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Regular o ambiente digital para proteger crianças não é censura: é dever de Estado

O PL 2628/2022 é um passo importante para definir as responsabilidades das plataformas por crimes cometidos no ambiente digital

Regular o ambiente digital para proteger crianças não é censura: é dever de Estado
Regular o ambiente digital para proteger crianças não é censura: é dever de Estado
Foto: Domínio Público
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Nos últimos dias, vimos algo incomum no Brasil: um consenso em torno da necessidade de proteger crianças e adolescentes no ambiente digital. Não se trata de um tema periférico ou secundário. É uma questão urgente, que afeta diretamente a saúde mental, a integridade e o futuro de milhões de jovens brasileiros. Defendemos, portanto, a aprovação do PL 2628/2022, reafirmando que regulação não é censura, mas sim o dever do Estado de criar salvaguardas capazes de reduzir riscos que já se mostram evidentes.

O projeto de lei, de autoria do senador Alessandro Vieira (MDB-SE), foi aprovado no Senado em 2024 e agora tramita na Câmara dos Deputados. Seu objetivo é nítido: impor obrigações concretas a produtos e serviços digitais, exigindo mecanismos ativos para impedir o uso inadequado por menores, prevenindo e mitigando situações de bullying, exploração sexual e padrões de uso que incentivem o vício, além de assegurar trilhas de responsabilização e transparência. Trata-se de trazer para o Brasil padrões já adotados em legislações internacionais, que incorporam a ideia de segurança por design e por padrão.

A pressão social por mudanças ganhou corpo após o vídeo Adultização, do criador de conteúdo Felca, que expôs a sexualização e a exploração de menores e mostrou como os algoritmos contribuem para amplificar esses conteúdos. O impacto foi imediato: milhões de visualizações, reação do Congresso, mobilização de entidades da sociedade civil e até posicionamento do Unicef pedindo urgência na aprovação do PL. Esse episódio deixou evidente que a sociedade não aceita mais a negligência das plataformas diante de riscos que já destroem vidas.

Os fatos confirmam essa urgência. Conteúdos de exploração de menores circulam amplamente e geram lucros enquanto se aproveitam das falhas de moderação. A saúde mental dos adolescentes também está em jogo: o suicídio é hoje a terceira causa de morte entre jovens de 15 a 19 anos, segundo dados oficiais, e pesquisas do IBGE mostram índices alarmantes de bullying e violência escolar. Não há como ignorar que o ambiente digital, desenhado para maximizar engajamento e lucro, contribui para esse cenário.

Sabemos que haverá resistência. Já vemos um movimento de setores conservadores ligados à extrema-direita no Congresso Nacional de equiparar regulação à censura. Mas essa é uma falsa polêmica. O PL 2628/2022 não busca restringir opiniões políticas nem cercear a liberdade de expressão. Ele trata de dever de proteção e prevenção, da proteção da infância e da adolescência, de limites ao perfilamento de menores, de transparência na publicidade e de barreiras técnicas contra conteúdos impróprios. Essa é a agenda de países que decidiram enfrentar os gigantes digitais com responsabilidade.

Por tudo isso, reiteramos: regular não é censurar. Regular é proteger. E proteger é garantir que plataformas que lucram com a atenção de crianças e adolescentes assumam obrigações proporcionais ao poder que exercem. A aprovação do PL 2628/2022 é um passo necessário para colocar o interesse público, a dignidade humana e a saúde mental no centro da agenda digital do Brasil.

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