Lado

Após a pandemia, a racionalidade neoliberal não permitirá mais nada

A política de austeridade à classe trabalhadora e o socorro aos bancos encontram no governo brasileiro um excelente corpo para parasitar

Foto: Joaquin Sarmiento/AFP
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As concentrações de renda, a implementação do processo de globalização, o crescimento das desigualdades sociais e econômicas, a depreciação e o descaso com o bem-estar do planeta possuem estreita relação com o surgimento de uma pandemia.

A esse respeito, Carlos Taibo, professor de Ciência Política na Universidade Autônoma de Madri, assinala que as alterações climáticas, a destruição da biodiversidade, o aumento da poluição em todo o planeta são agentes que se apresentam como eventos naturais afetados pelas ações humanas e que podem desencadear um ataque cardíaco na economia mundial, com acentuação das tensões sociais e geopolíticas.[1] Tratando como elementos adjacentes para resultar um colapso do planeta, embora o mesmo autor reconheça a dificuldade de se estabelecer um preciso conceito e a presença todos os fatores concretamente existentes, para que o modelo de colapso tratado seja alcançado. Contudo, lança uma estimativa, dentro das premissas que estuda e admitindo que o neoliberalismo siga reprisando suas ações, que se desenha entre os anos de 2020 e 2050.[2]

Nessa perspectiva, a agenda capitalista (neoliberal) tem sufocado a classe trabalhadora em todo o mundo, com políticas de austeridade relativamente aos direitos laborais e sociais, ao mesmo tempo em que insiste em socorrer os bancos e o sistema financeiro, especialmente em meio à pandemia. Na mesma medida, o governo brasileiro praticamente nada fez quanto à implementação de políticas públicas (propositivas) com a intenção de sinalizar a possibilidade de entregar estrutura para que a população brasileira em condição de vulnerabilidade, pudesse superar com segurança econômica, psíquica, sanitária e financeira a pandemia.

Este modelo de sociedade, economicamente estruturada por uma dimensão perversa, entrega dados alarmantes. Em 2016, segundo estudos da Organização não governamental britânica Oxfam, a riqueza acumulada pelos um por cento (1%) mais abastados, equivalia a riqueza dos noventa e nove por cento (99%) restantes da população mundial, onde, as 62 pessoas mais ricas do mundo possuíam riqueza equivalente a cinquenta por cento (50%) do restante da população mundial. Em 2019, ou seja, apenas cerca de três anos após referida pesquisa e há mais de um ano, portanto, antes do início da pandemia, esta proporção se acentua, revelando ainda maior concentração de riqueza, como se já não fossem números assustadores, apontando que as 26 pessoas mais ricas do mundo detinham riqueza equivalente 3,8 bilhões de pessoas, ou seja, a cinquenta por cento (50%) da população mais pobre do planeta. O exemplo brasileiro não destoa, pois recentes pesquisas orientam que os bilionários brasileiros enriqueceram 34 bilhões de dólares no curso da pandemia.

Corolário disso, a sociedade brasileira naturalizou a morte, da população pobre e negra, transformando especialmente essas vidas em números integrantes de tabelas de estatísticas.

As práticas implementam a aceleração da desintegração da sociedade como se conhece, ou ao menos, como se projeta no ritual ideário de um estado de bem-estar social, em uma distante imagem, turva e nebulosa, de uma Constituição Cidadã, igualmente maltratada pela Corte que se prestaria a observa-la. Um documento vazio dentro da lógica dos interesses do capital. Um documento no mais das vezes ignorado por um Poder Judiciário, em sua maioria, classista e burguês, que insiste em voltar o olhar e a sua compreensão para o lado equivocado da sociedade. Um Poder que olha a morte e a exclusão social como danos colaterais do sistema.

Alguns números da pandemia reduziram nos últimos dias, ainda que significativamente expressivos. Os anormais que dirigem o país comemoram, sem ter apresentado projeto algum de combate à pandemia. Retomam, em meio à excitação apenas vista em vilões dos piores contos, sucessivas pautas de eliminação do Estado, com um entreguismo sequer visto nos períodos de FHC. Edificam a base de sua política econômica e de destruição social sobre as covas de centenas de milhares de brasileiros e brasileiras. Piores do que parasitas se apropriam das almas e das dores alheias, como se responsabilidade alguma possuíssem, para motivar a destruição de um país, como se fosse essa a única alternativa.

Quando elegeram a morte como política pública, sugaram a alma do país, como sufocam a Amazônia. São destrutivos. São cruéis. Assassinos de vidas e de esperanças.

Após a pandemia, a racionalidade neoliberal não permitirá mais nada. Nem vida, nem esperança. Àqueles (as) que vivem do trabalho terão apenas a si mesmos (as), mas, seguramente, sem Estado, sem oportunidade e sem inclusão, pouco haverá de ter sobrado.

A política de Jair Bolsonaro seguirá sendo edificada sobre covas e alimentada pelas almas de uma gente inocente e não será o coronavírus a arma utilizada, desta vez.


[1] TAIBO, Carlos. Colapso: capitalismo terminal, transación ecosocial, ecofascismo. Madrid (ESP): Catarata. Ed. 1. 2016. p. 54.

[2] Ibidem. p. 117-118.

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