Justiça

A democracia brasileira precisa de sindicatos fortalecidos e direitos trabalhistas assegurados

Decisões sucessivas do Judiciário a favor do empresariado tem desiquilibrado ainda mais o exercício de direitos pelos trabalhadores

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As frequentes manifestações, nas ruas e nas redes sociais, de intolerância política e de insatisfação com as instituições democráticas só enfatizam a presença de crenças e valores autoritários no solo de sustentação da sociedade brasileira.

Essa erva daninha, dotada de profundas raízes históricas que remontam o patriarcalismo colonial, tem permeado as instituições nacionais, fazendo com que elas, não raras vezes, atuem de maneira a transmutar o Estado Democrático de Direito em véu que encobre o avanço de medidas autoritárias e antidemocráticas.

Além disso, a economia de mercado tem assentado, como princípio regente da sociedade, o da racionalidade econômica, relativizando, a partir desse primado, os marcos protetivos da dignidade humana, além de promover a supremacia do indivíduo frente às coletividades. Essas forças se ativam e envolvem, de modo atmosférico, a tudo e a todos.

Particularmente, o Poder Judiciário não é imune a essas influências.

Muito embora representem importantes conquistas civilizatórias e se constituam em pilar do próprio Estado Democrático de Direito, a organização sindical, a negociação coletiva de trabalho e o direito de greve têm sido duramente impactados em meio a esse preocupante contexto.

A organização sindical, tal como definida no ordenamento jurídico nacional, abriga, em sua base estrutural, clamoroso paradoxo. Isso porque, se de um lado, é dever do sindicato promover a defesa dos interesses, sobretudo os coletivos, dos membros da categoria, por outro lado, estes podem simplesmente não contribuir com o custeio e manutenção da entidade que os representa. Esse contrassenso tem comprometido a própria subsistência desses sujeitos.

A questão da contribuição sindical não obrigatória

O Poder Judiciário foi chamado a se pronunciar sobre a mencionada questão, já que o legislador, ao introduzir o art. 611-B, XXVI, da CLT, condicionou, os descontos, em favor das entidades sindicais, à existência de “expressa e prévia autorização”, sem especificar se essa autorização era individual ou coletiva.

Os Tribunais, majoritariamente, trataram de conferir primazia ao postulado de direito individual da irredutibilidade salarial, tendo, ainda, concebido, em termos absolutos, o Princípio da Livre Sindicalização, quando ele, no âmbito nacional, é substancialmente relativizado pelo Princípio da Unicidade Sindical, já que o representado não tem a liberdade de escolher a entidade que o representa.

Na medida em que os Acordos e Convenções Coletivas de Trabalho são aprovados em assembleia geral da categoria, podendo, por esse meio, inclusive, vir a ser deliberada a redução dos salários (art. 7º, VI, CF), não haveriam de ser diferente as decisões acerca do custeio da organização sindical. Afinal, as coletividades organizadas se sujeitam a decisões coletivizadas, sendo essa autêntica projeção do conceito de democracia.

Sob outra perspectiva, é fundamental que as pessoas tenham, minimamente, de contribuir com aquilo que as beneficiam.

Enfim, sob as bençãos do Poder Judiciário, prossegue a sísmica incongruência situada na base da organização dos Sindicatos, o que concretamente tem favorecido a brutal redução de suas receitas, limitando a sua capacidade de ação e reação.

O negociação coletiva de trabalho prejudicada por decisões do Judiciário

Não apenas os Sindicatos, na qualidade de sujeitos coletivos, têm sido vulnerados por decisões judiciais, mas também a negociação coletiva de trabalho e, sobretudo, o direito de greve.

Não se pode perder de mira que a democracia, em sua acepção plena, pressupõe a valorização da diversidade e, por consequência, o reconhecimento dos conflitos como elemento dinâmico da evolução da própria sociedade. Há, nesse sentido, a rejeição das vias autoritárias de resolução dos conflitos, favorecendo a via dialógica como meio de superação ou de abrandamento das dissensões, sempre com o foco de estabelecer a coexistência equilibrada das forças sociais.

A negociação coletiva de trabalho haveria de ser garantida e fomentada. A realidade, no entanto, é inteiramente outra.

A começar, pelo entendimento do Supremo Tribunal Federal, firmado em 12/11/1992 (ADI nº 492-1/DF), ao declarar a inconstitucionalidade da alínea “d”, do art. 240, da Lei nº 8.112/1990, demovendo, de maneira absoluta, o direito à negociação coletiva em favor dos servidores públicos federais. Seria razoável e, sobretudo, benfazejo à democracia, o reconhecimento da constitucionalidade da negociação coletiva no setor público, ressalvando-se a observância do Princípio da Reserva Legal.

Na esfera privada, o âmbito de negociação coletiva de trabalho veio até ser ampliado, porém, para possibilitar a limitação de direitos legalmente assegurados. Antes mesmo do advento da nefasta Reforma Trabalhista, o STF já havia decidido pela constitucionalidade do uso da negociação coletiva de trabalho para excluir ou flexibilizar direitos legalmente assegurados, sendo paradigmática a decisão proferida em 09/12/2016 (RE 895.759/PE).

Vigilantes em greve no Rio de Janeiro. Foto de 2014/Agência Brasil.

A violação ao direito de greve

Em meio a escalada dos conflitos, irrompidos no seio das relações coletivas de trabalho, o direito de greve desponta como expressão de força dos trabalhadores, isso em contraposição ao poder econômico dos empregadores. É imprescindível a sua existência como mecanismo de calibragem das relações de trabalho no plano coletivo, propiciando maior equilíbrio no plano das negociações coletivas.

Em lugar de favorecer o diálogo, os Tribunais do Trabalho têm concedido liminares, com meteórica rapidez, determinando que, no curso da greve, segmento expressivo dos trabalhadores permaneçam no exercício de suas atividades laborativas.

A simples notícia da existência dessas decisões já desmobiliza, em grande medida, o movimento paredista e, ainda, avigora a inflexão da representação patronal no plano das negociações coletivas, promovendo, dessa maneira, grave desequilíbrio na dinâmica do conflito.

A greve, portanto, tem sido tratada como se fosse autêntica enfermidade no tecido social, que exigisse, do Estado-Juiz, a pronta ação remediadora, de modo a evitar percalços à sociedade. Longe disso, a greve é a exteriorização dos conflitos existentes no plano social, o que demanda, ao invés de repressão, a busca de sua resolução pelos meios condizentes com o Estado Democrático de Direito.

Dito isso, são inevitáveis as seguintes indagações

O que se pode esperar do futuro das relações coletivas de trabalho no Brasil? O que será da democracia brasileira?

A resposta, a essas perguntas, caberá ser construída pela sociedade em geral, mas, em especial, pelos atores sociais, sendo igualmente certa a responsabilidade do Poder Judiciário pelo que advirá.

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