Grupo de Reflexão sobre Relações Internacionais (GR-RI)

Um comentário à não-resposta

Causa perplexidade a arrogância textual dirigida pelo autor, revelada por uma estratégia retórica que o coloca na postura de “sensor ideológico”

Curiosa reação – contrária – ao nosso artigo veio da parte de um dos defensores do atual "governo" e de sua "diplomacia"
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Por Renata Boulos, Diego Pautasso e Cláudio Puty*

Uma curiosa reação – contrária – ao nosso artigo publicado no blog do GR-RI, na CartaCapital, veio da parte de um dos defensores do atual “governo” e de sua “diplomacia” – coisa, aliás, cada mais difícil de achar do que cabeça de bacalhau.

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Primeiro, causa espécie a adjetivação furiosa a nós dedicada, não usual para o que esperávamos de um diplomata – guindado ao posto de diretor da área de pesquisa justamente pelo atual presidente.

Segundo, porque o defensor do atual governo não responde aos pontos que problematizamos, quando de nossa participação do Fórum do BRICS. Nada mais fez do que reforçar nosso argumento central: defendeu enfaticamente o raquitismo diplomático brasileiro. Estranho para quem está à frente de órgão de formulação do próprio Itamaraty. Talvez tenha restado o “no, we can’t” para batizar a sua nova/velha doutrina (em inglês, of course).

Terceiro, por fé ou por outros interesses funcionais, defende o atual governo como legítimo. É um fenômeno extraordinário, raro até entre os 3% que ainda apoiam Temer. Estamos em lados opostos. Ficamos junto àqueles que, no campo acadêmico, denunciaram o golpe, como a Associação Brasileira de Ciência Política e a Associação Latino-americana de Ciência Política (Alacip).

Quarto, para coroar, nosso interlocutor diz que o BRICS é um grupo cuja “peculiaridade” é ter sido “escolhido não por vontade dos quatro países originais”, “mas por uma sugestão específica de um economista de um banco de investimento”. Realmente, confundir a criação do acrônimo com o agrupamento e seus propósitos ultrapassa qualquer limite do razoável.

Talvez por isso queira problematizar democracia e direitos humanos na China, como forma pouco qualificada de discutir o lugar do BRICS na atual ordem internacional. Esquece o diplomata que, embora o Brasil não seja insensível a tais temas, não temos grandes qualificativos para dar lição, salvo por arrogância e/ou etnocentrismo deslocado.

Além de sermos históricos defensores da não-ingerência em assuntos domésticos, não temos conhecimento de nenhuma crítica do atual governo a relações com outros aliados ocidentais (Arábia Saudita).

Aliás, os dois pesos e duas medidas no tema Direitos Humanos, típicos do gênero de analista em tela, fica claro na postura refratária da atual diplomacia brasileira diante da crítica recebida pelo país pelo ACNUDH (Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos) em conjunto com a CIDH (Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA) no dia 26/5.

Para não nos estendermos muito, podemos brevemente citar o decreto emitido em 24 de maio de 2017 mediante o qual o nosso governo autorizou o emprego das Forças Armadas para garantia da “lei e da ordem” no Distrito Federal, mobilizando 1.200 membros do Exército e 200 fuzileiros navais aos prédios públicos. Isso para não mencionar o extermínio de negros pela Polícia Militar na Cracolândia, Favela do Moinho e mesmo nas ruas da Vila Madalena.

Quinto, para fechar com chave de ouro, nosso ‘crítico’ nos acusa de sermos defensores do governo que destruiu a economia e representou o ‘maior esquema de corrupção’ – ah, em caixa alta (sic).

Teríamos o maior prazer, embora não fosse esse o propósito do artigo, em comparar os números e resultados do período de Lula e Dilma no governo com os do atual governo. Sobre o ‘maior esquema de corrupção’, preferimos discutir à luz da história das relações público-privada no Brasil. Surpreende-nos, entretanto, a desfaçatez da crítica, advinda de um membro de um governo não propriamente conhecido por sua probidade.

Por fim, causa perplexidade a arrogância textual dirigida pelo autor, revelada por uma estratégia retórica que o coloca na postura de “sensor ideológico”. Embora considerado “gramscianos” um adjetivo elogioso, e já que a onda bolsonariana vive de colocar selos para desqualificar o interlocutor, sugerimos, da próxima vez, um mais apropriado: bolivarianos.

Errata: no que cabe ao artigo, sequer notado pelo nosso crítico, erramos ao dizer que o país não se fez representar no Fórum “One Belt One Road”: esteve presente o Secretário de Assuntos Estratégicos Hussein Kalout. Não anula, contudo, a conclusão geral acerca do desinteresse do país com a iniciativa, perceptível por ter declinado de uma posição relevante de seu principal mecanismo de financiamento, o Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura.

*Renata Boulos é mestre em relações internacionais (Universidade de Essesx) e sócia-diretora do INCIDE – Instituto de Cooperação Internacional para o Desenvolvimento. Integrante do Grupo de Reflexão sobre Relações Internacionais/GR-RI

*Diego Pautasso é doutor em Ciência Política (UFRGS) e professor de Relações Internacionais da UNISINOS

*Cláudio Puty é Ph.D. em economia (New School for Social Reserch), professor da UFPA e professor visitante da University of International Business and Economics/Pequim

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