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Abert sai em defesa dos políticos donos de emissoras de rádio e TV

Associação empresarial pediu para ser ouvida em processo no STF que pede a proibição da prática. O relator Gilmar Mendes aprovou o pedido em 48 horas.

Gilmar Mendes: relator no STF se apressou em atender pedido de radiodifusores em ação contra coronelismo
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Por Bia Barbosa*

Foi tudo bem rápido. Bastou a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) entrar com o pedido de amicus curiae – que significa ser ouvida formalmente num julgamento – junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) para que o ministro Gilmar Mendes autorizasse, em menos de 48 horas, sua participação na ação que questiona a constitucionalidade do controle de canais de radiodifusão por políticos.

Elaborada pelo Intervozes e protocolada pelo PSOL em 2011, a ADPF 246 (Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental), que tramita em conjunto com a ADPF 379, pede que o STF declare como inconstitucional que deputados federais e senadores sejam proprietários de canais de rádio e TV. O Artigo 54 da Constituição determina que, desde a posse, esses parlamentares não podem “ser proprietários, controladores ou diretores de empresa que goze de favor decorrente de contrato com pessoa jurídica de direito público, ou nela exercer função remunerada”. Hoje, 32 deputados federais e 8 senadores da atual legislatura são sócios diretos de emissoras.

Em sua petição, entretanto, a Abert afirma que “o texto constitucional não traz qualquer restrição que impeça os detentores de mandato eletivo de participarem, direta ou indiretamente, do quadro societário de entidades de radiodifusão”. Oras, como não? A Associação acredita que “não se pode supor que a simples participação de detentor de mandato eletivo em quadro societário de entidade de radiodifusão (…) ofenda os princípios constitucionais da liberdade de expressão e de informação”.

Para ela, “o sistema de comunicação social brasileiro possui freios e contrapesos que asseguram e impedem qualquer desvirtuamento do serviço, seja para benefício de terceiros ou para utilização em causa própria, seja ele prestado por empresas constituídas por detentores de mandato eletivo ou não”.

Como explicar então os inúmeros casos citados na ADPF 379 que comprovam exatamente o contrário?

Um deles lembra quando, em maio de 2001, a TV Bahia, afiliada da Rede Globo, que na época pertencia ao então senador Antônio Carlos Magalhães (PMDB), deixou de transmitir imagens da polícia invadindo a Universidade Federal da Bahia e espancando os estudantes que protestavam pela cassação do senador. O conglomerado da família Magalhães chegou a incluir um jornal, sete afiliadas da Rede Globo (uma na capital e as outras no interior), quase 400 retransmissoras e várias emissoras de rádio. Em 1993, também lembra a ação no STF, a ex-prefeita de Salvador, Lídice da Mata (na época, do PSDB), chegou a contabilizar 600 matérias contra seu governo, no primeiro ano de mandato, na TV Bahia. “Até matéria paga eles vetaram”, conta a ex-prefeita. Ela foi eleita derrotando o candidato de ACM, Manoel Castro.

Outro caso citado na ADPF 379 recupera uma entrevista do então deputado mato-grossense Wellington Fagundes (hoje do PR), que registrou suas três emissoras em nome de parentes, declarando que “quem é de estados menores, como eu, precisa ter um meio de comunicação para chegar ao eleitor”. Na época, Wellington participava, toda semana, como convidado, de um programa de debates no seu canal em Rondonópolis, segundo maior município do estado, e era presença frequente no telejornal Cidade Agora de Jaciara. Fagundes já passou por cinco partidos e foi deputado federal por 24 anos (seis mandatos consecutivos).

Em 2009, a Folha de S. Paulo divulgou uma conversa entre o então senador José Sarney e seu filho Fernando Sarney (PMDB) na qual o pai solicitava a utilização da sua TV em São Luís do Maranhão, afiliada da Globo, para a veiculação de denúncias contra seus adversários políticos, do grupo do ex-governador Jackson Lago (PDT).

A lista do uso político das outorgas é interminável e, mais do que a programação dos canais, passa por um explícito conflito de interesses – que a Abert agora finge ignorar. A ação que ela pretende combater menciona um estudo, realizado pelo professor Venício A. de Lima, que comprova que deputados integrantes da Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara votaram na renovação das licenças de suas próprias emissoras.

Mais recentemente, em audiência pública na mesma Comissão, o deputado federal Arolde de Oliveira (PSC/RJ), dono da Rádio Mundo Jovem – e que exibe um extenso currículo em cargos relacionados ao setor, passando pelo de Secretário de Telecomunicações do governo Médici e pela vice-presidência da Telerj – não teve qualquer constrangimento em usar o cargo eletivo para defender o próprio bolso. Argumentou que as rádios faliriam se não arrendassem sua programação ou vendessem faixas inteiras da sua grade, algo explicitamente ilegal, para as igrejas.

São essas “as liberdades individuais e coletivas das emissoras” que o estatuto da Abert pretende defender?

Radiodifusores com Temer

Não bastasse se opor abertamente a um princípio constitucional, a Abert também pede que o Supremo julgue imediatamente uma outra ADPF, de número 429, movida em 2016 pelo já presidente Michel Temer em um dos primeiros meses do seu governo. Nela, Michel Temer, via AGU (Advocacia Geral da União), pede que o STF determine a suspensão do andamento de todos os processos e decisões judiciais que, no âmbito dos estados, tratam da prática do coronelismo eletrônico.

Isso porque, diante da demora do Supremo em se pronunciar sobre a ação do PSOL de 2011 e provocado por diversas organizações da sociedade civil, o Ministério Público Federal passou a ajuizar ações contra deputados e senadores donos de emissoras de rádio e TV em seus estados de origem. E tem obtido decisões favoráveis, que ordenam a suspensão desses canais controlados por políticos, em cidades como São Paulo, Porto Alegre e Maringá.

A Abert alega insegurança jurídica e por isso, junto com Temer, quer que o STF paralise as ações estaduais até julgar o mérito da ação principal. Outra alegação beira a hipocrisia: “Na falta de qualquer respaldo legal, está-se a penalizar a sociedade, que está privada do acesso à informação prestada de forma livre, aberta e gratuita. (…) Por se tratar de um serviço essencial ao cidadão, que, como visto acima, tem o direito garantido à informação, não se pode admitir que o Poder Público adote medidas abruptas e ilegais, que interrompam o serviço”, afirma em sua petição.

A associação dos radiodifusores tem tanta urgência no pleito de barrar as decisões da Justiça Federal nos diferentes estados que pede que o Supremo conceda liminar neste sentido, ou seja, defina o caso com uma decisão monocrática de um único ministro, enquanto o pleno da Corte não se debruça sobre a ação. O que a Abert parece ter ignorado é que a Ministra Rosa Weber, relatora da ADPF 429, já negou este pedido de liminar.

Estranhamente, a petição dos radiodifusores é direcionada apenas a Gilmar Mendes. Seria um erro dos seus advogados ou uma expectativa de que Gilmar Mendes peça para assumir a relatoria também da ADPF 429?

A depender da celeridade com que o ministro julgou o pedido de amicus dos radiodifusores – o do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) ficou um ano na gaveta e o da organização Artigo 19, quase cinco, sendo analisados só agora na carona do dos empresários –, algo corre nos bastidores. E tudo indica que não será em favor do interesse público.

*Bia Barbosa é jornalista, mestra em Gestão e Políticas Públicas, coordenadora do Intervozes e secretária geral do FNDC.

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