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Diferente do que pensa Bolsonaro, lugar de maconheiro não é no manicômio

Estabelecer uma política de drogas que trate os usuários como dependentes que precisam ser afastados do convívio social é um grave erro

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por João Henriques / Ilustração: Felipe Navarro

Neste sábado, 18 de maio, é comemorado o Dia Nacional de Luta Antimanicomial. Com o governo federal direcionando políticas públicas de saúde mental para a lógica do manicômio e da reclusão, o debate sobre o tema ganha ainda mais importância. As movimentações de Brasília indicam que os usuários de drogas são o novo nicho de mercado de quem defende e aplica terapias baseadas no isolamento.

Um projeto do então deputado federal Osmar Terra (atual Ministro da Cidadania do governo Bolsonaro), que amplia as possibilidades aplicar a internação compulsória de usuários de drogas, foi aprovado no dia 15 de maio no Senado e depende apenas da sanção do presidente para virar lei.

Agora, a decisão de suspender uma internação compulsória não pode ser tomada pela família, sendo necessário o aval de um médico. Tal medida entra em conflito com a lei da Reforma Psiquiátrica de 2001.

As ações de redução de danos, que priorizam um atendimento ambulatorial sem impor abstinência imediata, foram abandonadas. Saem de cena os Caps (Centros de Atenção Psicossocial) e ganham força as Comunidades Terapêuticas, que em grande parte são administradas por igrejas evangélicas. O ministro Osmar Terra assinou, em 19 de março, 216 novos contratos com Comunidades Terapêuticas (CTs).

Os métodos de tratamento adotados por Comunidades Terapêuticas já foram alvo de diversas denúncias nos últimos anos. Relatório divulgado em junho de 2018 aponta casos de castigos físicos aplicados aos internados, exploração de trabalho, medicação não justificada, além de privação de liberdade e privacidade.

O trabalho de inspeção das Comunidades Terapêuticas foi feito por uma força-tarefa com membros do Conselho Federal de Psicologia, do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura e da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (vinculada ao Ministério Público Federal).

Não é novidade a utilização de informações falaciosas pelo governo Bolsonaro, com objetivo de desmontar políticas públicas. O discurso oficial  questiona a eficácia da redução de danos e diz que Reforma Psiquiátrica de 2001 não deu certo. Uma infame justificativa para migrar o atendimento de pacientes de saúde mental para as Comunidades Terapêuticas e realizar um desmonte do SUS.

Uso de drogas: dependência é exceção

Foto: Torben Bjørn Hansen/Flickr

Estabelecer uma política de drogas que trate todos os usuários como dependentes que precisam ser afastados do convívio social é um grave erro. Os dados epidemiológicos revelam justamente o contrário: a maioria dos consumidores de drogas não desenvolve um uso abusivo e não terá dificuldade em abandonar este hábito.

No caso da maconha, apenas 9% dos usuários se tornam dependentes e precisam de ajuda para abandonar o uso da droga. A grande maioria dos maconheiros consegue manter a rotina pessoal e profissional e fumar um baseado no final do dia. Idêntico ao sujeito que conta os minutos para bater o cartão de ponto e tomar uma cervejinha no happy hour com os amigos. Ninguém usa drogas buscando ficar dependente ou sofrer por isso.

O uso de drogas (lícitas e ilícitas) pode causar alguns danos à saúde, mas não podemos esquecer que o uso delas também ocorre em um contexto cultural. Brindar com o copo cheio de cerveja ou passar o baseado para um amigo são rituais que precisam ser entendidos como um direito do indivíduo sentir prazer. Uma lei não pode interferir na vontade de quem busca experiências mentais que fogem da rotina.

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