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Candidaturas indígenas eleitas crescem, mas sub-representação ainda é um problema

O número de indígenas que disputaram as eleições em 2022 não representa nem 1% do total de candidatos

Celia Xakriabá na Câmara - Foto de Wesley Amaral - Câmara dos Deputados. Foto: Wesley Amaral/Câmara dos Deputados
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Por Alana Manchineri e Ruwi Manchineri

Os invasores chegaram ao território original devastaram e assassinaram muitos dos nossos e, ainda hoje, em pleno século XXI, a violência persiste e está atrelada à sub-representação dos povos indígenas nos espaços de tomada de decisão política, espaços estes que deveriam garantir diversidade e direitos humanos. Os livros didáticos, que ainda retratam os povos do primeiro contato da invasão no Brasil, não mostram a atualidade da vida dos povos indígenas e sua cosmovisão de mundo. O imaginário do não indígena resume-se à figura do “índio” sem educação, sem leis e sem fé, como mencionado nas cartas dos invasores à coroa portuguesa. Na política, não é diferente.

Há anos a sub-representação reforça a prática violenta do Estado de negar direitos aos povos indígenas, mesmo que garantido constitucionalmente em meio a tantos avanços do movimento indígena. Os representantes do agronegócio, da ala evangélica e de especulação imobiliária tornam a todos os anos eleger seus representantes nas Câmaras e Assembleias Legislativas, no Executivo e no Congresso Nacional, tomando de assalto os espaços que deveriam ter maior participação popular.

São ataques sistêmicos indo na direção dos povos indígenas com projetos e leis que visam aumentar ainda mais a violência e a exploração de suas riquezas. Dois projetos apresentados na Câmara dos Deputados e no Senado Federal fazem parte dessa “nova política”. O PL 191/2020, proposto pelo Governo Federal, que tem por objetivo a mineração, assim como a construção de usinas hidrelétricas e outras atividades econômicas em terras indígenas. As organizações que atuam principalmente dentro dos territórios indígenas na Amazônia legal relatam não haver compatibilidade com o PL. E o Projeto de Lei 490/2007, que fragiliza os direitos indígenas ao propor a legalização de empreendimentos em áreas reservadas, permitindo a retirada da posse de terras e dificultando as demarcações de novas áreas. 

Segundo a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira – Coiab,“[O PL] afronta a dignidade dos Povos Indígenas ao impor verdadeiro retrocesso social”. Esse projeto visa contrapor a consulta livre prévia e informada, que dispõe a convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), colocando as populações indígenas amordaçadas sem qualquer poder de veto. “O PL transforma a consulta prévia em mera oitiva”, diz Tito Menezes, assessor jurídico da Coiab.

Em carta, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) menciona a gravidade da aprovação da tese do Marco Temporal, levantada também pelo setor ruralista, que prevê reconhecimento da demarcação das terras indígenas somente aos que estavam presentes e ocupando seus territórios no dia da promulgação da Constituição Federal em 1988. 

“A tese do Marco Temporal não encontra qualquer possibilidade de acolhimento constitucional, sendo a histórica, anacrônica, casuística e inadmissível. Sua inconstitucionalidade é flagrante, na medida em que afronta diretamente a Constituição Federal quando esta determina que o direito dos povos indígenas sobre suas terras tradicionalmente ocupadas é originário, antecedendo inclusive ao próprio Estado brasileiro e seu ordenamento jurídico. O art. 231 é evidente: São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”.

As consequências não estão ligadas somente aos territórios ou às vidas das populações indígenas, mas a todo um ecossistema que depende das florestas em pé e das águas dos rios. Os impactos ambientais são catastróficos. A exploração desenfreada irá causar danos irreparáveis para as populações que vivem e dependem do plantio, da caça e pesca. “A aprovação desses PLs — que consideramos inconstitucionais — vai levar essa economia da destruição para as demais áreas”, ressalta Menezes.

Devido aos retrocessos que a bancada ruralista – deputados e senadores alinhados com o agronegócio – tem votado no Congresso Nacional, o movimento indígena em abril deste ano lançou a “Campanha Indígena: demarcar as urnas”. O objetivo foi fortalecer a rede de lideranças indígenas que pleitearam vagas no legislativo estadual e federal, junto às organizações que compõem a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB). Ao todo, a eleição de 2022 contou com 172 candidatos e candidatas se autodeclarando indígena. 

Ocupar para resistir

Em 2022, o povo brasileiro teve a chance de realizar uma reparação histórica, referente à sub-representação das populações indígenas nos espaços de poder. Somente com as representações indígenas ocupando as cadeiras do legislativo estadual e federal poderemos avançar na pauta dos direitos dos povos indígenas.

No entanto, desde o início da campanha se constataram as dificuldades dessas candidaturas. Apesar do crescimento de 32%, o número de indígenas que disputaram as eleições não representa nem 1% do total de candidatos. A desigualdade na distribuição do fundo eleitoral também atingiu em cheio as candidaturas indígenas, sobretudo de mulheres – dados do portal JOTA estima que 29,6% das indígenas que disputaram a Câmara Federal não receberam nenhum recurso proveniente do fundo.

Ainda assim, as mulheres se destacaram para a Câmara Federal, elegendo Célia Xakriabá em Minas Gerais, Juliana Cardoso e Sônia Guajajara em São Paulo. Já a primeira mulher indígena eleita para a Câmara, Joenia Wapichana em 2018, mesmo sendo a sexta mais votada do estado em 2022, foi prejudicada devido ao coeficiente eleitoral e não conseguiu a reeleição. 

Além das três eleitas, um deputado federal e dois senadores se elegeram: Paulo Guedes, Wellington Dias e Hamilton Mourão. No entanto, há contestação do movimento indígena sobre essas três autodeclarações. Já nos estados, Jerônimo Rodrigues irá disputar o governo da Bahia no segundo turno, enquanto Anne Moura é vice na chapa que disputa o governo do Amazonas, ambos autodeclarados. 

Ocupar a política, portanto, é uma forma de buscar a representação e proteção dos mais de 230 povos indígenas do Brasil, em um momento em que é urgente colorir os espaços de poder e dar voz para os que sofrem com a sub-representação.

No âmbito da Amazônia foram mais de 100 mil votos na bancada do cocar. Para o coordenador geral da Coiab, Toya Manchineri, “Os parentes estão demonstrando cada vez mais interesse em votar em candidatos indígenas, representantes das lutas do movimento. Mas enquanto organizações indígenas precisamos fortalecer a formação política, pois não será somente as mobilizações que fazemos nos territórios que irá impactar os nossos direitos, mas estar nos espaços de prefeitura, governo, legislativo e por que não no judiciário?”. 

Nacionalmente, foram mais de 500 mil votos na bancada do cocar e o resultado expressivo fortalece a inserção das lideranças indígenas nos pleitos eleitorais. Segundo Kleber Karipuna, coordenador da APIB representando a COIAB, a votação demonstra que avançamos muito na participação política, e por isso é preciso continuar fortalecendo as candidaturas indígenas pois daqui a dois anos acontecerão eleições municipais e a “Campanha Indígena” irá trabalhar no fortalecimento e protagonismo das lideranças para a ocupação na esfera municipal. 

A Constituição Federal garante os direitos originários, porém a Carta Magna do Brasil não tem sido respeitada pelos ditos “representantes do povo” que exalam ódio e violência contra quem chamam de minorias. No início do mês de setembro, duas lideranças do povo Guajajara foram brutalmente assassinadas e uma criança de apenas 13 anos do povo Guarani Kaiowá assassinada. Inúmeras são as vítimas deste estado que visa o lucro acima de vidas indígenas.

É urgente que o Brasil continue ampliando a bancada do cocar e siga no processo de retomada dos direitos das populações indígenas, quilombolas, extrativistas, entre outras comunidades tradicionais, nas Assembleias Legislativas e no Congresso Nacional. É preciso demarcar o território indígena chamado Congresso Nacional e mostrar a potência dos povos indígenas do Brasil. 

*Alana Manchineri faz parte da comunicação da Coiab. Ruwi Manchineri integra a Matpha. Ambos fazem parte do GT de Combate à Desinformação e Discurso de Ódio da Amazônia Legal, coordenado pelo Intervozes. O artigo foi produzido em parceria com a Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político, através da campanha Quero Me Ver No Poder.

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