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COP das Baixadas: Descentralização do debate climático na cidade da COP30

A comunicação e a cultura popular como indicadores de conscientização produzida por jovens negros e LGBTQIAPN+ das baixadas e periferias de Belém

COP das Baixadas: Descentralização do debate climático na cidade da COP30
COP das Baixadas: Descentralização do debate climático na cidade da COP30
Foto: Hugo Chaves
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Foi a partir das vivências cotidianas de periferias amazônicas que surgiu a COP das Baixadas, um evento-piloto de conferência do clima destinado às populações periféricas  e realizado por uma rede de organizações de juventudes de diferentes contextos e partes da região metropolitana de Belém (PA), que têm em comum a articulação e o fortalecimento de pautas relacionadas à justiça climática nas periferias urbanas da Amazônia.

Quando Jean Ferreira, jovem liderança também reconhecida como Jean do Gueto, foi à Conferência das Partes (COP) 27, no Egito. em 2022, percebeu o quanto estes espaços de negociação climática não possuem a presença e a representatividade de diferentes corpos e vivências territoriais.

Aqueles que sentam à mesa para de fato participar das negociações não são as vidas de quem sente primeiro os impactos da crise climática, e sim lideranças mundiais que mais contribuem para o agravamento dessas mudanças. Ao retornar, trouxe consigo o chamado/missão de construir um espaço de discussão que dialogasse com o seu território, o bairro do Jurunas. E não o fez sozinho, contou com a parceria de diversos coletivos e organizações que também atuavam nas periferias de Belém.

Desta maneira, nasceu o evento-piloto de Conferência das Baixadas sobre mudanças climáticas, em fevereiro de 2023 – antes mesmo de Belém ter sido escolhida como sede da 30° Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP30), com a intenção principal de tornar as discussões, os debates e as temáticas alcançadas pela crise climática mundial mais próximos do cotidiano das pessoas, em especial dentro das periferias que são, historicamente, as mais atingidas pelos desdobramentos da crise no cotidiano.

Segundo dados do Sexto Relatório de referência (2022) do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas – IPCC, na última década, o número de mortes no Brasil em regiões mais pobres por secas, tempestades e enchentes foi 15 vezes maior do que em regiões mais estruturadas. Esse dado evidencia o racismo ambiental nos territórios periféricos, onde a ocorrência de eventos de catástrofes climáticas agrava desigualdades e empurra essas populações para a extrema pobreza.

Além disso, outros objetivos se mostram no horizonte da COP das Baixadas, como despertar a participação dos jovens ao ativismo climático e conscientizar as autoridades públicas da importância de conversar com as comunidades atingidas por essas mudanças. A primeira edição ocorreu no bairro Jurunas, com três eixos principais de discussão: 1) direito à cidade – políticas públicas sobre adaptação e mobilidade; 2) comunicação – arte e intervenção artística para conscientizar as periferias; 3) clima e sociedade – impactos nas periferias, soberania alimentar, alagamentos, deslizamentos e migração.

Jovens atores e coletivos que participaram ativamente desta 1° edição da COP das Baixadas entenderam a dimensão do que foi construído coletivamente e da importância de manterem-se articulados em coletivo, a partir de então, como uma coalizão de organizações atuantes na pauta climática em Belém do Pará e na Amazônia.

Em março de 2024, foi realizada a 2° edição da COP das Baixadas, tanto online quanto presencialmente na Escola Bosque, localizada na Ilha de Caratateua, Distrito de Outeiro. O Acordo de Escazú, o primeiro tratado ambiental da América Latina e do Caribe, foi o tema escolhido para a programação desta edição. Ele aborda questões como democracia e participação popular, direito à informação e acesso e defesa do meio ambiente e seus defensores. Também nesta edição, discutiu-se os projetos de infraestrutura urbana para a Conferência do Clima de 2025, os quais foram todos alocados em um perímetro denominado “Polígono COP30”, que recorta a parte da cidade onde os participantes do evento vão circular com maior frequência. Trata-se de uma área de cerca de 30 quilômetros quadrados delimitada, a qual concentra os bairros com os imóveis mais valorizados da capital.

Indo contra esta centralização das melhorias de infraestrutura na cidade, a coalizão de organizações que integram a COP das Baixadas propuseram um novo “polígono da COP30” para Belém, partindo das baixadas da capital paraense: o polígono chamado “Territórios das Baixadas”, que abrange do bairro Jurunas à Ilha de Caratateua, contemplando as periferias que estão às margens da atuação proposta pelo poder público e em busca da ampliação do raio de atuação e visibilidade para as reivindicações estruturais, sociais e políticas da população que não será beneficiada diretamente com as obras ou mesmo pela circulação de pessoas e eventos a serem realizados durante a COP30.

É a partir deste olhar territorial e conectado com as comunidades locais que as juventudes das baixadas apontam para novos nortes e propõem a construção de uma Conferência do Clima com ampla participação da sociedade civil nas tomadas de decisões desde agora, pois estes debates não chegam aos territórios periféricos e o acesso à informação, principalmente a transparência do que está acontecendo na cidade, muitas vezes fica limitado a um determinado espaço político, que é tomado por governantes ou secretarias. E que não fazem ou não possuem interesse de que esta informação saia de lá.

A cultura como vetor de conscientização e mobilização nas baixadas

Por aqui, entendemos a cultura como a identidade de um povo, um conjunto de hábitos, costumes e tradições que unem um ou vários grupos sociais em um território, online ou offline. É na raiz dos costumes e códigos socioculturais que as transformações ocorrem na sociedade. Desse modo, as mudanças climáticas não são apenas uma questão ambiental, mas também cultural. Isso porque as alterações no ecossistema ambiental influenciam diretamente questões sociais e culturais.

Nesse sentido, compreendermos a cultura enquanto ferramenta e meio de conscientização e estabelecimento de novos modos e hábitos, proporcionando o ambiente necessário para sensibilizar a sociedade e ampliar o acesso a debates como este. É crucial para a mobilização da população. Em 2025, Belém vai sediar a COP30 e a cultura brasileira e, fundamentalmente, a Amazônida terá espaço oficial como elemento de enfrentamento à crise climática, já que na última Conferência sobre as Mudanças climáticas, a COP28, que aconteceu em 2023, em Dubai, nos Emirados Árabes, foi lançado por ministros de Cultura de diversos países do mundo – o Grupo Amigos da Ação Climática – e o Brasil esteve presente e assumiu a copresidência do grupo.

Desta maneira, vemos um posicionamento político global da cultura como mobilizadora e amplificadora de discussões a respeito dos impactos das mudanças climáticas na vida e no cotidiano das pessoas. À vista disso, pela capital paraense, vemos o movimento potente das construções e resgate das vivências amazônicas em eventos culturais, em composições e versos de músicas de carimbó, ritmo tradicional e Patrimônio Cultural Imaterial Brasileiro, na preservação de memória e salvaguarda de costumes e tradições a partir de diversas linguagens, as quais denominamos de narrativas culturais sustentáveis, presentes na moda, música, literatura, artes visuais, dança, teatro e nas manifestações culturais populares também, como os bois e os pássaros juninos, que ampliam o acesso das populações periféricas a direitos, como o direito à informação e o direito à cultura, e contribuem para a maior conscientização da sociedade sobre educação ambiental e climática, sobre o que é racismo ambiental e como afeta estas populações, que são mais vulneráveis, na prática.

Ainda que este debate esteja presente, ele fica na superfície para a sociedade civil e não é encarado com a sua devida importância, seriedade e complexidade pelas políticas públicas locais e, essencialmente, pela imprensa local, com reportagens, propagandas e divulgações dos setores de comércio e serviços, do turismo de massa e pelo próprio estado com enfoque especial em como os cidadãos podem se beneficiar financeiramente da realização de um mega evento global sobre clima na Amazônia e não, necessariamente, sobre o que de fato se debate dentro destes espaços.

Com a iminente chegada da COP30, evento anual que reúne dezenas de milhares de autoridades governamentais, cientistas, organizações e ativistas de todo o mundo, a maior parte da população, principalmente as residentes nas baixadas e periferias, ainda não sabe muito bem o que esperar – ainda há pessoas achando que a COP é uma copa de esportes – ou o que de fato é realizado dentro de um evento global como este. Que decisões ali serão tomadas? Como estas decisões vão influenciar em suas vidas?

A “Yellow Zone” como solução 

A partir destas provocações e compreendendo a cultura e a comunicação de forma intrínseca como chaves para reverter este cenário, a COP das Baixadas lança durante a semana da Amazônia o programa de envolvimento comunitário “Yellow Zone”, com o intuito de descentralizar o debate climático e deixar um legado positivo para comunidades periféricas onde ocorrem as COPs.

Nas COPs, a “Blue Zone” e a “Green Zone” referem-se a áreas específicas dentro do espaço do evento, cada uma com objetivos e funções distintas: enquanto a Blue Zone é focada em negociações e discussões oficiais, a Green Zone é voltada para o engajamento público e a educação sobre questões climáticas.

Logo, a Yellow Zone é a proposição de uma terceira zona, com foco em envolver comunidades periféricas e menos privilegiadas em discussões climáticas através de ações e eventos culturais. Nasceu baseada no polígono chamado “Territórios das Baixadas”, apresentado durante a 2ª Conferência das Baixadas, e visa demarcar este território, com suas potencialidades culturais, turísticas, sociais e econômicas, além de atrair investimentos estruturais e financeiros para as necessidades e demandas das comunidades locais.

Esta iniciativa será testada em eventos locais, preparando o terreno para a COP30 em 2025, visando expandir essa proposta para outros territórios em futuras Conferências do Clima.

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Conceituando – Baixadas: A partir de um olhar científico, são áreas que possuem pouca ou nenhuma diferença de relevo em relação ao nível do mar, ou às margens de rios e corpos d’água, estando suscetíveis a inundações e alagamentos constantes. A partir de um olhar popular, as baixadas são sinônimo para periferia nos territórios amazônicos, assim como as favelas e as quebradas para outras regiões do País. A principal característica desses centros populacionais é a sua relação intrínseca com água. Seja pela discrepância no acesso a ela, seja pela organização urbana que se deu de costas para os rios. Por estes motivos, as baixadas estão entre as áreas mais sensíveis aos eventos climáticos extremos.

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Redes sociais:

@copdasbaixadas – https://copdasbaixadas.org/

@yellowzones – https://yellow-zone.org/

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