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Brasil x Colômbia: pelo fim do monopólio nas transmissões do futebol

Domínio da Globo na transmissão dos jogos da Seleção e dos clubes nacionais favorece times grandes e impede acesso de torcedores ao esporte

Disputa entre Globo e CBF permitiu dezenas de emissoras veicular partida em homenagem à Chape
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Por André Pasti*

Quem zapeou na televisão na noite desta quarta-feira (25) percebeu que o jogo amistoso entre Brasil e Colômbia foi transmitido por mais de uma dezena de canais da TV aberta e da TV fechada.

Para além da solidariedade com a tragédia da Chapecoense — e da excessiva exploração do tema pelos meios de comunicação —, a transmissão do jogo chamou a atenção de quem está acostumado com o monopólio da Rede Globo na veiculação dos jogos da seleção, do Campeonato Brasileiro e das disputas regionais. A novidade na televisão brasileira é uma excelente oportunidade de retomar uma pauta ofuscada no país: a necessidade de democratizar as transmissões de futebol.

Vale lembrar, entretanto, que a visibilidade ampliada da partida não foi resultado dessa preocupação, mas sim fruto da negociação conflituosa dos direitos de transmissão entre a Globo e a CBF.

Enquanto negociava com a Globo a exclusividade dos próximos amistosos, a CBF pediu uma grande bolada – fala-se em R$ 2 milhões – pela transmissão da partida contra a Colômbia, que não estava inclusa no contrato vigente. O Grupo Globo não aceitou pagar e a CBF então abriu o jogo a todas as emissoras — antecipando um futuro “leilão” que a confederação promete fazer para os próximos amistosos, como forma de pressionar a emissora a pagar mais.

Apesar das intenções nada nobres, a transmissão ampliada nos lembra que o televisionamento desse esporte, um patrimônio da cultura nacional, pode ser diferente e democrático, e mostra o quanto perdemos com o monopólio hoje em prática.

Quem perde com o monopólio das transmissões

A exclusividade nas transmissões do futebol no Brasil traz inúmeros danos aos torcedores, jogadores e ao esporte como um todo. Em primeiro lugar, o dinheiro pago pela Globo pelo monopólio na transmissão das partidas é, para a maioria dos clubes da elite do futebol nacional, a principal fonte de receita. E isso causa muitas distorções.

A concentração dos repasses financeiros aos clubes com maior torcida e audiência televisiva fortalece desproporcionalmente as agremiações maiores e aprofunda a crise dos clubes menores, do futebol regional e do interior.

Como no futebol de rua, a Rede Globo também atua como uma péssima “dona da bola”: decide o horário das partidas a partir de sua grade de programação e quais jogos, clubes e regiões do país terão ou não visibilidade.

Assim, boa parte do futebol nacional fica invisível pela decisão de uma única empresa. A “dona do bola” — nesse caso, da transmissão — decidiu, no ano passado, por exemplo, passar jogos do campeonato carioca em quatro estados da região nordeste. Os torcedores dos clubes locais foram impedidos de assistir ao campeonato de seus times.

Jogo da amizade Sem exclusividade: disputa entre Globo e CBF permitiu dezenas de emissoras veicular partida em homenagem à Chapecó

O monopólio tem grande responsabilidade também na crise de esvaziamento dos estádios brasileiros. Além de prejudicar a competitividade dos clubes menores, a decisão de marcar jogos para às 22h em dias de semana inviabiliza o retorno pra casa de grande parte dos torcedores trabalhadores, além de ser um péssimo horário para os atletas jogarem.

No caso da seleção nacional, já há uma confusão entre Globo e CBF. Até recentemente, o site da Confederação aparecia como o de uma subsidiária da emissora e a relação entre elas é alvo de investigações. Vale lembrar, ainda, que a corrupção na venda de direitos de transmissão do futebol faz parte dos escândalos envolvendo cartolas da FIFA.

Enfrentar o monopólio é possível

A experiência de um país vizinho prova que é possível ter uma transmissão democrática dos jogos. Na Argentina, até 2009, o Grupo Clarín (a “Globo” local), sócio da empresa TyC, monopolizava as transmissões de futebol, restringindo o acesso à maioria das partidas aos assinantes de pacotes da televisão paga.

Em meio à discussão da necessidade de democratizar a mídia no país, o governo de Cristina Kirchner lançou o programa “Futebol para Todos”. A iniciativa, em acordo com a Associação do Futebol Argentino, AFA (“CBF argentina”), nacionalizou as transmissões futebolísticas, reconhecendo a importância do esporte para a cultura do país. A ideia era que o futebol televisionado chegasse à população gratuitamente pela televisão aberta.

Com o Futebol para Todos, diversos jogos passaram a ser transmitidos na televisão pública e em outros canais, aumentando a diversidade e a visibilidade dos clubes, democratizando o acesso aos jogos e às receitas. As partidas eram, ainda, transmitidas ao vivo com qualidade HD na internet, para quem quisesse assistir, e houve uma redução do abismo de receitas entre os clubes maiores e menores. Times como Arsenal Sarandí e Banfield passaram, por exemplo, a ser competitivos e a vencer campeonatos.

O governo argentino utilizou essa situação da transmissão futebolística como forma de sensibilizar a população sobre os danos da concentração da mídia e as vantagens da democratização da comunicação. No mesmo ano, a chamada Lei de Meios foi aprovada com ampla maioria no parlamento.

Infelizmente, neste momento de retrocessos no mundo e na América Latina, o programa Futebol para Todos também está ameaçado. O novo governo neoliberal de Maurício Macri anunciou que deseja reprivatizar as transmissões e acabar com o projeto. O processo já está em curso e o fim do programa pode acontecer ainda nesta semana — não sem a resistência de quem aprendeu que é possível assistir futebol ampla e gratuitamente.

No Brasil, diversos grupos têm travado o debate em torno da democratização do futebol e das transmissões. O coletivo Futebol, Mídia e Democracia lançou recentemente a campanha “Jogo 10 da noite, não!”, para denunciar os prejuízos do horário.

A democratização do esporte é tema, também, do recém lançado Movimento AGIR — Arquibancada Ampla, Geral e Irrestrita, formado por diversos coletivos, como Democracia Corinthiana, PorComunas, Movimento Punk Santista, Resistência Azul Popular, Dá Bola Pra Elas, Dibradoras, Ludopédio, Rede Paulista de Futebol de Rua, Inter Antifascista, Palmeiras Livre e Futebol, Mídia e Democracia.

Tamanha mobilização reforça a percepção de que é impossível discutir os problemas do futebol brasileiro sem considerar o papel da concentração dos meios de comunicação no Brasil. Trata-se de um tema que deve ser debatido seriamente pela sociedade e por aqueles que defendem o futebol, em toda sua diversidade regional, como patrimônio cultural brasileiro, acessível a todos e transmitido democraticamente em todo o território.

O fim do monopólio das transmissões é bom para os torcedores, para os jogadores e para o futebol brasileiro em geral. Se a Globo age como a “dona da bola”, que quer mandar no jogo, é hora de reagir.

* André Pasti é são-paulino e integrante do Intervozes.

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