Intervozes

EBC: comunicação pública ou governamental?

A promíscua troca de integrantes entre a comunicação do Planalto e a direção da empresa compromete a autonomia da EBC e coloca em risco seu projeto original

A sede da EBC em Brasília. O projeto original segue comprometido
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Há um mês, a repórter Cristiana Lobo, da GloboNews, informou, “em primeira mão”, a notícia, ainda não confirmada pelo Palácio do Planalto nem publicamente pela diretoria da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), de que haverá mudanças na “comunicação do governo”.

A jornalista anunciou que Nelson Breve, atual diretor presidente da EBC, deve voltar a coordenar a Secretaria de Imprensa da Presidência da República; que o atual secretário de Imprensa, Olímpio Cruz, passará a dirigir a programação da EBC; e que Américo Martins, atual diretor geral da EBC, será o novo diretor-presidente da empresa.

Ainda segundo o “off” dado pela GloboNews, as mudanças não ficarão apenas nos cargos de diretoria. Há fontes dentro da EBC que confirmam que mais gente da Secretaria de Comunicação da Presidência da República (Secom) está sendo cotada para aterrissar (ou flutuar) na comunicação pública.

Mantém-se, assim, a já conhecida dança das cadeiras entre o órgão responsável pela comunicação governamental e a direção da empresa pública de comunicação – como já ocorreu com o (ainda) atual presidente da EBC Nelson Breve; com o antigo diretor geral Eduardo Castro; com o atual vice-presidente, Sylvio de Andrade; a atual secretária executiva Regina Silvério; e tantos outros antigos e atuais diretores, assessores e superintendentes da EBC, que fizeram o mesmo caminho, passando pela mestra catraca.

Assim, uma vez mais, a Secom contribui para consolidar a já tão questionada, deslegitimada e promíscua relação entre comunicação pública e governo, num modelo em que não há espaço para o florescimento de uma real e imprescindível autonomia da empresa pública frente ao Planalto.

Tal autonomia, vale lembrar, está legalmente escrita nas primeiras linhas da lei de criação da EBC, que ratifica a separação entre os poderes público e estatal de comunicação previstos na Constituição brasileira. Ela é base para o sucesso e pleno funcionamento de emissoras públicas em todo o mundo. Basta olhar os clássicos exemplos da inglesa BBC ou dos canais da France Télévisions: governo de um lado, comunicação pública de outro, em respeito aos cidadãos e ao interesse público (e não de governo) que deve reger tais espaços.

É sabido que a Lei nº 11.652, de 7 de abril de 2008, dá ao Palácio o direito de nomear a presidência da EBC. Não se questiona a legalidade destas decisões, mas sim sua legitimidade e pertinência. E, ainda, a forma como o Palácio do Planalto, uma vez mais, opta por fazer mudanças na EBC: sem qualquer consulta aos funcionários da empresa, sem qualquer diálogo com a sociedade, e dando o “furo de reportagem” nas mãos da imprensa comercial.

A Secom conhece a importância de mecanismos de gestão da EBC, como seu Conselho Curador, que poderia ser acionado para tornar mais participativas e democráticas as escolhas feitas para a empresa. Entretanto, parece ter optado, mais uma vez, pelo automatismo da dança das cadeiras.

Fica ainda mais difícil compreender a decisão do governo em mudar a direção da EBC antes mesmo do término da gestão Nelson Breve, previsto para novembro, quando o próprio Conselho Curador da EBC convocou, para o próximo mês de agosto, um seminário para discutir justamente o modelo institucional da empresa. Em vez de aproveitar o espaço para debater coletivamente um perfil para a ocupação dos cargos da maior empresa de comunicação pública do País, o processo corre seu já tradicional rumo, na contramão de um projeto de comunicação pública autônoma, nunca antes assumido nestas dimensões por qualquer governo no Brasil, e que poderia hoje ser visto como um legado das últimas gestões para a democracia do País. 

Não se trata de criticar os nomes escolhidos nessa sucessão. O atual diretor-geral da EBC, Américo Martins, cotado para a presidência, está inclusive entre os poucos diretores da empresa que tem experiência em comunicação pública e que não vieram da Secom ou de outros órgãos do governo.

Mas mudanças superficiais, como quem passa um verniz ou reboco, pouco atenderão aos desafios colocados para a EBC. Não adianta mudar a cabeça e ter uma calda pesada, amarrada, dura e espinhosa. Não dá para fazer comunicação pública sem um formato de gestão verdadeiramente pública.

E é porque defendemos, desde o início, que processos democráticos e participativos são fundamentais para o êxito da EBC que acreditamos que este projeto pode – e vai – dar certo. É só querer.

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