Intervozes

Os aliados de Temer na bancada parlamentar da radiodifusão

Enquanto o Presidente acelera a liberação de outorgas para manter sua base, conheça políticos donos da mídia que votaram pró-impeachment de Dilma

Relações clientelistas com concessões de rádio e TV seguem na política brasileira, violando a Constituição.
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Por Pâmela Pinto*

A turbulência política entre o golpe que retirou Dilma Rousseff da presidência e as delações premiadas sobre Temer nos remetem a uma questão antiga. Trata-se da posse de mídia por políticos, que ocorre em todo o país e afeta a composição da Câmara dos Deputados e do Senado.

Em meio à crise, Temer acelerou a tramitação de propostas de outorgas de radiodifusão feitas por parlamentares da base governista em busca de apoio, segundo denúncia feita pelo jornal El País. Com o controle de rádios e TVs, eles garantem a manutenção nos cargos e se tornam atores decisivos na cena política.

São exemplos deste cenário os atuais ministros Ricardo Barros, Helder Barbalho e o líder do governo no Senado, Romero Jucá.

O ministro da Saúde Ricardo Barros é deputado federal pelo Paraná há cinco mandatos e tem emissoras de rádio no nome da sua família, em Maringá, sua base eleitoral. Sua entrada no ministério é resultado da negociação do voto do Partido Progressista (PP) pelo impeachment. Ele é casado com a vice-governadora do Paraná, Cida Borghetti, e pai da deputada estadual Maria Victoria.

Jucá foi uma das lideranças do impeachment no Senado e é líder do governo na casa desde a gestão de Lula. Foi governador de Roraima e desde 1995 é senador. Sua ex-mulher, Teresa Surita, foi deputada federal (1991-1992 e 2011-2012) e prefeita da capital Boa Vista por cinco mandatos e reeleita em 2016. Seu filho Rodrigo foi deputado estadual (2011 a 2014). A família Jucá controla afiliadas às redes de TV Band e Record, em Roraima, com cerca de 14 concessões de rádio e TV.

Helder Barbalho é herdeiro do senador paraense Jader Barbalho e ministro da Integração Nacional. Foi ministro da Pesca na gestão de Dilma, vereador, deputado estadual e prefeito. Seu pai ocupa cargos públicos desde 1960 e votou pelo impeachment. Sua mãe e deputada federal há cinco legislaturas, Elcione Barbalho, votou pelo não”. A família tem a Rede Brasil Amazônica, com jornais, TVs afiliadas à Band, rádios e portais. O conglomerado foi criado para alavancar a candidatura de Jader ao governo, com a compra do Diário do Pará, em 1982. Os três políticos são expostos, com muita frequência, nas mídias da família.

Jogo de interesses (privados)

Em matéria especial para o Observatório do Direito à Comunicação, o Intervozes já havia denunciado a tendência conservadora e golpista dos políticos donos da mídia. A partir de estudo recente, catalogado no livro “Brasil e as suas mídias regionais: estudos sobre as regiões Norte e Sul”, confirmou-se uma tendência pró-impeachment na votação dos deputados e dos senadores concessionários de radiodifusão das duas áreas.

No Sul, votaram pelo “sim” os deputados João Dilceu Sperafico (PP-PR), Ricardo Barros (PP-PR), Sandro Alex (PSD-PR) e César Souza (PSD-PR). Sandro é locutor da Mundi FM e César tem um programa na afiliada da Record. O senador catarinense Paulo Bauer (PSDB-SC) apoiou o golpe e é apontado como sócio de uma rádio.

No Norte, seis senadores donos/sócios de mídias votaram pelo “sim”. Em Rondônia o apoio ao impeachment foi unânime. Entre os votos, estão os de Ivo Cassol (PP-RO) e Acir Gurgacz (PDT-RO). O primeiro é concessionário de rádios e o segundo é proprietário do Sistema Gurgacz (com um jornal, uma emissora de TV afiliada à Rede TV!, 12 retransmissoras, duas rádios e uma operadora de TV por assinatura).

Os deputados Wladimir Costa (SD-PA) e César Halum (PRB-TO) foram favoráveis à retirada da presidente. Costa é radialista e há quatro mandatos representa o Pará. Ampliou sua visibilidade comprando os próprios veículos. Nas últimas eleições foi acusado de utilizá-los para fins eleitorais. Halum é deputado desde 2011 e é sócio de outorgas de rádio. Apresenta o quadro Patrulha do Consumidor, no “Balanço Geral – TO”, na Record.

A trajetória de alguns representantes aponta uma relação entre o controle de mídia e a permanência no cargo – com o uso de rádios e TVs como palanques permanentes. O senador mais jovem do Brasil, Gladson Cameli (PP-AC), teve o apoio do seu tio e ex-governador do Acre, Orleir, e das mídias da família. Em seu primeiro pleito federal, em 2007, a Juruá FM já operava há cinco anos – ele obteve 18.886 votos. A TV Juruá (afiliada ao SBT) veio em 2009, quando Gladson já era parlamentar e ajudou na corrida ao Senado, em 2014. Ele foi eleito com 218.756 votos.

No Amapá, a carreira política de 14 anos de Davi Alcolumbre (DEM-AP), entre vereador e senador, contou com o apoio das Organizações José Alcolumbre, afiliada às redes SBT, Record e Band. Ele foi vereador de Macapá, entre 2001 e 2003 com 2.317 votos; deputado federal por três mandados e, em 2014, foi eleito para o Senado com 131.695 votos. Além das três TVs, em 2009, a organização do seu tio criou o jornal gratuito com perfil editorial em prol do político.

Os parlamentares usam rádios e TVs como moeda de troca e palanque para fins privados. Por este motivo, bloqueiam iniciativas de regulação da mídia. Optam pela manutenção do controle midiático e ocupam lugares estratégicos como a Comissão de Ciência, Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI), legislando em causa própria.

Wladimir Costa é membro da comissão. Cesar Souza atuou na CCTCI em 2015 e hoje é suplente. Sandro Alex participa da CCTCI e das comissões Crimes Cibernéticos e Telecomunicações. Quando deputados, Gladson e Davi atuaram na CCTCI.

Esta análise faz um recorte de um viés fundamental em uma sociedade dita democrática, o direito à comunicação e à informação. Olhando a partir desta necessidade, observamos um comprometimento significativo dos nossos representantes no Congresso Nacional. A questão torna-se ainda mais complexa porque cria ferramentas que cristalizam as possibilidades de transformação (rápida) deste cenário.

Resta aos movimentos sociais, profissionais, pesquisadores, estudantes de comunicação e tantas outras frentes possíveis um grande desafio: expor e denunciar esse controle à sociedade, explicando as consequências diretas no nosso cotidiano e apresentando estratégias alternativas para tornar a mídia mais democrática.

*Pâmela Pinto é jornalista, doutora em Comunicação Social e autora do livro “Brasil e as suas mídias regionais: estudos sobre as regiões Norte e Sul” (Multifoco, 2017).

 

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