Intervozes

Políticos da Amazônia usam mídia como trampolim para discursos e projetos de destruição ambiental

Parlamentares reeleitos na região, aliados de Bolsonaro, disseminam desinformação e pretendem continuar a violar direitos humanos

Foto: FIA
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Políticos reeleitos na Amazônia Legal utilizaram seus perfis nas redes sociais para proliferarem desinformação e discurso de ódio contra populações tradicionais e LGBTQI+, com alcances impulsionados com dinheiro público. Essa foi uma das constatações da pesquisa ‘Amazônia Livre da Fakes’, realizada entre março e setembro de 2022, a partir do Grupo de Trabalho do Projeto de Combate à Desinformação na Amazônia Legal, uma iniciativa do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social e outras dez organizações, sendo oito amazônidas. 

O objetivo do trabalho foi mapear a produção e o compartilhamento de conteúdos enganosos, além de propor estratégias de enfrentamento. Nas 18 páginas de candidaturas de representantes políticos da Amazônia Legal, identificadas como difusoras de desinformação, foi percebida a influência dos parlamentares que manipulam as percepções sobre a agenda socioambiental para autopromoção de seus interesses econômicos, ligados à tríade bala-agronegócio-mineração. Convertem, assim, espaços de visibilidade no meio digital em propaganda política e ideológica.

Do total apontado na pesquisa, seis deputados foram eleitos pelos estados do Mato Grosso e Pará. Vale lembrar que esse último lidera, desde 2016, a lista de desmatamento e queimadas na Amazônia, segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisa Espacial (Inpe). O desmatamento se dá principalmente para a criação de gado e atividades agrícolas de monocultura. Entre as áreas mais afetadas, estão ‘terras públicas não destinadas’ que pertencem à União e aos estados, o que aponta contradições no discurso de Bolsonaro, reproduzido pela maior parte das páginas investigadas, sobre a Amazônia ter sido preservada em sua gestão. 

Outro ponto que chama atenção na pesquisa são os candidatos vindos da área de segurança pública. O ex-delegado e reeleito deputado federal Eder Mauro (PL) é alvo de 101 denúncias em Ouvidoria por sua atuação como policial. Mauro camufla, por meio de discurso moralista, a sua atuação contrária aos povos do campo e ao meio ambiente, além de usar um emoticon de caveira no Instagram para ostentar seu posto de líder da bancada da bala na Amazônia. 

Em junho deste ano, o parlamentar divulgou uma notícia falsa de que o indigenista Bruno Pereira, assassinado no Vale do Javari em junho deste ano, teria sido exonerado da Fundação Nacional do Índio (Funai) a pedido de etnias indígenas. Conforme a União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja), a exoneração de Bruno ocorreu a pedido do ex-magistrado Sérgio Moro por pressão de parlamentares ligados ao agronegócio no Mato Grosso. 

O mesmo Eder Mauro, durante atuação no mandato, sugeriu em uma sessão da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados o fuzilamento de uma professora em decorrência da utilização de uma imagem de Jesus Cristo em formato de meme durante uma atividade pedagógica. 

Eder Mauro também foi monitorado em outro levantamento do Intervozes, denominado “Mídia sem Violações de Direitos”, que mapeou candidatos apresentadores de programas policialescos e proprietários de mídia. Neste ano, o projeto incorporou o seguimento dos influenciadores digitais, com o objetivo de acompanhar essa atividade que cresce em ritmo acelerado e interfere diretamente na promoção do direito à comunicação. O parlamentar foi considerado influenciador por ter mais de 200 mil seguidores no Facebook e considerável engajamento. Por isso é ainda mais relevantesaber como funciona a atuação do parlamentar nas plataformas, já que a sua campanha nas redes sociais apostou na desinformação e na violação de direitos. 

Os conflitos de interesse entre agentes públicos que são destaque no ambiente digital e o serviço que eles prestam à população se ampliam, adicionando ao tema a questão da monetização das plataformas. Nesse sentido, outro político eleito, difusor de desinformação e aliado de primeira hora de Eder Mauro no Pará, o deputado estadual Rogério Barra (PL), ex-policial civil,  defende em suas postagens nas redes sociais ser contra a ‘ideologia de gênero’. Essa expressão, usada pelo grupo “Escola sem Partido” em 2015, vai na contramão da educação sexual e identidade de gêneros no ambiente escolar. Como deputado, Barra apresentou em seu perfil que o primeiro projeto de seu mandato será a implementação da Frente Parlamentar em defesa dos caçadores, atiradores e colecionadores (CAC) para que a categoria dos clubes de tiro tenha representatividade na Assembleia Legislativa paraense.

Leonildo Sertão (PL), o delegado Caveira, também reeleito para deputado federal no Pará, é outro que utiliza suas redes, com mais de 140 mil seguidores, para proliferar discurso de ódio, além de possuir aproximações com grupos da bancada ruralista e da bancada da bala no Congresso. Em setembro deste ano ele postou um vídeo, em seu perfil do Instagram, afirmando ser armamentista e contra ‘ideologia de gênero’, drogas e aborto. Em julho, a Revista Fórum noticiou que o candidato chamou a prefeita de Ulianópolis (PA), Kelly Destro (MDB), de “vagabunda” e “desonesta” durante uma reunião. 

Importante destacar que no projeto de lei 2.630/2020, conhecido como “PL das Fake News”, que está em discussão no Congresso Nacional, a monetização de contas de atores institucionais por plataformas digitais é vedada por se tratar de remuneração pessoal decorrente de investimento feito com recursos públicos – considerando as informações privilegiadas, o tempo e ambiente trabalho, dentre outros aspectos. 

Na Câmara Federal existe outro projeto em tramitação que versa sobre o mesmo objeto, o PL 1.674/2022, de autoria do deputado Áureo Ribeiro (Solidariedade/RJ), que visa proibir que agentes públicos recebam vantagens econômicas por meio de publicidade de conteúdo na internet. 

No estado do Mato Grosso também tem sido recorrente a incidência de candidaturas que usam as plataformas digitais como palanque eleitoral. Dos nove difusores identificados no MT pela pesquisa, sete concorreram nas eleições deste ano e três deles foram eleitos utilizando a mídia como palanque. Um exemplo é José Medeiros (PL), reeleito deputado federal, que usou seus canais para divulgar informações falsas sobre as urnas eletrônicas. Medeiros compõe a lista da CPI do Senado Federal que investiga 26 parlamentares responsáveis por disseminação de fake news sobre a pandemia da covid-19. 

O Mato Grosso acumula desde 1998 o segundo lugar em desmatamento segundo o Inpe. E se depender de deputados como José Medeiros, que se mostrou a favor do Projeto de Lei 337/2022, referente à exclusão do estado da área da Amazônia Legal, esse pódio da destruição se manterá A legislação atual define que as propriedades rurais dentro desta delimitação devem manter 80% da vegetação nativa como reserva legal. 

Gilberto Cattani (PL) é outro parlamentar reeleito no estado que também se posiciona a favor deste PL. Ele, que foi assentado da reforma agrária, hoje divulga informações falsas sobre o Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST), afirmando que o movimento tem feito articulações para tomar as terras dos produtores de um projeto de assentamento da União em Itanhangá, interior do estado. Em agosto deste ano, o Ministério Público do Mato Grosso (MP-MT) pediu a abertura de inquérito contra Cattani por compartilhar a foto de uma criança supostamente armada em seus perfis, o que atenta contra o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Em 2021, a OAB MT solicitou ainda uma investigação à Assembleia Legislativa sobre a conduta do parlamentar por indícios de crime e homofobia. Catani publicou uma postagem dizendo que “ser homofóbico é uma escolha, ser gay também”

Diante desta triste e desafiadora realidade, não resta dúvida que a bancada de deputados eleitos pelo partido de Bolsonaro e sua coligação devem empenhar enormes retrocessos na proteção do meio ambiente e na segurança pública. Alguns temas que já se encontram na pauta de votação do Congresso – em especial a abertura das terras indígenas para a mineração – devem conseguir apoio para aprovação. Outras figuras públicas difusoras de desinformação que não foram eleitas podem ainda concorrer às eleições municipais ou trabalhar de forma organizada em outras bases de coligação. Este cenário exige olhares atentos para a Amazônia. Mesmo com a derrota de Bolsonaro nas urnas, seus aliados ainda continuarão em operação em nome de um Deus branco, de uma Pátria de sangue e de uma Família conservadora. 

* Este artigo integra a série “Ideias para um Brasil democrático”, conjunto de textos que pretendem contribuir com a reconstrução do Brasil e com a necessária democratização da nossa democracia. A série é uma iniciativa do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social e da Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político.

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