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O Canadá legaliza a maconha. E agora, Trudeau?

O jornalista Kauan Benthien, radicado no país, analisa as mudanças legais

Felipe Navarro (ilustração) retirado do site antigo
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Apesar da festa, o momento é de incerteza. A legalização da maconha recreativa no Canadá trouxe muita liberdade e algumas dificuldades

O Canadá se tornou o segundo país do mundo a legalizar a maconha no âmbito recreativo. A medida entrou em vigor nessa quarta-feira 17 e “causou mais manchetes e repercussões internacionais do que entre os habitantes locais”, disse nosso “hempresentante” em Ontario.

Na prática, o país era bastante tolerante ao uso da cannabis. No Canadá, o uso medicinal da maconha é legalizado desde 2001. Além disso, o atual primeiro-ministro, Justin Trudeau, empunhava na campanha a bandeira da legalização.

Depois de dois anos de preparo, o projeto que legaliza a maconha de forma recreativa foi aprovado no Parlamento canadense em 19 de junho. Com isso, o país chega em segundo no pódio da legalização mundial, atrás apenas do Uruguai. Mas quando a disputa é entre as nações mais ricas do mundo, o chamado G7, aí o Canadá ganha medalha de ouro, pois foi o primeiro a dar esse importante passo para o futuro.

Agora é possível fumar um tranquilamente nas ruas de lá. Cada cidadão acima de 19 anos pode carregar 30 gramas de maconha e cultivar até quatro pés. Além disso, o governo vai conceder abono aos crimes de quem teve problemas com a justiça mediante flagrantes abaixo da quantidade agora permitida.

Nem tudo são flores com a legalização. Muitas críticas foram direcionadas ao projeto de lei. Na análise de militantes e operadores do comércio e produção de maconha local, as novas regras inspiram cuidado.

Brasileiro morador da província de Ontário há mais de um ano e recorrente profissional da indústria canábica canadense, Kauan Benthien é jornalista e escreve a coluna “Strain do Mês” para a revista Hempada. A seguir, Benthein analisa a decisão.

Hemp: Todos os olhos vermelhos do mundo voltados ao Canadá. Como foi estar aí no dia da legalização recreativa da maconha?

Leia também: Que regras a maconha legalizada deve seguir?

Kauan Benthien: Estar aqui no dia da legalização é algo absurdamente sensacional. Poder sair para fumar um baseado sem me preocupar. Fui para o trabalho com o bong debaixo do braço.

Além de poder fumar, com a nova lei, eu posso doar maconha para qualquer adulto maior de 19 anos, que não é crime – é o mesmo que dar uma bebida alcoólica para alguém maior de idade. Então, é sensacional, apesar de não estar ainda do jeito ideal, já tá legalizado. É só trabalhar agora em cima na forma de legislar a maconha. Conseguimos a primeira vitória, que foi tirar o monopólio do governo e abrir para as iniciativas privadas. Agora não sei quando essas licenças vão sair, mas nesse meio tempo a gente comemora.

Hemp: Apesar da legalização, a militância local vê muitos pontos de discordância sobre o projeto apresentado. A nova lei gerou algumas dificuldades?

KB: O primeiro problema que a legalização acarretou é a falta de maconha. Cerca de 95% da erva do site do governo foi vendida no primeiro dia. Em alguns lugares, como Alberta, ela acabou. Isso já é um problema gigante e mostra falta de planejamento.

Outro é a “recriminalização”, termo usado por um advogado local que achei bem apropriado. Em tese, você só pode fumar a maconha vendida pelo governo enquanto não saem as licenças.

Quanto ao assunto maconha e direção há outra crítica. O teste utilizado tem um parâmetro tão baixo para acusar o uso que, se alguém estiver em meio à marola, mesmo sem fumar, pode acabar enquadrado.  Quer dizer, a lei restringiu o uso de cannabis em alguns pontos, mais do que de tabaco e álcool.

A legalização também acabou por tirar muita gente inserida do mercado. Agora só vai poder atuar quem estiver regulado, ou seja, eles estão dificultando. Mesmo que você possa vender, vai ter que comprar do governo para revender. Então, nesse caso, não ficou bom nem para o consumidor nem para quem trabalha na área. Tá bom pra eles lucrarem, por enquanto.

Leia também: Canadá legaliza a maconha para uso recreativo

Hemp: No fim das contas, a legalização foi boa ou ruim?

KB: Cara, foi doce e amargo ao mesmo tempo. Muito bom ter começado, né. Primeiro passo de todos, legalizaram nacionalmente. Isso é sensacional. Eles conseguiram alinhar com a lei do tabaco. Onde você pode fumar cigarro, também pode fumar maconha. Isso dá mais liberdade para o consumidor. Por outro lado, a forma como se deu a legalização, como eu disse, ainda deixa a desejar.

Eu tô feliz que legalizou, mas isso não quer dizer que não existem muitas críticas a se fazer. No fim das contas, acaba que prejudicou quem trabalha na chamada “grey area” há um certo tempo. Essa galera, com a nova lei, terá de dar uma freada ou parar completamente por um tempo. É um momento de incerteza muito grande, principalmente para os ativistas e empresários do ramo.

Hemp: Se vier militar na presidência do Brasil e o Canadá legalizando a erva, prevê-se um êxodo canábico. Como é para o brasileiro ir morar aí?

KB: Para quem tem dinheiro para investir, não é muito difícil. Até em um negócio voltado à cannabis, se ela tiver dinheiro e um bom plano de negócio, é possível aplicar. E também tentar a autorização para residência permanente. Qualquer nível acima da graduação – mestrado, doutorado ou pós – conta muito ponto na avaliação deles. E para quem quer virar residente, falar inglês é fundamental.

Tem também o visto chamado “working holliday”, que permite que brasileiros trabalhem por um ano no Canada. E o visto de estudo, que permite que você venha passar um tempo aqui para aprender inglês.

Hemp: E se a intenção for só visitar o Canadá a turismo, é possível achar as flores?

KB: A lei não alterou nada para turista. Turista pode comprar. A depender da província, só muda a idade. Aqui em Ontario é 19 anos. É permitida venda para turistas, só é sempre necessário comprovar idade mínima, então é sempre importante andar com passaporte.

Hemp: Quando legalizou no Uruguai, o José Mujica virou quase um herói nacional. O premier Justin Trudeau segue essa mesma linha?

KB: Ele demorou para cumprir, mas conseguiu botar em prática a promessa de campanha que era legalizar a maconha. Agora, a forma como ele legalizou foi, na minha opinião, com a “lei do menor esforço”, deixando a maior parte das responsabilidades na mão das províncias.

Na verdade, o pessoal com quem converso sobre política por aqui está bem insatisfeito com ele. Por causa da falta de posicionamento sobre a legalização e outros motivos, como acusação do comitê de direitos humanos pelo que tinha rolado nas tubulações de óleo e derramamento em terras indígenas. Então eu acho que ele nem tem o plano de alcançar essa repercussão toda.

Hempadão é um blog especializado em cultura canábica atuante desde 2009. Jornalismo e entretenimento com pitadas de poesia e informação. Saiba mais em http://hempadao.com/ ou fale conosco em [email protected]

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