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Direção da EBC retira comunicação pública dos planos da empresa

Em meio a intensas negociações com trabalhadores em greve, diretoria dá mais um golpe no caráter público da empresa

Trabalhadoras e trabalhadoras da EBC se mobilizam em defesa da comunicação pública
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A comunicação pública do Brasil sofreu mais uma derrota nessa semana.

O Conselho de Administração (Consad) da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) aprovou a retirada do conceito de “comunicação pública” de seu mapa estratégico, documento que orienta objetivos e ações da empresa. No documento anterior, constava como horizonte “ser referência em Comunicação Pública”. Agora, consta “ser uma empresa referência em comunicação”. 

A mudança conceitual expressa o processo de fragilização do caráter público da empresa, que foi duramente atacada logo após a chegada de Michel Temer ao poder, e suscita preocupações sobre o futuro desta que é a principal instituição do sistema público de comunicação do Brasil.

A alteração foi questionada pelo representante dos trabalhadores da EBC no Consad, Edvaldo Cuaio, que relatou que o conceito foi rechaçado e que um dos diretores argumentou que qualquer empresa de comunicação faz comunicação pública, inclusive a Globo.

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De fato, todas as emissoras dependem de concessões públicas para funcionar e devem seguir normas fixadas, entre outros instrumentos, pela Constituição Federal. Não obstante, a Carta Magna também é clara ao fixar a diferença entre os sistemas público, privado e estatal; a Lei n° 11.652, que criou a EBC, dispõe que “a EBC tem por finalidade a prestação de serviços de radiodifusão pública e serviços conexos, observados os princípios e objetivos estabelecidos nesta Lei”.

Em relação aos objetivos, o mapa defendido pela diretoria no atual processo de revisão também iria de encontro à regra. Isto porque havia a previsão de inserir na perspectiva de processos internos da EBC “fortalecer os serviços prestados para o Estado”.

A EBC possui um setor que trata dos serviços prestados ao governo, fruto do modelo institucional que foi acordado à época da criação da empresa. Não obstante, a referida lei determina que a prestação dos serviços de radiodifusão pública por órgãos do Poder Executivo ou mediante outorga a entidades de sua administração indireta deverá observar, entre outros princípios, a “autonomia em relação ao Governo Federal para definir produção, programação e distribuição de conteúdo no sistema público de radiodifusão”. A proposta não foi aprovada por intervenção dos funcionários.

Neste ponto, também houve mudança grave em relação ao mapa anterior, que apontava diversas outras metas, como a consolidação da Rede Nacional de Comunicação Pública. A referência passou a ser feita à “ampliação da rede”, sem citar a construção que vinha sendo feita pela EBC e que, conforme noticiado anteriormente neste blog, vem sendo desmontada desde o início da atual gestão da empresa.

Como expressão disso, os repasses de recursos para as emissoras que compõem a rede não têm sido mais efetuados. A prática debilita a variedade de conteúdos veiculados, uma vez que as emissoras estaduais, universitárias e outras não possuem recursos – nem mais a obrigatoriedade – para produzir e enviar matérias em diálogo com a EBC.

A reunião ocorreu na última segunda-feira, 27, mesma data em que os trabalhadores e trabalhadoras da EBC suspenderam greve que já durava treze dias. Ao longo da paralisação, eles reivindicaram negociação, pois a empresa manteve-se fechada ao diálogo, e diversos direitos trabalhistas, bem como denunciaram o desmonte da empresa e as tentativas da direção de fundir as equipes que trabalham no setor de prestação de serviços ao governo federal, com caráter estatal, das que trabalham com os veículos que têm como premissa a função pública.

O relatório oficial será divulgado na primeira quinzena de dezembro. Em assembleia realizada nesta quarta-feira, 29, os trabalhadores aprovaram moção de repúdio à fragilização do caráter público da EBC. 

Alguns posicionamentos adotados internamente repercutiram fora da Empresa. Também nesta semana, o presidente da EBC, Laerte Rimoli, foi denunciado por ter compartilhado posts preconceituosos e que ironizavam situações de racismo denunciadas pela atriz Taís Araújo.

Trabalhadores da empresa, em nota, afirmaram que atitudes como essa estão presentes na condução da EBC, como através do fechamento dos veículos às pautas de direitos humanos e de assédio moral. A Comissão de Ética Pública da Presidência da República abriu processo para apurar o caso.

A greve da EBC paralisou cerca de 70% das trabalhadoras e trabalhadores que atuam em Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro, além de envolver funcionários do Maranhão. A mobilização ganhou grande repercussão nacional após o ator Pedro Cardoso ter se retirado, ao vivo, do programa Sem Censura, em solidaridade com os trabalhadores e denunciar o desmonte da EBC.

Inconstitucional

As mudanças que têm sido operadas na EBC vão de encontro não só à lei que criou a empresa, mas à própria Constituição Federal. Em parecer que analisou a Lei 13.417/2017, que alterou a Lei 11.652/2008, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) apontou a inconstitucionalidade da matéria, uma vez que ela retira a base da diferenciação entre o sistema público e os demais sistemas: estatal e privado, conforme prevê o Artigo 223.

Segundo o documento, “as inúmeras modificações na estrutura da EBC – notadamente a extinção do Conselho Curador e do mandato do diretor-presidente – bem demonstram a intenção de enfraquecer a autonomia na formulação da linha editorial e da programação da emissora, buscando, assim, torná-la mais vulnerável em face do mercado e, em especial, do Poder Executivo”.

As intenções detectadas no parecer infelizmente se confirmaram e tendem a ser acentuadas, caso a diretoria efetive a perspectiva que tem defendido junto aos órgãos diretivos internos.

Embora as pressões governamentais não sejam novidade, elas ganharam intensidade nunca antes vista em ataques crescentes à autonomia editorial procedidos pela atual gestão do Poder Executivo Federal e em um movimento de desmonte da EBC e da comunicação pública como um todo, uma vez que a empresa é a coordenadora do sistema público brasileiro como, por exemplo, na organização da Rede Nacional de TV Pública.

A cobertura dos veículos públicos passou a ser fortemente orientada para o oficialismo. Críticas ao governo passaram a ser claramente censuradas. Mudanças foram feitas nas equipes para retirar profissionais mais críticos ou que não aceitavam se submeter às imposições.

Programas foram cancelados. Recentemente as atividades da emissora pública de TV, TV Brasil, e do canal estatal do Governo Federal, NBR, este uma prestação de serviço ao Governo Federal, passaram a ser integradas.

Essas medidas foram denunciadas por entidades representativas dos trabalhadores e pelo relatório da Campanha Calar Jamais, do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação.

Ou seja, a autonomia editorial prevista na Lei 11.652/2008 e base do conceito de sistema público previsto na Constituição está sendo constantemente afrontada. Mais grave, integrantes do governo vêm dando declarações defendendo o fim da empresa. Setores foram extintos em algumas praças. Ameaças são feitas junto aos trabalhadores de possibilidade de redução do quadro e de extinção de veículos.

A Procuradoria Geral da República (PGR) ainda não se manifestou sobre o assunto. Nesta semana, a Frente Parlamentar pela Liberdade de Expressão e Direito à Comunicação, o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) e os sindicatos dos jornalistas e dos radialistas do Distrito Federal solicitaram reunião com a procuradora Raquel Dodge para discutir o assunto.

Urge que as instituições públicas e a sociedade, em geral, atuem contra os ataques que estão sendo proferidos não só à EBC, seus trabalhadores e às leis, mas ao direito de todas e todos à comunicação e a um sistema midiático mais diverso. Se esse quadro está longe de ser realidade no Brasil, poderá ser agravado com a fragilização da EBC.

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