Grupo de Reflexão sobre Relações Internacionais (GR-RI)

Que papel poderia ter o Mercosul neste momento?

Em meio a crises políticas, o bloco deveria se unir para encontrar soluções conjuntas

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Por Maria Silvia Portela de Castro

As últimas decisões importantes tomadas no Mercosul ocorreram entre 2004 e 2006, quando se incluiu como prioridade na agenda o tema das assimetrias e se aprovou a criação do Fundo para a Convergência Estrutural e Fortalecimento Institucional do Mercosul, o Focem. Em 2007 foi criado o Grupo de Integração Produtiva e registraram-se avanços político-institucionais com a criação do Instituto Social e a adoção de medidas sobre vários temas sociais e políticos, valorizando-se a participação das organizações sociais nas “Cumbres” semestrais.

Em 2012/13 o bloco viveu momentos difíceis, detonados pelo golpe parlamentar no Paraguai que desalojou Lugo. O Estado paraguaio foi suspenso e a Venezuela teve seu ingresso aprovado. Em agosto de 2013 o quadro aparentemente se normalizou.

Mas em todo esse período as discordâncias entre a Argentina e Brasil, Uruguai e Paraguai, sobre o acesso comercial ao mercado argentino continuaram, e há pelo menos 5 anos não há avanços nesse âmbito. Alguns dirão que o importante é avançar política e socialmente. Sim, mas sem uma associação de interesses nacionais fortes, não há integração política que se aprofunde.

O Brasil alega que as travas postas pela Argentina às exportações brasileiras, em benefício de terceiros mercados (como por exemplo a China) estão trazendo uma série de problemas e ferem o Mercosul; o ex-presidente Mujica alega que o governo argentino mistura seus problemas econômicos e políticos internos com a integração e coloca frente aos sócios do Mercosul as mesmas travas que estabelece a terceiros mercados. Segundo o governo do Uruguai, as restrições comerciais argentinas reduziram as exportações uruguaias ao país em 15% nos últimos anos.

Por outro lado, a vontade confessa dos governos brasileiro e uruguaio em avançar em uma negociação com a União Europeia, independente da participação da Argentina, cria uma série de transtornos políticos. Assim como foi mal assimilado pelo Brasil o recente acordo comercial e de investimentos da Argentina com a China. Se isso ocorrer, podemos trilhar o mesmo caminho da Comunidade Andina (CAN), onde os acordos bilaterais de livre comércio do Peru e Colômbia com os EUA e UE romperam as regras anteriormente acordadas pelo bloco.

A verdade é que os avanços anunciados há uma década não se transformaram em políticas e ações concretas. As tentativas de inserir as pequenas e médias empresas nas cadeias produtivas não contaram com os investimentos necessários das empresas líderes e nem com maiores esforços dos governos. E nos últimos 10 anos, com o aumento da abertura, o crescimento das importações (principalmente de peças e partes) e a ida de empresas multinacionais brasileiras para fora – América do Sul e inclusive China – muitas cadeias de produção no Brasil estão internacionalizadas e as vendas aos vizinhos não têm muito por onde crescer. Inclusive grandes empresários brasileiros e dos demais países hoje consideram mais interessante que o Mercosul retroceda e se mantenha como área de livre comércio e não avance para consolidar uma União Aduaneira.

O patrimônio do Mercosul é grande em matéria de instrumentos, institutos, fóruns e decisões nesses campos. Mas quanto em matéria de esforço político e de recursos é destinado por nossos governos para que esses instrumentos tenham papel de destaque? As decisões nesse campo dificilmente ultrapassam a retórica.

A abordagem inicial do artigo fez-se necessária para destacar a fragilidade do processo de integração e esta seria tão necessária agora.

Cristina Kirchner e Dilma Rousseff são alvos permanentes dos ataques da mídia e das elites conservadoras e, desde a morte de Hugo Chávez, na Venezuela o clima é de véspera de guerra civil.

No Paraguai, o governo Horacio Cartes deixa claro seu pouco interesse em aprofundar o Mercosul e continua colocando empecilhos para referendar as decisões tomadas no período em que o Paraguai esteve suspenso. O Uruguai é o único país do bloco que não apresenta um quadro de crise política e a Frente Ampla consegue manter uma clara hegemonia no processo, garantindo a estabilidade. Mas Tabaré Vásquez não é Mujica e em seu primeiro mandato deixou claro que o Mercosul não era sua prioridade.

Está claro que frente à gravidade dos fatos, ninguém pode esperar que a marcha do Mercosul seja imune. Mas o espaço de associação deveria servir para que os governantes debatam os problemas que enfrentam e busquem saídas conjuntas.

Na Venezuela, Argentina e Brasil há problemas semelhantes de câmbio e alta inflacionária. Isso se reflete nos países menores, no mínimo pela restrição das importações. Deveria se retomar com seriedade a agenda macroeconômica, há muito fora das reuniões de cúpula.

Nos três maiores países há uma guerra deflagrada pela mídia – com o Clarín e a Globo a frente. Onde esta o projeto da televisão do Mercosul? Todos os países têm canais públicos e boas programações. Mas estas iniciativas não se somam e não há órgãos de comunicação com capacidade de desmentir as calúnias veiculadas diariamente. Além disso, a Argentina e o Uruguai aprovaram boas leis de controle ao monopólio das comunicações. No Brasil esse debate esta engatinhando e não se divulga o sucesso dos vizinhos.

A guerra aberta contra a Petrobras, que demonstra claramente o interesse das multinacionais, afeta os cinco países. Ainda assim, não houve iniciativa do Brasil e nem dos demais em defender esse patrimônio do Mercosul. Diariamente, as presidentes são chamadas de autoritárias e seus governos de corruptos e não há uma reação conjunta. Ao contrário, a impressão que dá é que elas consideram que é melhor não se meter nos problemas do país vizinho.

É um grande erro, pois esta crise nos países do Mercosul tem claramente a mão não tão invisível dos Estados Unidos e Israel, seja com o intuito de recuperar espaços de mercado, seja para cortar as vias de comunicação com o Irã que poderia vir por meio da Venezuela e Argentina.

É preciso uma ação consertada no plano internacional e uma firme atitude contra esses ataques. É preciso ajudar o presidente Nicolás Maduro a recuperar a estabilidade política.

 

Todo esse processo levará a crescimento do desemprego e diminuição da renda. Gerando um circulo vicioso onde os governos atuais se enfraquecem mais e a massa trabalhadora fica mais vulnerável às promessas da oposição. E o que discutiram as organizações sindicais ate o momento? Que medidas estão sendo propostas pelos ministérios de Economia, Trabalho e sindicatos para garantir que a integração econômica, produtiva, política e social seja um forte instrumento para ajudar a superar essas ameaças?

Existem instrumentos para se avançar no tratamento desses problemas – os organismos sociolaborais, o Observatório do Mercado de Trabalho, a Reunião de Estratégias sobre Emprego no Mercosul. O primeiro esforço deve ser fazer com que os organismos citados tenham condições de cumprir seu papel. Alem disso, deveriam ser reativados imediatamente os Grupos de Integração Produtiva e aprovar-se iniciativas no plano setorial.

O Brasil tem a presidência pro-tempore do Mercosul. Essa deveria ser uma boa oportunidade para articular com os vizinhos uma forma de fazer frente às ameaças golpistas que pairam na região. As centrais sindicais brasileiras estabeleceram uma agenda comum e pressionam o governo Dilma para que volte atrás na adoção de medidas antissociais e de ajuste fiscal, que atingem principalmente os direitos dos trabalhadores. As centrais sindicais brasileiras devem tomar iniciativas também no Mercosul, e debater seriamente com os governantes essas questões na próxima cumbre no final de junho.

Da mesma forma, os partidos que apoiam os governos da Argentina, Brasil e Uruguai deveriam retomar o ritmo de construção do Parlasul e intervir no processo e defender que os cinco governos adotem uma agenda de aprofundamento político e macroeconômico no Mercosul.

*Maria Silvia Portela de Castro é socióloga, mestra pelo Programa de Integração da America Latina da USP e consultora em temas de relações trabalhistas e relações internacionais. Integrante do Grupo de Reflexão sobre Relações Internacionais/GR-RI.

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