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Canadá proíbe liberação de tráfego em apps e fortalece a neutralidade

Decisão pioneira da Comissão Canadense de Rádio, Televisão e Telecom previne práticas nocivas de zero-rating e fortalece leis como o MCI do Brasil

No Brasil, um em cada dois domicílios não tem acesso à banda larga de qualquer tipo
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Por Marina Pita*

No último dia 20 de abril, o Canadá tomou uma decisão importante que impactará positivamente a vida daqueles que vivem para muito além de suas geladas fronteiras. Ao publicar a Política Regulatória de Telecom 104-2017, a Comissão Canadense de Rádio, Televisão e Telecomunicações (CRTC, na sigla em inglês), defende a neutralidade de rede e, com isso, a inovação, o empreendedorismo, o direito à liberdade de expressão e de opinião e o acesso à informação.

Esta decisão pode influenciar a forma como todos nós usamos a Internet e os rumos desse instrumento para a comunicação e fortalece legislações como Marco Civil da Internet (MCI), do Brasil.

A decisão do CRTC estabelece critérios que impedem as operadoras de telecomunicações de ofertar a liberação seletiva do tráfego de determinadas aplicações (quando não há desconto no pacote de dados do cliente), o que oferece segurança jurídica e clareza para consumidores, provedores de conteúdo e provedores de Internet (ISPs).

A proibição desta prática leva em consideração critérios como: o grau em que o tratamento dos dados é agnóstico (isto é, se os dados são tratados igualmente independentemente da sua fonte ou natureza); se a oferta é exclusiva para determinados clientes ou determinados provedores de conteúdo; se há impacto na abertura e na inovação da Internet; e se existe uma compensação financeira envolvida.

Desta forma, no Canadá, a prática das operadoras apelidada de “zero-rating” – de selecionar artificialmente os “vencedores” e perdedores online, exclusivamente de acordo com seus interesses econômicos – passa a estar sob regulação ex-post.

Em outras palavras, as empresas têm liberdade de criar suas ofertas e pacotes, mas esses serão avaliados de acordo com critérios objetivos. A opção do Canadá por regular os casos posteriormente a sua criação responde aos argumentos de que não é aceitável impedir o desenvolvimento de modelos de negócio na Internet. Ao mesmo tempo, estabelece limites aos novos modelos de negócio para que estes não firam a própria Web.

Parece bastante razoável e é isso que as entidades que defendem a neutralidade de rede no Canadá afirmam. “É um passo muito importante na direção correta. O zero-rating é anticompetitivo, ruim para os consumidores, fere a inovação na economia digital. Enquanto os canadenses ainda lutam para abolir as franquias de dados, é um alento ver que a CRTC fincou uma bandeira que vai prevenir que as grandes teles explorem as franquias de dados para escolher os vencedores e perdedores online”, afirma Josh Tabish, diretor da OpenMedia, organização do Canadá em defesa da neutralidade de rede.

Para ele, a regulação irá evitar que as teles sejam mais um porteiro do mundo digital que decide quem passa e quem fica, com base, exclusivamente, em interesses privados.

Neste momento em que Donald Trump, presidente dos Estados Unidos da América, país com capacidade de influenciar a regulação no mundo, indicou um presidente para a Federal Communications Commission (Comissão Federal de Comunicação, FCC, na sigla em inglês) que critica abertamente a regulação pró-neutralidade de rede no país, a posição do Canadá é um alento.

Para os brasileiros, a decisão do Canadá é muito importante porque apesar de a neutralidade de rede ser um dos princípios do Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014), observamos (chocados!) a manutenção e até mesmo a ampliação da prática de zero-rating por parte das operadoras no Brasil, muitas vezes, com publicidade nos mais diversos meios de comunicação que propagandeiam uma prática ilegal, sem qualquer constrangimento.

Há ofertas absurdas, como a da Claro (empresa do grupo América Móvil), em que o tráfego em seu aplicativo de música é liberado (não desconta do pacote dos usuários), em claro favorecimento a seu próprio negócio.

Sobre isso, calam a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE). E, ficamos sempre receosos de pedir qualquer manifestação de uma agência que declara que é preciso estabelecer a franquia de dados também na banda larga fixa, sem que tenha apresentado qualquer estudo que comprove a tese das operadoras.

Vale lembrar que a prática de zero-rating no Brasil é muito mais nociva do que no Canadá. Primeiro porque aqui no Brasil, um em cada dois (50%) domicílios não tem acesso à banda larga (de qualquer tipo).

Já no Canadá, apenas um em cada cinco cidadãos não possui conexão à internet de qualidade. E mais, enquanto as políticas de massificação do acesso à web vão sendo desmontadas pelo governo de Michel Temer, o governo do Canadá decidiu tornar o acesso rápido à internet um serviço básico, isto é, tão essencial quanto o direito à moradia ou à educação, conforme anunciado há pouco mais de três meses.

A CRTC entende que o acesso rápido à internet é essencial para a qualidade de vida por, entre outras razões, permitir que o cidadão participe da economia digital. Por aqui, os pacotes de dados caros e com baixo volume para tráfego ainda limitam o acesso à economia digital e à cidadania. Aos cidadãos sem direitos, resta o acesso aos poucos aplicativos eleitos pelas teles para serem os “vencedores”.

Alterar este cenário só será possível se a neutralidade de rede for uma bandeira de todos os defensores dos direitos humanos e da democracia no Brasil. A neutralidade de rede e o fim da franquia de dados (e não sua expansão), precisa sair dos textos de entidades especialistas e ganhar espaço nas agendas dos movimentos sociais. E, se o Canadá conseguiu fazer, a gente também consegue.

*É jornalista e membro do Conselho Diretor do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social

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