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Exclusão dos debates eleitorais impõe restrições à democracia

Na semana em que candidatos expressivos das duas maiores cidades do país ficam fora dos debates, vemos que este espaço está longe de ser democrático

Debate com candidatos à Prefeitura de São Paulo promovido pela Band, na segunda-feira 22, excluiu o terceiro lugar nas intenções de voto, Luiza Erundina (PSOL)
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Por Ana Claudia Mielke*

Em 2015, um dos temas sobre o que mais se falou neste país foi a tal da “reforma politica”. Feita às pressas – para atender aos interesses imediatos do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, e seus cúmplices –, e em fatias – limitando-se a alterar questões pontuais da legislação até então em vigor –, a reforma não alterou questões centrais no modo de fazer campanha no país e ainda impôs restrições importantes ao debate democrático.

Uma das alterações diz respeito aos debates promovidos pelas emissoras abertas de rádio e TV. De acordo com a legislação em vigor, os debates são facultativos, ou seja, não existe obrigatoriedade em realizá-los.

Até 2014, ao optar por realizar debate entre os concorrentes, as emissoras estariam obrigadas a convidar todos que estivessem disputando a eleição, desde que o partido do candidato possuísse representação na Câmara dos Deputados. E isto valia tanto para debates relacionados aos cargos majoritários (executivos municipal, estadual, federal e senadores) quanto para cargos proporcionais (vereadores, deputados estaduais e federais).

Com a aprovação da Lei nº 13.165/2015, que dá nova redação a lei anterior, as emissoras passaram a ser obrigadas a convidar apenas os candidatos cujos partidos tenham representação na Câmara superior a nove deputados federais.

Aos demais, o convite ao debate é facultativo e, mesmo que seja feito tal convite, a participação dos demais candidatos depende de acordo prévio realizado entre a emissora/entidade e o conjunto dos concorrentes naquela eleição específica, com aprovação de 2/3.

O parágrafo 5º do art. 46 da nova lei, cuja redação diz “[…] para os debates que se realizarem no primeiro turno das eleições, serão consideradas aprovadas as regras, inclusive as que definam o número de participantes, que obtiverem a concordância de pelo menos 2/3 (dois terços) dos candidatos aptos, no caso de eleição majoritária, e de pelo menos 2/3 (dois terços) dos partidos ou coligações com candidatos aptos, no caso de eleição proporcional”.

Este detalhe, bastante específico, cria um ambiente inóspito às negociações que são feitas para viabilizar a participação de todos nos debates, uma vez que põe nas mãos dos concorrentes a decisão final por manter ou retirar um candidato do debate.

É o que já aconteceu nesta semana, em São Paulo, com a exclusão da candidata Luiza Erundina, do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), do debate promovido pela Band, na segunda-feira (22) e acontecerá hoje no Rio de Janeiro, com a exclusão de Marcelo Freixo (PSOL) também de debate realizado pela Band. Erundina está em terceiro lugar nas pesquisas de intenção de voto e Marcelo Freixo, em segundo.

No caso paulista, a emissora não tardou em jogar a responsabilidade pela exclusão no colo de Marta Suplicy (PMDB), João Doria (PSDB) e Major Olímpio (Solidariedade), que não assinaram o documento proposto pela emissora que previa a participação de todos os candidatos no debate. Na disputa pela prefeitura carioca, a participação de Freixo foi barrada pelos votos dos candidatos Flávio Bolsonaro (PSC), Pedro Paulo Carvalho (PMDB) e Indio da Costa (PSD).

Debate na Band Debate com candidatos à Prefeitura de São Paulo promovido pela Band, na última segunda-feira, excluiu o terceiro lugar nas intenções de voto, Luiza Erundina (PSOL)

Em Campo Grande, capital do Mato Grosso do Sul, o candidato a prefeito Eliseu Amarilho (PSDC) ameaçou retirar sua candidatura ao descobrir que não teria a oportunidade de participar do debate eleitoral que será realizado dia 29 de setembro pela TV Morena, afiliada da Globo no estado. Com ele, são 8 dentre os 15 candidatos oficializados que devem ficar de fora do debate eleitoral na capital sul mato-grossense.

A Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) se pronunciou na terça-feira (23), dizendo que “não procedem as notícias recentemente veiculadas de que 2/3 dos candidatos aptos poderiam determinar a exclusão de candidatos de pequenos partidos (não aptos), à revelia das emissoras”. Sim, é verdade. Os candidatos não podem decidir isso sozinhos, precisam da anuência da rádio, TV ou entidade jurídica que pretende realizar o debate. Acontece que, tradicionalmente, as maiores interessadas em excluir candidatos dos debates políticos sempre foram a emissoras.

A regra que permite o impedimento da participação dos candidatos está em votação no Supremo Tribunal Federal (STF) e é contestada por partidos como Partido Humanista da Solidariedade (PHS), Partido Trabalhista Cristão (PTC) e Partido da República (PR), além do já citado PSOL. Neste processo, o advogado da Abert Gustavo Binenbojm tem usado como argumentos que a limitação do número de candidatos corrige uma anomalia do próprio sistema partidário, marcado pela fragmentação de siglas, e permite que os debates sejam mais profícuos e informativos. A liberdade de escolha deve ser, para a Abert, das emissoras.

Em ano eleitoral, as grandes emissoras comercias – Globo, Band e Record – realizam inúmeras reuniões prévias de negociação dos debates das quais participam diretores das rádios e TVs, assessores dos “grandes” candidatos e representantes dos candidatos “menores”. Além das regras do próprio debate (sorteio de ordem e de perguntas, tempo de resposta, possibilidades de réplica e tréplica, etc), estas reuniões sempre tiveram um objetivo claro: diminuir o número de candidatos participantes.

O motivo para limitar o número de candidatos nos debates é, quase sempre, estético, afinal, “não fica bonito mais do que quatro candidatos debatendo na TV” – como ouvi, em 2008, de um dos diretores da TV Globo, responsável por conduzir as negociações. Já naquele ano, a oferta que se fazia era: “Damos a vocês, que aceitarem ficar fora do debate, um tempo a mais em cobertura diária das ações de campanha e uma entrevista de 3 minutos no jornal do meio dia”.

Muitos candidatos acabavam aceitando a proposta, abrindo mão de participar do confronto direto. Os que mantinham a determinação de participar quase sempre eram incluídos na última hora – depois de finalizadas todas as tentativas de assédio, digo, negociação por parte das emissoras. Naquele ano de 2008, a TV Globo SP decidiu não fazer o debate entre os candidatos à prefeitura no primeiro turno porque o então candidato pelo PSOL, deputado Ivan Valente, apesar da pressão, não aceitou fazer o acordo.

A legislação, por seu lado, garantia aos partidos menores o direito a esta participação, pois não a condicionava a um número de representantes na Câmara Federal – o PSOL naquele ano tinha três representantes – nem tampouco submetia a decisão final aos concorrentes. É óbvio, portanto, que numa situação em que a emissora queira diminuir o número de participantes – por questões técnicas e estéticas, como se costuma justificar – ela jogará aos concorrentes a responsabilidade por tomar este tipo de decisão – não poderia ser mais cômodo para Globo, Band, Record e, obviamente, para a Abert.

Direito à participação

Um dos pilares da democracia é o direito à participação. Este direito, por sua vez, está condicionado a outros também necessários e fundamentais, como a liberdade de expressão. Não existe democracia de fato sem participação, e não existe participação sem que sejam construídas condições que permitam a livre expressão das ideias e opiniões políticas, com isonomia entre os pretensos participantes. No Brasil, por outro lado, dois fenômenos em curso desvirtuam o direito à participação.

O primeiro ocorre quando se condiciona liberdade de expressão exclusivamente à liberdade de imprensa, como se tal direito fosse apenas das empresas comerciais de comunicação de dizer o que querem sem intervenção estatal, e não um direito de todos os cidadãos e cidadãs de serem bem informados quando abordados, em suas casas, por estas mesmas empresas de mídia.

O segundo, aparentemente, revela uma tentativa de privilegiar os que detêm maior poder de barganha política – isso inclui tempo no horário eleitoral “gratuito” na TV e no rádio – e soterrar aqueles que, limitados pelo tempo de existência ou pelo número de zeros na conta corrente, dependem de maior visibilidade para ter suas ideias e ideais conhecidos pelo grande público.

Se a concentração midiática brasileira é causa e consequência do primeiro fenômeno, seria razoável dizer que uma tradição oligárquica na política estaria na base do segundo. A nova lei eleitoral, portanto, aprovada por um congresso liderado por Eduardo Cunha, é apenas a expressão disto, posto que não garante a isonomia necessária para a participação de todos ao tratar com benefícios os maiores e retirar direito dos partidos ditos menores.

Embora os exemplos trazidos no texto sejam em sua maioria do PSOL, que atualmente tem seis deputados federais atuando na Câmara, na prática, partidos como PHS, com sete deputados, Partido Popular Socialista (PPS), que possui oito deputados, Partido Republicano da Ordem Social (PROS), com sete deputados, Partido Verde (PV), que tem seis deputados, Rede Sustentabilidade (REDE), com quatro deputados, Partido da Mulher Brasileira (PMB), com dois deputados, Partido Republicano Progressista (PRP) e Partido Renovador Trabalhista Brasileiro (PRTB), ambos com apenas um deputado também sofrerão as consequências desta política de exclusão.

“Gratuito” entre aspas

Tem gente que não gosta, acha chato, banal ou mesmo engraçado, mas o horário eleitoral gratuito nas emissoras de rádio e TV ainda é um meio de alcançar uma ampla parcela da população. Num país com as dimensões do Brasil, trata-se de um instrumento de alcance importante, sem o qual uma parcela da população, talvez, sequer soubesse das eleições.

É justamente visando a este alcance informativo sobre o processo eleitoral que a Lei nº 9504/1997 instituiu este instrumento, sendo um programa em bloco, que vai ao ar duas vezes por dia (manhã e meio dia no rádio; meio dia e noite na TV), e inserções ao longo da programação.

O problema é que de gratuito este horário não tem nada, uma vez que o Estado brasileiro ressarce as emissoras abertas pela veiculação da propaganda partidária. Segundo o site Contas Abertas, o governo federal deverá ressarcir às emissoras, por meio de dedução tributária direta, cerca de R$ 576 milhões no ano de 2016. O valor ressarcido é equivalente a 80% do que as emissoras ganhariam vendendo publicidade naquele mesmo período da grade da programação – cálculo que se dá pelo horário nobre, diga-se de passagem.

Levando em conta que as emissoras em questão são concessões públicas – possuem o direito de uso do espectro radioelétrico pertencente à União por um tempo determinado para a transmissão de programação e aferição e lucro sobre isso – a dedução do imposto de renda pela exibição do horário eleitoral é, na verdade, um engodo jurídico, pois quem está pagando pelo horário é o cidadão, que abre mão do valor citado para que as empresas possam veicular o horário. As emissoras, embora reclamem, não querem abrir mão disso, afinal, é um dinheiro que entra (ou deixa de sair) independente da variação da audiência.

Neste ano, o tempo do programa em bloco no rádio e na TV foi diminuído, de 45 para 35 dias (começando nesta sexta-feira, 26, e indo até o dia 29 de setembro), assim como diminuiu de 30 para 10 minutos o tempo do bloco para os cargos de prefeitos. Já para os cargos proporcionais, valem apenas as inserções ao longo da programação, cujo tempo aumentou de 30 para 70 minutos por dia.

Aos grandes partidos, segue o vale tudo das coligações pragmáticas, que visam a aumentar o tempo de aparição na TV. Afinal, 90% dos programas em bloco são distribuídos proporcionalmente aos partidos com maior número de representantes na Câmara e os demais 10% são distribuídos igualitariamente entre todos.

Já aos chamados “pequenos partidos”, segue valendo a militância, o ciberativismo, o corpo-a-corpo nas ruas e alguma criatividade para dar visibilidade às propostas. Como vimos, ainda vivemos num país em que informação, liberdade de expressão e direito à participação seguem sendo privilégios de poucos.

* Ana Claudia Mielke é jornalista, mestre em Ciências da Comunicação pela ECA/USP e coordenadora executiva do Coletivo Intervozes

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