e no próprio ambiente laboral, discute-se, também, a concessão imediata de férias aos empregados. Ante a eminente eclosão de uma crise no sistema de saúde, já experienciada em outras nações, entende-se que é razoável a flexibilização da regra prevista no artigo 135 da CLT, dispensando o empregador da realização do aviso de férias com antecedência mínima de 30 dias, bem como, no caso de férias coletivas, do aviso ao Ministério da Economia com 15 dias de antecedência.

Apesar de ser razoável que tal medida possa ser tomada com as referidas flexibilizações, ressalta-se que, ainda assim, deve o empregador realizar o pagamento imediato das férias, respeitando o acréscimo do terço constitucional, bem como informar o Ministério da Economia na hipótese de férias coletivas (art. 139, § 2, CLT).

Acrescenta-se que o empregado infectado pelo COVID-19 estará sujeito às regras gerais que dispõem sobre licença por motivo de saúde – isto é, cabe ao empregador arcar com o salário integral do empregado no decorrer dos primeiros 15 dias e, após o 16º dia de afastamento em decorrência da doença, o empregado passa a receber auxílio doença do INSS.

Protegidos com mascaras por causa da pandemia do Coronavírus paulistanos caminham na avenida Paulista. Foto – Guilherme Gandolfi

Lay off

O termo lay off se refere à uma realocação contratual em que, por medida de exceção, o contrato de trabalho pode ser suspenso de forma parcial e temporária, visando atender demandas em um cenário economicamente desfavorável e evitar demissões em massa. A implementação da medida é prevista na legislação vigente em duas hipóteses: para requalificação profissional, pelo período de dois a cinco meses (art. 476-A da CLT), e para redução temporária da jornada de trabalho e da remuneração (art. 2º da Lei n. 4.923/1965).

Desta forma, é possível, por meio de acordo com a entidade sindical pertinente, estabelecer redução salarial – não superior a 25% do salário e respeitando-se o salário mínimo – por prazo determinado.

Para isso, deve ser constatada motivação decorrente de conjuntura econômica devidamente comprovada, bem como ocorrer a redução da jornada ou de dias laborados. A medida pode ser determinada por um período máximo de 3 meses, prorrogável, nas mesmas condições, caso mostre-se ainda indispensável para a viabilidade financeira da empresa.

Países europeus, como Portugal, têm se utilizado do lay off como alternativa frente aos impactos do COVID-19 na economia. A Portaria n.71-A 2020, publicada no Diário da República português, dispõe sobre medidas relativas à situação epidemiológica do novo Coronavírus, prevendo um lay off “simplificado” voltado para as empresas que sofrerem uma queda de 40% do faturamento no período de três meses – ou, se constituída a menos 12 meses, queda de faturamento que totalize a média deste período –; nesses casos, será autorizado o corte de um terço do salário bruto, não implicando a suspensão do contrato de trabalho.

Durante a adoção do lay off simplificado, a Seguridade Social assegurará o pagamento de 70% dos dois terços a serem recebidos pelos empregados. Contudo, a normativa vem sendo criticada por apresentar-se excessivamente onerosa ao empregado e entidades como a Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses (CGTP) posicionam-se contra a medida, exigindo novas alternativas e negociações.

HOME OFFICE

Com o aumento de casos confirmados de contaminação pelo COVID-19, diversas empresas estão orientando seus empregados a realizar trabalho remoto, em seus domicílios – também conhecido como “home office”. Esclarece-se que o empregado que desempenha suas atividades ao empregador a partir de seu domicílio encontra-se laborando na modalidade de teletrabalho, não havendo qualquer interrupção ou suspensão do contrato de trabalho, mas tão somente alteração do regime em que o labor está sendo desempenhado.

Por conseguinte, não há falar em redução salarial dos empregados que passam a laborar de forma remota, tampouco em compensação com férias ou posterior realização de jornada extraordinária.

No Brasil, o teletrabalho foi regulamentado a partir da Reforma Trabalhista (Lei nº 13.467/2017) e, de acordo com a redação do artigo 75-C, a alteração do regime presencial para o regime de teletrabalho deverá ser formalizada em aditivo contratual, sendo imprescindível o mútuo acordo entre empregado e empregador ou o período mínimo de transição de 15 dias para que o trabalhador se adeque à nova modalidade.

Contudo, diante da conjuntura de pandemia do COVID-19 e de ampla veiculação de orientações para que a população evite deslocamentos e ambientes públicos, entende-se que é possível a mitigação das regras formais previstas no artigo 75-C para adoção do teletrabalho como medida temporária, dispensando-se o ajuste escrito e o período de transição mínimo de 15 dias.

JUSTA CAUSA E SAÚDE PÚBLICA

Considerando o contexto de pandemia e a crise enfrentada pelas demais nações atingidas pelo surto do COVID-19, tanto o empregado quanto o empregador devem observar rigorosamente as orientações de higiene para contenção da transmissão do vírus.

Nesse sentido, destaca-se que é obrigação do empregador a instrução dos empregados sobre precauções para evitar doenças ocupacionais, bem como cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho, com fulcro no artigo 157, I e II da CLT. Logo, orienta-se, além da disponibilização de álcool gel e intensificação de demais medidas de higiene pelas empresas, que o empregado com suspeita de contaminação seja imediatamente afastado.

O empregador, ao não adotar medidas preventivas e de contenção do vírus, poderá estar ensejando a rescisão indireta do contrato de trabalho por justa causa, diante do perigo manifesto de mal considerável previsto no art. 483, alínea “c” da CLT, considerando o caso em concreto. Nessa perspectiva, a NR-1 também prevê o direito de recusa do trabalhador que constatar situação de trabalho envolvendo risco grave e iminente para a sua vida e saúde, devendo informar imediatamente seu superior hierárquico. De acordo com o texto da normativa, considera-se de risco grave a situação que poderá causar doença relacionada ao trabalho com lesão grave à integridade física do empregado.

Todavia, ao exercer tal direito, o trabalhador deve também observar o caso em concreto, tanto no que tange ao risco de contágio quanto ao enquadramento do empregado na população de risco, sugerindo-se a busca de consultoria jurídica para a realização desta análise.

Acrescenta-se, ainda, que o empregado que se recusar a atender medidas de higiene também poderá estar incorrendo em justa causa. O trabalhador, portanto, que deixar de adotar as orientações do empregador voltadas à saúde e segurança, como o uso de EPI – abrangendo casos em que determinada a utilização de luvas, máscara e álcool gel, sempre que fornecidos pela empresa – e o afastamento quando há suspeita de contaminação pelo vírus, poderá sofrer advertências, suspensão e, até mesmo, rescisão do contrato motivada por justa causa, com fulcro no parágrafo único do artigo 158 da CLT.

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