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Apresentadores de TV levam vantagem na disputa eleitoral

Em tempos de pouco debate programático nos partidos, é a visibilidade televisiva que parece garantir o prestigio no meio político

Deputado estadual capixaba faz dancinha durante apresentação de programa policialesco
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Por Iano Flávio Maia*

Com os olhos voltados aos Jogos Olímpicos e com o encurtamento do período eleitoral, alguns podem não ter notado que a corrida eleitoral às prefeituras e câmaras municipais já começou. Os partidos políticos têm até esta sexta-feira, dia 5, para realizar as convenções que vão definir seus candidatos ao executivo e legislativo municipais nas eleições de 2 de outubro. E, embora a campanha ainda não tenha começado oficialmente – ela começa em 15 de agosto – muitos dos prováveis candidatos já largam na frente na disputa. Motivo: são apresentadores de programas de TV ou donos da TV.

Em tempos de pouco debate programático nos partidos, é a visibilidade televisiva que parece garantir o prestígio no meio político. Em São Paulo, dois dos principais candidatos ao executivo municipal são apresentadores de TV. Celso Russomano (PRB), que lidera as pesquisas, apresenta o quadro Patrulha do Consumidor, no Programa da Tarde da Rede Record de televisão, e João Dória Jr. (PSDB) comandava, até junho deste ano, dois programas de entrevistas, o Show Business, na Band, e o Face a Face, da BandNews.

Este último foi obrigado a passar o comando dos programas por conta da legislação eleitoral, que proibiu desde o dia 30 de junho, que emissoras de rádio e TV transmitissem programas apresentados ou comentados por pré-candidatos a qualquer dos cargos em disputa nas eleições 2016, sob pena, além de multa, de cancelamento do registro da candidatura.

Por muito pouco, a capital paulista não teve nesta eleição mais um apresentador de TV. José Luiz Datena, cotado para disputar o cargo de prefeito pelo PP, mas que desistiu da disputa, apresenta o programa Brasil Urgente e tem um programa diário na Rádio Bradesco Esportes FM, ambos do grupo Bandeirantes. Esta é uma realidade que se repete pelo país. Além de São Paulo, pelo menos outras três capitais também têm apresentadores de televisão na disputa do executivo.

Em Vitória, Amaro Neto sai do ar no programa policialesco Balanço Geral ES, transmitido pela TV Vitória, afiliada da Rede Record, para disputar, pelo Solidariedade, o cargo de prefeito da capital do Espírito Santo. Atualmente ele é deputado federal, tendo sido o mais votado nas eleições de 2014 – benesses garantidas pela presença diária na telinha dos capixabas. A pré-candidatura de Neto foi lançada em junho, com um vídeo postado e divulgado nas redes sociais.

Em Teresina, Amadeu Campos se afastou das suas funções na TV Cidade Verde para disputar a prefeitura da capital piauiense pelo PTB; Ely Aguiar também deixou a apresentação de um programa policialesco da TV Diário, emissora local de Fortaleza, onde deve disputar a prefeitura.

A aproximação dos apresentadores de televisão com grupos políticos é apenas um sintoma da falta de regulação da comunicação no Brasil. A Constituição Federal de 1988 traz uma série de princípios nunca traduzidos em um marco regulatório que poderia garantir mais transparência e democracia na organização do sistema de comunicação brasileiro. O resultado disso é a produção de distorções na política com uma maior visibilidade para quem detém o privilégio de entrar na casa das pessoas – via TV e rádio – todos os dias.

Violações de direitos

O que mais impressiona é que muitos dos candidatos que são também apresentadores de programas de televisão e que devem concorrer às eleições de 2016 construíram sua reputação política violando direitos humanos e disseminando discursos de ódio nos chamados programas policialescos.

Um estudo produzido pela Andi – Comunicação e Direitos, com a parceria do Intervozes e do Ministério Públicao Federal, publicado em 2016, lista nove tipos de violações de direitos recorrentes nestes programas. A maioria delas atenta contra a dignidade de pessoas em privação de liberdade – sob tutela do Estado –, que não raramente são expostas a situações grotescas e degradantes.

Não custa lembrar o caso recente do apresentador Marcelo Rezende, que, em junho de 2015, exibiu uma cena de tiros à queima-roupa contra suspeitos de crime, ao longo de uma perseguição policial veiculada ao vivo no Cidade Alerta, da Record.

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Além de a exibição ter ocorrido no final da tarde – horário inadequado para cenas de violência –, ela foi “adornada” com palavras imperativas do próprio apresentador, que do estúdio gritava “atira, atira que é bandido!”. O caso reverberou nas redes sociais e foi alvo de representação no Ministério Público Federal de São Paulo. As mesmas cenas foram veiculadas pelo programa concorrente, o Brasil Urgente, da Band, apresentado por Datena.

Felizmente, nenhum dos dois é candidato. Mas se algo deste tipo acontece em programa nacional, imaginem as violações recorrentes nos programas regionais Brasil afora?

Donos da mídia

Além de apresentadores, existem também os candidatos a cargos eletivos que são concessionários de rádio e televisão. Neste caso, ferem de forma clara o art. 54 da Constituição Federal, que proíbe deputados e senadores de serem proprietários ou dirigentes de empresas concessionárias de serviços públicos, como empresas de ônibus, operadoras de telefonia ou emissoras de rádio e televisão.

Segundo dados do projeto Excelências, da ONG Transparência Brasil, 23,5% dos senadores e 8,4% dos deputados federais são concessionários de rádio e televisão. O dado não é definitivo e leva em conta apenas as declarações de bens informadas à Justiça Eleitoral e os perfis informados às casas legislativas.

Um levantamento do Intervozes mostra que na atual legislatura federal, são 32 os deputados e 8 os senadores que são donos diretos de empresas concessionárias de radiodifusão. Este levantamento subsidiou uma série de representações contra estes políticos pelo MPF, que teve início, no Estado de São Paulo, por meio da atuação do Fórum Interinstitucional pelo Direito à Comunicação (FINDAC), uma parceria entre organizações da sociedade civil e procuradores do Ministério Público Federal.

Embora a Constituição seja clara quanto aos deputados e senadores, o Ministério das Comunicações vem insistindo na tese de que falta regulamentação específica que defina, entre outras coisas, se os parlamentares podem ser ou não acionistas das empresas e as punições a serem aplicadas. Além disso, também não há uma legislação que previna o controle de meios de comunicação por ocupantes de cargos do Executivo – o que permitiu, ao longo de anos, que a dona da TV Mirante do Maranhão, Roseana Sarney, ocupasse também o cargo de governadora daquele estado. Ou o mesmo que ocorreu com Antônio Carlos Magalhães, durante décadas, na Bahia.

Com a certeza da impunidade, além de declarar à Justiça Eleitoral que descumprem a Constituição, os políticos assumem publicamente o assunto. Durante as eleições de 2014, o então presidente da Câmara dos Deputados e candidato ao governo do Rio Grande do Norte, Henrique Alves, concedeu entrevista à InterTV Cabugi, afiliada da Globo, e esqueceu da proibição do art. 54 ao anunciar, ao vivo, para todo o estado ter “participação acionária de 20% declarada no imposto de renda” sobre aquela emissora. Mais assustador ainda foi a TV Cabugi, de propriedade de Alves, mediar o debate final da campanha eleitoral entre seu dono e o candidato concorrente ao governo do estado.

Em um país onde 97,2% dos lares têm ao menos um aparelho de TV e 75,7% um aparelho de rádio – para muitos, os únicos meios de acesso a informações e aos debates públicos – a concentração de concessões de rádio e televisão nas mãos de grupos políticos, assim como a permissão de que apresentadores de programas diários sejam candidatos a cargos eletivos, desequilibra a própria democracia e fragiliza a noção de cidadania, que segue incompleta, quando as ideias e visões de mundo das minorias sociais não passam na TV nem no rádio.

* Iano Flávio Maia é jornalista, membro do Intervozes e mestre em Comunicação pela UFRN.

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