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Teles avançam na verticalização e ameaçam provedores de conteúdo

Mudança no cenário de organização das empresas de tecnologia da informação e comunicações pode gerar perdas econômicas e culturais

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Por Marina Pita*

Há um movimento de fusões e aquisições no mercado de telecomunicações ocorrendo que merece atenção. Tanto por parte daqueles que se preocupam com direito do consumidor e concorrência, quanto por parte daqueles que entendem a importância da diversidade cultural.

Em outubro de 2016, a AT&T, operadora norte-americana de telecomunicações, anunciou a compra da Time Warner, terceiro maior conglomerado do mundo do ramo de entretenimento, dono da HBO e da Turner, por exemplo. No mesmo ano, a Verizon, outra empresa de telecomunicações norte-americana, anunciou a aquisição do Yahoo, empresa de conteúdo na internet.

Em junho último, a operadora francesa Vivendi, que bem antes disso já havia declarado seu interesse em fortalecer a área de entretenimento (ela já controla a Universal Music e a EMI), anunciou o lançamento de uma plataforma de vídeo, a Studio+, em parceria com a operadora Vivo, para concorrer com o Netflix. Mais recentemente, e em uma escala muito menor, a Telefônica Brasil comprou as ações do Terra Networks Brasil, também uma empresa de conteúdo para a web.

Por ocasião do anúncio do negócio, Ricardo Sanfelipe, vice-presidente de estratégia digital e inovação da Vivo, afirmou ao jornal Valor Econômico: “É uma fronteira que está sendo derrubada”, citando a compra do Yahoo pela Verizon. Esta barreira, a qual Sanfelipe se refere, é a separação entre as empresas da camada de conteúdo e as empresas da camada de infraestrutura (a rede física que suporta a Internet).

Se as empresas de telecomunicações, em um primeiro momento, perderam a corrida para competir no ambiente chamado Over The Top (OTT) – a camada superior da Internet, a do conteúdo – e ficaram relegadas à venda da conexão e à construção de infraestrutura, atividades atualmente consideradas commodities e, portanto, de baixo valor agregado, está claro que está em curso uma nova estratégia para dar a volta por cima. E, a grande aposta está em usar a rede como vantagem competitiva para a entrega de conteúdo.

Uma das formas de garantir tal vantagem é oferecendo acesso às plataformas próprias sem descontar da franquia de dados dos usuários da rede. Em um mercado como o brasileiro, em que a grande maioria das pessoas conta com um plano de dados móvel, com limite de franquia baixo, esta parece ser uma cartada inteligente, se olhada a partir da perspectiva do negócio. O problema é que se olhada a partir da perspectiva do direito do consumidor e da concorrência, a estratégia se torna extremamente preocupante, visto que fere o princípio da neutralidade de rede. E, veja bem, isso já está acontecendo silenciosamente.

A Claro, do grupo mexicano de telecomunicações e entretenimento America Móvel, já vem atuando desta forma no Brasil. O pacote Claro Músicas, concorrente de plataformas de streaming como o Spotify, não é descontado do pacote de dados dos clientes Claro. A oferta foi divulgada em novembro de 2016 e é uma contra ofensiva ao TIMmusic by Deezer, aplicativo de músicas cujo tráfego é gratuito para clientes de vários planos da TIM.

A verticalização do setor de telecomunicações, por meio da ampliação dos negócios na área de produção e distribuição de conteúdo, pode significar uma mudança importante na economia das comunicações à medida que o acesso à conexão à Internet cresce, mesmo que precariamente. No caso de países que contam com grupos nacionais fortes na área de produção e distribuição de conteúdo, como é o caso do Brasil, com a Rede Globo, há uma grande possibilidade de queda de braço.

Não é de hoje que Globo e empresas de telecomunicações divergem nos modelos de negócio envolvendo conteúdo over the top e regras de funcionamento das redes de telecomunicações.

A própria aprovação do Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014) – para regular o uso da Internet no Brasil por meio da previsão de princípios, garantias, direitos e deveres para usuários e de diretrizes para a atuação do Estado – é resultado, mesmo que parcialmente, desta disputa. A Globo, em determinado momento, se convenceu da importância da neutralidade de rede, que impede o favorecimento ou a discriminação do tráfego em redes de telecomunicações e passou a explicar o conceito, bem como a fazer cobertura favorável à aprovação do MCI. Não seria espantoso descobrir que também tenha mexido algumas de suas “pecinhas” no Congresso Nacional.

Não apostemos demais na disputa

Mas o modelo também cresce, nem sempre com operadoras de telecomunicações oferecendo o chamado zero-rating (quando determinado tráfego não é descontado da franquia) para aplicativos próprios, mas também por meio de acordos com plataformas online populares.

A T-Mobile, operadora de telecomunicações norte-americana, por exemplo, mantém uma oferta chamada Binge On, em que o tráfego gerado por diversos serviços de vídeo não são descontados da franquia de dados. A Three, também operadora norte-americana, seguiu o mesmo caminho e passou a oferecer o Go Binge, um plano de dados com liberação de tráfego para o Netflix,  SoundCloud, Deezer e TVPlayer.

Ou seja, é possível que haja uma acomodação dos interesses de operadoras e plataformas de conteúdo e já há experiências exitosas nesse sentido, com anuência das agências reguladoras, o que é ainda mais preocupante. Por isto, não é prudente apostar mais do que algumas fichas na pressão das plataformas de conteúdo – ao lado dos consumidores e ativistas por uma web livre e aberta – pela defesa da neutralidade de rede.

Resta saber se a verticalização das empresas de telecomunicação, seja ela para fazer frente às empresas de conteúdo online ou simplesmente para gerar uma acomodação entre os interesses destes dois setores, será benéfica para os usuários, para a inovação, para a economia dos países tecnologicamente periféricos e para a diversidade cultural.

Este é um tipo de questionamento que só poderá ser respondido se os órgãos competentes estiverem atentos à movimentação que ocorre no setor, coletando dados sobre tais movimentações e analisando se elas respondem ao objetivo de garantir ao país sua soberania econômica e cultural.

*É jornalista e coordenadora executiva do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social

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