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O setor das comunicações em debate na Câmara dos Deputados

Projetos protocolados na atual legislatura sinalizam disputas e tendências que estarão em jogo nos próximos anos

Foto: Terimakasih0/Creative Commons / Pixabay
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Com a aprovação em caráter de urgência do Projeto de Decreto Legislativo 3/2019, nesta terça-feira 19, a Câmara dos Deputados reverte o decreto da opacidade e do controle da informação pública (Decreto 9.690/2019), assinado pelo vice-presidente Hamilton Mourão, que ampliava a quantidade de servidores com competência para classificação de informações públicas nos graus de sigilo ultrassecreto ou secreto.

De autoria de Aliel Machado (PSB/PR), Alessandro Molon (PSB/RJ), Weliton Prado (PROS/MG), João Campos (PRB/GO) e Danilo Cabral (PSB/PE), o projeto agora segue para apreciação do Senado.

Além de representar a primeira derrota do governo Bolsonaro na Câmara dos Deputados, o projeto – que reforça a cultura da transparência e os princípios e objetivos da Lei de Acesso à Informação – significou também o início dos debates sobre políticas de comunicação e acesso à informação pública na legislatura atual.

A votação na Câmara, realizada em meio a uma profunda crise no interior do governo federal, evidencia a necessidade do acompanhamento permanente, por parte de entidades da sociedade civil, instituições de pesquisa e observatórios políticos, das propostas que estarão em debate no Legislativo, no sentido de garantir a manutenção de direitos sociais, trabalhistas e políticos.

Iniciada em 1 de fevereiro, a atual legislatura é – ao menos em termos quantitativos – a de maior renovação dos últimos 20 anos. 243 dos 513 deputados/as federais, ou 47,3%, são estreantes na Câmara dos Deputados. Nesse sentido, certamente, proposições novas estarão em disputa. Analisar, portanto, um panorama dos principais projetos sobre comunicações apresentados até aqui na legislatura da Câmara dos Deputados, que teve início neste mês, é o objetivo desse artigo.

Fake News/Desinformação

Tema que tem ocupado a agenda de debates na sociedade, especialmente pelo papel que cumpriu nas últimas eleições, a produção e circulação de conteúdos noticiosos em escala industrial – popularmente tratada por fake news ou, para alguns setores, desinformação – é uma das principais preocupações expressas nos projetos apresentados na atual legislatura da Câmara dos Deputados.

De forma direta, três projetos de lei apresentados já este ano abordam a questão. Dois desses sinalizam para o enquadramento da prática de produção e compartilhamento de fake news como crime: o PL 200, de autoria de Roberto Lucena, do Podemos/SP, e o PL 241, de Júnior Ferrari, do PSD/PA.

Porém, é preciso um olhar crítico para essa perspectiva punitivista, visto que, ao mesmo tempo em que as fake news ou o fenômeno da desinformação em massa representam uma violação do direito à comunicação e uma ameaça ao ambiente democrático, criminalizá-la é também um caminho perigoso, considerando três motivos: a) a insuficiência de instrumentais acessíveis à população de verificação sobre a veracidade dos conteúdos; b) o caráter seletivo do direito penal brasileiro e os problemas estruturais do sistema prisional; c) e a existência de tipos penais que protegem os cidadãos potenciais vítimas de conteúdos caluniosos ou de ódio, como a lei que criminaliza o racismo e a Lei Maria da Penha, ou medidas que preveem retirada de conteúdos mediante ordem judicial, como as presentes no Marco Civil da Internet.

Nesse sentido, adquire relevância o PL 559, de Paulo Pimenta (PT/RS) – também apresentado nesse início de legislatura – que propõe, por meio do acréscimo de um parágrafo ao artigo 26 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, a inclusão de disciplina sobre a utilização ética das redes sociais e mídias digitais no currículo escolar do ensino fundamental e médio, contemplando, de acordo com o texto do PL, “a abordagem contra a divulgação de notícias falsas (fake news), contribuindo para a identificação, de forma direta, indireta ou subliminar, destes conteúdos nas redes sociais por intermédio da internet e de outros meios de comunicação”.

A perspectiva educativa sobre o tema que embasa o PL 559 está em consonância, inclusive, com as discussões no âmbito da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), que, em 2015, elaborou um documento afirmando ser necessário o investimento dos Estados em iniciativas de educação para a cidadania, alfabetização midiática e cidadania digital com objetivos de análise crítica dos conteúdos e incentivo aos indivíduos e coletivos a tomarem medidas e ações concretas no sentido de combater a desinformação.

Telecomunicações e direitos do consumidor

Outra questão com destaque nos projetos até aqui apresentados na atual legislatura federal diz respeito à garantia de direitos do consumidor em relação aos serviços de telecomunicações. Sobre o tema, vale destacar três Projetos de Lei protocolados na Câmara dos Deputados nesse mês de fevereiro.

O PL 24, dos deputados Weliton Prado (PROS/MG) e Aliel Machado (PSB/PR), busca estender o uso do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (FUST) a serviços de telecomunicações de interesse coletivo, prestados em regime privado, objetivando a cobertura do sinal de forma adequada e eficiente em áreas remotas, em pequenas localidades, distritos e nas áreas rurais. A medida reforça a importância da universalização do acesso à Internet, mas por um caminho errado.

Se o serviço de acesso à rede fosse prestado em regime público – já respondendo ao seu caráter de serviço essencial, previsto no Marco Civil da Internet –, não seria necessário mudar a lei do FUST para liberar os recursos para a banda larga. A adoção do caminho inverso – de abrir o fundo para serviços prestados em regime privado, com pouco poder de regulação do Estado –, pode levar as empresas a usarem o FUST da maneira que mais atender a seus objetivos econômicos, deixando novamente a população mais pobre desconectada.

Também proposição conjunta de Weliton Prado e Aliel Machado, o PL 23 garante ao consumidor o direito de cadastrar seu número telefônico em uma lista de códigos bloqueados para recebimento de chamadas de telemarketing, ao mesmo tempo que proíbe os fornecedores de produtos e serviços, diretamente ou por meio de terceiros, de realizarem chamadas de telemarketing para os números cadastrados nessa lista.

O PL 381, de Rafael Motta (PSB/RN), garante aos usuários dos serviços de telefonia, banda larga e TV por assinatura o direito de rescindir, sem ônus, o contrato de adesão com a operadora em caso de má prestação do serviço.

Políticas de Internet

No que diz respeito às políticas de internet, a principal proposição nessa legislatura foi a Indicação 3, de Luís Miranda (DEM/DF), que sugeriu ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações a criação do Programa Árvores Digitais, com o objetivo, segundo a propositura, de democratizar o acesso à internet banda larga no território nacional. Na justificativa, o parlamentar propõe a “construção de pontos de acesso à internet via wifi de alta velocidade e capacidade, com foco em regiões de alta densidade populacional (ou onde transitam muitos indivíduos) e de vulnerabilidade social. Em regiões remotas, a alimentação elétrica dessas centrais por meio de painéis solares criaria, como um benefício acessório, a oportunidade de avançar com campanhas de consciência ambiental”.

Em verdade, a expansão e universalização da internet banda larga são uma necessidade democrática do país, visto que, conforme a pesquisa TIC Domicílios 2017, divulgada em julho de 2018 pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), as desigualdades econômicas e sociais se relacionam diretamente com o acesso à internet no país. De acordo com o estudo, nas classes D/E a internet está presente em apenas 30% dos domicílios, enquanto nas classes A e B os índices chegam a 99% e 93%, respectivamente.

A pesquisa demonstrou também que o alto preço da conexão permanece como principal motivo mencionado pela ausência de internet nos domicílios: 27% dos entrevistados afirmaram que o serviço é caro.

Silêncio sobre radiodifusão

Outro aspecto que chama a atenção é a quase inexistência de projetos apresentados este ano sobre radiodifusão, assim como ocorre com o silêncio do governo federal sobre o assunto até aqui. Na Câmara, apenas três projetos tratam do setor, mas de aspectos específicos e não gerais sobre os sistemas de rádio e televisão do país.

O primeiro é o PL 38/2019, de autoria do deputado Kim Kataguiri (DEM/SP) que propõe, por meio de revogação de item do Código Brasileiro de Telecomunicações, a extinção da obrigatoriedade de transmissão do programa “A Voz do Brasil”, uma medida perigosa no tocante ao acesso aos atos dos poderes constituídos, considerando que para parcelas da população brasileira, especialmente nas zonas rurais, o A Voz do Brasil é uma das principais fontes de informação.

Esse distanciamento entre a população e as informações de caráter público, inclusive, parece ser a prioridade do deputado vinculado ao Movimento Brasil Livre (MBL), visto que ele também é o autor do PL 40, que, dentre outras coisas, propõe o fim da propaganda eleitoral gratuita de rádio e televisão. Na justificativa do projeto, Kataguiri diz que “os eleitores não mais tomam suas decisões com base nesse veículo [rádio e TV], sobretudo com o fortalecimento dos meios de comunicação via internet e a ampliação do acesso às redes sociais”, uma afirmação que, sem dúvidas, favorece apenas grupos que se constituem e fortalecem a partir de estratégias de desinformação.

O outro projeto relacionado à radiodifusão, PL 456/2019, do deputado Valmir Assunção (PT/BA), visa isentar as rádios comunitárias e a transmissão via streaming do pagamento de direitos autorais, uma reivindicação histórica dos comunicadores comunitários, no sentido de garantir a sustentabilidade das emissoras que não têm fins lucrativos e, por restrição legal, são impedidas de divulgar publicidade.

Outras medidas

Além dos já citados, estão em curso também uma série de outros projetos sugerindo a realização de campanhas educativas nos meios de comunicação; determinando a adoção de legendas nos conteúdos exibidos; de tratamento isonômico dos veículos de imprensa em entrevistas com representantes de órgãos públicos e de limites de veiculação de propagandas em sessões de cinema.

Evidente que há outros projetos apresentados nas legislaturas anteriores que, sem dúvidas, estarão na pauta de debates da sociedade e do Parlamento durante o próximo período, assim como alguns dos projetos protocolados este ano são, em certa medida, reapresentação de outras iniciativas ou com teor semelhante. De todo modo, verificar e analisar o que foi proposto nesse início de trabalhos na Câmara dos Deputados – num cenário de crescimento das fake news, de silenciamento do Executivo sobre o setor e de desmonte da comunicação pública – são elementos que ajudam a compor o cenário das batalhas no campo da comunicação que ocorrerão neste e nos anos seguintes.

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