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Vozes Latinas: pesquisa identifica mais de 200 grupos de comunicação latino-americanos

Realizado pelo coletivo Intervozes, o mapeamento traz mídias comerciais, comunitárias, independentes e ativistas da região

Vozes Latinas: pesquisa identifica mais de 200 grupos de comunicação latino-americanos
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Por Alex Pegna Hercog

Se aproximar dos acontecimentos, reflexões e disputas que ocorrem na América Latina – esses foram os principais objetivos da pesquisa desenvolvida pelo Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social que, ao longo do primeiro semestre de 2024, mapeou diversos grupos de comunicação do continente. A pesquisa foi realizada por Alex Pegna Hercog e teve foco na América do Sul (exceto Brasil, Guianas e Suriname), México, El Salvador, Guatemala e Honduras. Ao todo, foram identificadas 234 mídias, considerando os principais grupos comerciais de cada país, mas com uma busca especial pelas mídias que se definem como comunitárias, independentes e ativistas.

A pesquisa se debruçou sobre os grupos que produzem conteúdos jornalísticos autorais (matérias, artigos, reportagens, etc), com foco em imprensa (incluindo as que funcionam em formato totalmente digital), ainda que algumas rádios comunitárias, webtv e podcasts tenham sido identificados ao longo dessa investigação e mapeados para um eventual aprofundamento da pesquisa. A busca se deu a partir de citações de mídias em artigos e matérias; de mapeamentos já realizados, a exemplo do projeto Sembra Media; de consulta aos relacionamentos nas redes sociais dos grupos de mídia pesquisados; além de consultas diretas a organizações dos movimentos sociais e ativistas. A partir dessas referências, foram feitas consultas aos respectivos sites e redes sociais dos veículos identificados para confirmar o perfil e se estavam em atividade.

A expectativa é que esse levantamento seja a primeira etapa de um projeto que prevê a ampliação do mapeamento para todos os países latino-americanos, contemplando outras mídias (rádios, TVs, podcasts, etc). Assim, se pretende aproximar o Brasil do restante do continente, a partir da consulta a um amplo leque de fontes que oferecem diversas narrativas e pautas.

Concentração midiática na América Latina

A exemplo do Brasil, os países latino-americanos convivem com um cenário de concentração midiática. Em 2019, Intervozes e Repórteres Sem Fronteiras lançaram a pesquisa “Quem controla a mídia na América Latina?”, que analisou a situação da Argentina, Brasil, Colômbia, México e Peru. De acordo com o Intervozes, a pesquisa aponta que nesses países “os meios de comunicação estão sob controle do setor corporativo e de famílias empresariais que se vinculam às elites econômicas e políticas e usam sua capacidade de influenciar a opinião pública como capital”.

A pesquisa ainda aponta para o controle da informação nas mãos de poucos conglomerados, a relação dessas empresas com grupos políticos, a falta de diversidade racial no quadro societário dos veículos e a ausência de regulamentação nesses países para impedir a concentração midiática. Mas o esforço para ampliar o acesso às informações e à diversidade de conteúdos faz surgir diversas iniciativas em todo o continente. Muitas delas se definem “independentes” politicamente e sobrevivem a partir de esforços voluntários, participação em editais, financiamento de agências, venda de serviços ou até mesmo vaquinhas.

A manutenção das mídias não hegemônicas também varia de acordo com a instabilidade política de seus países. Na Argentina, por exemplo, a Ley de Medios, aprovada em 2009 e declarada constitucional em 2013, buscava garantir o direito à comunicação, incluindo políticas públicas para ampliar a participação da sociedade civil na produção e distribuição de conteúdo. No entanto, a partir da eleição de Mauricio Macri em 2015, houve uma desregulamentação e cortes de instituições e programas que visavam desconcentrar a mídia no país.

Governos autoritários também têm feito alguns grupos fecharem as portas, a exemplo do tradicional jornal El Faro, de El Salvador, que denunciou ser vítima de perseguição judicial e espionagem pelo regime de Nayib Bukele – em 2023, o grupo anunciou sua mudança para a Costa Rica. O regime de Nicolás Maduro, na Venezuela, também tem abafado vozes dissonantes, sobretudo defensoras dos direitos humanos e com críticas “à esquerda” do governo, utilizando a comunicação pública e mídias aliadas para reproduzir informações e discursos governistas frente aos veículos tradicionalmente oposicionistas comandados por empresários e adversários políticos.

Diante de um continente marcado pela concentração de riquezas e poder (incluindo a midiática) e que vive num estado permanente de ameaças, tentativas e concretizações de golpes, a informação ocupa um lugar estratégico. Tal como no Brasil, os demais países latino-americanos também enfrentam o descontrole da desinformação fomentada pelas grandes plataformas e ausência de regulação das big techs, o que tem feito crescer as ondas de extrema-direita no continente. Assim, esse levantamento realizado pelo Intervozes pretende contribuir com o acesso a fontes e fluxos de informações atualizadas e diversificadas na América Latina, buscando reduzir o abismo cultural e político que separa o Brasil dos demais países do continente.

Mídias identificadas na pesquisa

Em relação aos grupos que atuam em rede ou com coberturas transnacionais, com um perfil progressista, destacam-se: Distintas Latitudes, Connectas, La Izquierda Diario, El Ciudadano, Agencia Presentes e Nodal (América Latina). Alguns países também possuem redes consolidadas que integram jornalistas e grupos de mídias que se declaram independentes, comunitárias ou alternativas: Red Nacional de Medios Alternativos (Argentina), La Liga Contra el Silencio (Colômbia), Periodistas de a pie (México), Media Red (Uruguai).

No campo comercial, dentro de um espectro mais conservador e ligado aos principais oligopólios, estão: Clarín (Argentina), El Deber (Bolívia), La Tercera (Chile), El Tiempo (Colômbia), El Universo (Equador), La Prensa Grafica (El Salvador), Prensa Libre (Guatemala), Diario La Prensa (Honduras), El Universal (México), La Nación (Paraguai), La República (Peru), El País (Uruguai) e El Diario (Venezuela). Já as mídias comerciais não-hegemônicas, mas com amplo alcance nacional e com uma linha editorial mais progressista, destacam-se: Página 12 (Argentina) e El Faro (El Salvador).

Em relação às mídias que se declaram independentes do poder governamental e possuem alinhamento com os direitos humanos e agendas progressistas, chama a atenção o grande número de veículos na Argentina, dentre eles: Revista Sudestada, Revista Anfibia, Revista MU (LaVaca), Tiempo Argentino, Revista Cítrica, ANRed e La Garganta Poderosa – esta última, existente há quase 20 anos e intrinsecamente ligada às lutas políticas contra as violências cometidas pelo Estado e grupos empresariais. Também se destaca o Peru: Wayka, La Encerrona, Lamula, Ojo Público e El Foco, que trazem uma perspectiva crítica diante do conturbado contexto político peruano e suas sucessivas derrubadas de presidente ocorridas nos últimos anos.

Do Chile, presidido pelo candidato da esquerda Gabriel Boric, aparecem: La Voz de los que Sobran, Interferencia, Resumen e Revista Anfibia Chile. Esses grupos adotam uma posição crítica ao  governo, mesmo estando no mesmo conjunto político que se posiciona em defesa dos direitos humanos e da democracia. Outro país que se destaca, o México: Revista Gatopardo, Animal Político, Lado B, ZonaDocs, Saltapatrás e Raíchali.

Dos países pesquisados da América Central, algumas das mídias independentes identificadas foram:  Revista Factum, IzCanal e Revista Gato Encerrado (El Salvador); Prensa Comunitaria Km 169, Plaza Pública e No-Ficción (Guatemala); Contracorriente e Criterio (Honduras). Já nos demais países sul-americanos, destacam-se: La Brava (Bolívia); Revista Cartel Urbano, Revista Hekatombe e Colombia Informa (Colômbia); Wambra, GK e La Barra Espaciadora (Equador); El Surtidor, Latitud 25 e Periódico E´a (Paraguai); Brecha Semanario, Revista Sudestada Uruguay e Periferia (Uruguai); Tal Cual, Runrunes e Efecto Cucuyo (Venezuela).

Também foram identificadas mídias segmentadas, a exemplo do Salud con Lupa (Peru), que aborda questões relacionadas à saúde, e o Pacifista (Colômbia), que tem como foco o conflito armado. Questões climáticas e meio ambiente é outro segmento com ampla cobertura, a exemplo das mídias independentes: Rai Bolivia (Bolívia), Tomate Rojo (Chile), Avispa Midia (México), Malayerba e Mongabay LatAm. Em relação a mídias que fazem a cobertura dos povos originários ou são diretamente lideradas por indígenas, foram identificadas: Avkin Pivke Mapu (Mapuche/Argentina), MapuExpress (Mapuche/Chile), WAYUNAIKI (Venezuela) e Agenda Propria.

Dentre as mídias que possuem foco na cobertura de pautas ligadas à diversidade sexual e de gênero, destacam-se: Periódicas (Argentina), Edición Cientonce (Equador), Reportar Sin Miedo (Honduras), Memorias de Nómada (México) e La Antígona (Peru). Mídias que se declaram feministas também aparecem em bom número: Feminacida, LAFTEM e El Grito del Sur (Argentina), Muy Waso (Bolívia), La Otradiaria (Chile), Afrocolectiva e Manifiesta (Colômbia), La Periódica (Equador), Alharaca (El Salvador), Ruda (Guatemala), Cimacnoticias (México), Volcánicas e Revista Emancipa.

Esta é uma mostra parcial do levantamento. Concluída essa etapa do mapeamento de mídias latino-americanas, o Intervozes buscará parcerias para dar continuidade a essa investigação. Dentre os objetivos estão a ampliação, aprofundamento e divulgação da pesquisa, além da realização de intercâmbios com coletivos e grupos de mídia independente. 

Um passo inicial por um continente com tanto a caminhar.

Alex Pegna Hercog é baiano, comunicador popular e membro do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social.

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