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Oi: governo empurra o problema com a barriga e caso segue sem solução

Proposta de alterações na legislação para salvar a companhia serve apenas aos acionistas e não resolve a prestação do serviço no país

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Marina Pita* com colaboração de Gustavo Gindre**

A atual situação da Oi coloca o direito à comunicação de boa parte dos brasileiros em risco. A empresa, maior concessionária de telecomunicações do país em extensão territorial, não apenas abriu o maior pedido de recuperação judicial da história brasileira – R$ 65,4 bilhões em dívidas – com também corre o risco de sofrer intervenção estatal.

A concessionária é a única fornecedora de infraestrutura em cerca de 3 mil municípios brasileiros, a maior parte no Norte, Nordeste e Centro-Oeste.

A situação é calamitosa, no entanto, não pode ser usada como álibi para livrar a Oi de suas obrigações, nem tampouco ser justificativa para jogar recursos públicos em uma empresa privada sem que existam garantias de resolução do problema de insegurança em que a atual situação da Oi coloca o Brasil.

Infelizmente é isto que está se desenhando para um futuro próximo.

Vale lembrar que a insegurança em que o país está hoje só ocorreu porque, em 2008, por conta dos interesses do momento, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), o Ministério das Comunicações e o Governo Federal, mudaram o Plano Geral de Outorgas (PGO), com a publicação do Decreto nº 6.654/2008, para permitir a compra da Brasil Telecom pela Oi.

Assim, a Oi tornou-se concessionária de telefonia fixa em 26 estados do país – exceto em São Paulo, onde operava a Telefônica, atualmente Vivo.

O antigo PGO (Decreto nº 2.534/1998) proibia a compra de uma empresa de telefonia fixa por outra que atuasse em região diferente, entre outros motivos, para impedir que, em caso de dificuldades, estas se estendessem a grandes regiões.

A “supertele”, como ficou conhecida a empresa após a fusão, tem obrigações de universalização da telefonia fixa nas áreas menos lucrativas do país, enquanto a Telefônica se concentra no Estado de São Paulo, mais lucrativo.

A Oi opera apenas no Brasil ao mesmo tempo em que concorre com empresas globais de telecomunicações, que sendo autorizadas a ofertar o serviço, não têm as mesmas obrigações de cobertura.

Essa situação, já da época da criação da “gigante”, era a receita da desgraça, que se concretizou rapidamente com a atividade dos acionistas La Fonte e Andrade Gutierrez. Seguidas vezes estes acionistas impuseram seus interesses à empresa, contra a vontade dos acionistas minoritários e com a anuência da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e da Anatel. Desta forma extraíram lucro para manter seus negócios encurtando a vida da concessionária.

Ao longo do tempo, a Oi não só acumulou dívidas para manter alto o nível de investimento no país como para pagar dividendos aos acionistas.

A isso, soma-se uma série de multas que a operadora recebeu da Anatel pelo não cumprimento das obrigações de universalização da telefonia fixa e outras, negociadas em substituição/troca das primeiras.

A Oi diz que deve à Anatel R$ 11 bilhões. A agência afirma que são R$ 20 bilhões. De qualquer forma, o montante é imenso. Para se ter uma ideia, projeções de custo para a universalização da internet no Brasil estimam que o valor estaria em R$ 50 bilhões – levando fibra óptica a todos os municípios.

Enquanto a Oi tenta aprovar um plano de recuperação judicial com seus credores – que seguem dizendo que a companhia não tem sido transparente neste processo e que o plano apresentado é de natureza ilegal e abusiva, com favorecimento inadequado de detentores do capital da empresa –, o governo prepara um plano de intervenção na concessionária, para evitar que a única solução seja a cassação da concessão de telefonia fixa da companhia por falta de capacidade de investimento.

Apesar de a intervenção, com a substituição dos administradores, ser a única saída para garantir o direito dos brasileiros e a manutenção do serviço no curto, médio e longo prazos, a proposta de medida provisória que, segundo a imprensa, já está estaria na Casa Civil, pode ser mais uma etapa da longa história de como a política nacional está a serviço de interesses privados, sem responder aos direitos e necessidades da população.

E os motivos para desconfiança de favorecimento a interesses econômicos privados crescem ainda mais diante das recentes denúncias feitas por Marcelo Odebrecht e outros executivos da construtora no âmbito da operação Lava Jato. O detalhamento de como são feitas as compras de medidas provisórias para beneficiar determinados setores só reforçam que é preciso ficar atento ao que ocorre também nas telecomunicações, ainda que o discurso político sobre a MP da Oi não seja o de favorecimento.

Não é o que mostrou a entrevista à revista “Isto É Dinheiro”, em 17 de março, intitulada “Há chance zero de barganha e de anistia para a Oi”. Nela o ministro da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações, Gilberto Kassab, já ventilava a ideia de troca de multas da Oi, por não comprimento com as obrigações de contratos, por investimentos, levando a interpretação contraditória da postura do Governo em relação à falência da Oi.

O que fica implícito nesta entrevista é que, mais uma vez, a Anatel faria uma anistia das empresas que não cumprem as obrigações previamente acordadas em contrato. E mais, o resultado destes investimentos seria de posse da empresa que segue endividada e com comprovada incapacidade de gerenciamento financeiro.

Além disso – e mesmo que ninguém diga abertamente – o plano atual de mudanças da Lei Geral de Telecomunicações LGT (Lei nº 9.472/1997) que, entre outras coisas, pretende acabar com o regime público e com as obrigações dele decorrentes, e garantir que os bens reversíveis das concessionárias não precisaram retornar à União em 2025, também é uma movimentação para tentar salvar a Oi.

Mas, mesmo que esta proposta absurda de alteração da LGT seja levada adiante, os problemas da Oi persistiriam. A companhia ainda teria o monopólio em cerca de 3 mil municípios brasileiros de baixa lucratividade, uma dívida gigantesca (ainda que abatida à parcela devida à Anatel), a concorrência com gigantes internacionais do setor e uma estrutura defasada pela baixa capacidade de investimento dos últimos anos, que exigiria vultosos recursos para ser atualizada. Nenhuma das propostas do governo fornece respostas a esses problemas.

Uma proposta de construção de infraestrutura em troca das multas da Anatel só poderia ser levantada se, na equação, a Telebras fosse incluída. A infraestrutura construída pela Oi com estes recursos seria obrigatoriamente compartilhada com a estatal brasileira que, por sua vez, entregaria a capacidade de rede aos operadores de serviços de telecomunicações regionais.

Agora, como fazer com que as demais companhias autorizadas que atuam no país avancem no sentido de incorporar em suas atividades os 3 mil municípios onde a Oi atua sozinha? Qualquer ação neste sentido é hoje impensável. Na verdade, o direcionamento da Anatel tem sido no sentido contrário.

Na proposta para o novo Plano Geral de Metas de Competição (PGMC) apresentada pela Anatel e em consulta pública, a agência só irá atuar nas cidades onde identificar a real necessidade de estímulo à competição, deixando de atuar exatamente nas cidades onde não há estímulo econômico para qualquer operador se apresentar e, por isso, quem lá estiver não será incomodado.

Mesmo que o governo opte por editar uma medida provisória para intervenção de fato na concessionária de serviço público e não fique utilizando esta “carta na manga” apenas como pressão sobre a Oi para que avance nas negociações com credores, o imbróglio que a situação da Oi representa para as telecomunicações do país e para os cidadãos brasileiros não se resolve facilmente.

Mais do que estes remendos de política pública, falta ao país uma agenda para a universalização da banda larga, considerando as tecnologias convergentes que podem emular e substituir a telefonia fixa.

*Marina Pita é jornalista e membro do Conselho Diretor do Intervoze; **Gustavo Gindre é É jornalista formado pela UFF, pós-graduado em Teoria e Práxis do Meio Ambiente (ISER), mestre em Comunicação (UFRJ) e doutorando em História das Ciências, das Técnicas e Epistemologia (UFRJ).

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