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Justiça mira políticos que escondem controle sobre emissoras de rádio

Para driblar a lei, porém, alguns indivíduos têm apelado para o recurso da transferência de sua participação

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*Bruno Marinoni

Em dezembro último, o deputado estadual da Paraíba Nabor Wanderley (PRB) e sua filha Olívia Wanderley foram denunciados pelo Ministério Público Federal (MPF) pelo crime de falsidade ideológica. A transferência de pai para a filha da participação na propriedade da emissora de rádio Itaiunga FM tentou, segundo a denúncia, esconder o controle do parlamentar sobre a outorga, contrariando, assim, a proibição prevista no artigo 54 da Constituição Federal.

Diante do caso, o MPF requereu a condenação de Nabor Wanderley e de Olívia Wanderley, com pena de reclusão de 1 a 3 anos. O pedido afirma que o parlamentar e a filha usaram como instrumento uma declaração falsa sobre a venda de cotas da emissora de rádio da cidade de Patos (PB), com o objetivo “de alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante (propriedade do veículo de comunicação por deputado estadual)”.

O caso do deputado estadual Nabor Wanderley – que herdou a emissora de seu sogro, o ex-deputado federal Edvaldo Fernandes Mota – passou em silêncio pela mídia nacional, mas representa uma prática comum no Brasil, em que políticos eleitos se utilizam de “laranjas” (na maioria das vezes, membros de suas famílias) para burlar as proibições constitucionais à exploração de concessões de rádio e TV por políticos detentores de mandato.

Em 2015, organizações sociais, dentre as quais o Intervozes, fizeram uma representação ao Ministério Público Federal contra essas outorgas de radiodifusão controladas por políticos titulares de mandato eletivo. Essa ação tem dado origem a inquéritos civis em diversos estados, com a obtenção de um número representativo de decisões judiciais favoráveis. Para driblar a lei, porém, alguns indivíduos têm apelado para o recurso da transferência de sua participação.

O deputado estadual Nabor Wanderley (PRB-PB)

A Justiça já acumula um número razoável de casos em que prevalece o entendimento de que a transferência do controle acionário das emissoras para terceiros não sana as violações já cometidas, pois se mantém a ilegalidade do ato da concessão e os seus efeitos. Nestes processos se observa por parte dos políticos titulares de mandato eletivo a tentativa de esconderem o controle que possuem de fato sobre as rádios e televisões. Apesar dos avanços, porém, não há ainda nenhuma decisão final da Justiça que tenha efetivado a cassação da outorga, cabendo recursos aos réus.

Dentre os casos existentes, destaca-se o do senador Jader Barbalho (MDB-PA) e da deputada Elcione Barbalho (MDB-PA), que transferiram suas cotas de participação na emissora Rádio Clube do Pará no dia 14 de fevereiro de 2017 para os filhos. A decisão proferida pelo desembargador que julgou o caso determinou a imediata suspensão do funcionamento da rádio, afirmando que ficou demonstrado que houve “uma possível manobra para ocultar os nomes dos verdadeiros controladores” da empresa.

Em outro caso exemplar, a Justiça Federal do Rio Grande do Sul afirmou que a transferência da participação na Rádio Cultura de Gravataí por parte do deputado federal Antônio Bulhões (PRB-SP), bispo da Igreja Universal do Reino de Deus, para terceiros no ano de 2015 apenas “mascara a real relação do parlamentar com a Rádio”. Desta forma, julgou-se procedente a ação que solicita o cancelamento da concessão.

O mesmo deputado Antônio Bulhões foi réu em outro processo no Estado de São Paulo, o qual trata da transferência do controle acionário da Rádio Metropolitana Santista. Nesta, identificou-se que o parlamentar permanece como controlador indireto, com participação camuflada na forma de pessoa jurídica. Surpreendentemente, essas entidades jurídicas são também emissoras, a Rádio Aratu e a Rádio São Paulo. A sentença sobre este caso determinou o cancelamento da concessão, afirmando que “mesmo que a saída [do controle acionário] houvesse ocorrido, a ação não teria perdido objeto, pois o mérito refere-se a ilegalidades ocorridas no âmbito da outorga de radiodifusão”.

Esse mesmo entendimento sobre a ilegalidade no controle da concessão, independentemente da existência de um ato de transferência, foi destacado no caso do deputado federal Baleia Rossi (MDB-SP) e das emissoras sob seu controle, Rádio AM Show e Rádio Show de Igarapava. A Justiça determinou também neste caso, em abril de 2019, o cancelamento das concessões de rádio.

Em 2019, foram identificados 20 deputados federais, seis senadores e um governador nominalmente vinculados a veículos de comunicação. Além deles, outros mantêm ligações familiares e/ou profissionais com grandes redes de comunicação. A identificação dessas relações muitas vezes é difícil de ser feita, mas a sociedade mobilizada tem se mostrado cada vez mais atenta às tentativas de burlar a proibição constitucional ao controle de outorgas por políticos. Há, porém, ainda muito espaço para novas iniciativas que cobrem o cumprimento da legislação e para que se consolide o entendimento de que as concessões ilegais de emissoras obtidas devem ser objeto de nova outorga.

*Bruno Marinoni é jornalista, doutor em Sociologia pela UFPE e integrante do Intervozes

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