Grupo de Reflexão sobre Relações Internacionais (GR-RI)

Há semelhanças entre a Grécia e o Brasil?

Na economia, sim, mas na política há diferenças sensíveis

Tsipras: ele conseguiu consultar a população, o que é impensável no caso brasileiro
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Por Kjeld Jakobsen

Brasil e Grécia são muito diferentes, porém não é difícil encontrar paralelos ao longo da história e mesmo atualmente no que tange ao manejo das economias dos dois países. Não na sua dimensão, mas na forma como suas dívidas públicas foram erigidas e as tensões geradas na busca de soluções.

O Brasil e a maioria dos países da América Latina aumentaram sua dívida externa de forma extraordinária ao longo dos anos 1970, o período do “milagre econômico” brasileiro, quando o dinheiro disponível no mercado internacional era oferecido sob condições de juros e serviços extremamente favoráveis.

No entanto, os países latino-americanos entraram em crise de endividamento, o Brasil inclusive, quando os bancos credores decidiram aumentar sobremaneira as taxas de juros, Libor e Prime Rate, e quase todas estas nações, a seu tempo, entraram em moratória. Porém, não sem antes transferir um terço do PIB do continente aos credores internacionais ao longo dos anos 1980, período conhecido entre nós como a “década perdida”, na qual houve a maior transferência de renda Sul – Norte da história.

No caso da Grécia, a União Europeia também lhe disponibilizou dinheiro barato para anos atrás se adequar aos ditames do bloco, particularmente para aderir à moeda única, o euro. Posteriormente, diante da ambição do sistema financeiro este dinheiro se tornou extremamente caro.

Não adianta dizer que o governo grego da época tapeou as autoridades europeias com dados macroeconômicos falsos, pois foram os mesmos que agora estão tungando os gregos que os orientaram como deveriam apresentar sua contabilidade, pois, interessava às potências econômicas da Europa reunir o maior número de aderentes possíveis à moeda comum. Lembremo-nos da decepção, das ameaças e das negociações que ocorreram na Europa quando o povo dinamarquês e depois o sueco rechaçaram a adesão ao euro.

Como disse Luiz Gonzaga Belluzzo num de seus artigos, “não existe devedor sem credor”. Ou seja, nenhum credor empresta dinheiro gratuitamente. Antes que o principal emprestado esteja integralmente pago, ao longo do tempo ele já recebeu este valor várias vezes. Quando o credor percebe as dificuldades do devedor ele o espreme até onde puder para ganhar até o limite.

Vivemos isso na América Latina e a nossa dívida externa também serviu de instrumento para forçar nossos países a aderirem a uma série de medidas que interessavam às empresas multinacionais dos EUA, Europa e Japão, por meio do “Consenso de Washington”. Entre elas, moeda atrelada ao câmbio, privatizações, abertura econômica, proteção a investimentos, reforma trabalhista e previdenciária, entre outras. Qualquer semelhança com a política de austeridade imposta aos gregos, não é mera coincidência.

Recentemente, para recusar nova ajuda à Grécia e justificar as condicionantes da austeridade impostas sobre o País, as autoridades europeias argumentaram que “não era justo descarregar sobre os ombros dos contribuintes europeus, o ônus da irresponsabilidade grega”.

Ora, a maior parte da dívida grega era com bancos alemães, franceses e outros. Após o recebimento dos dois primeiros pacotes de empréstimo monitorados pela “Troica” (Comissão Europeia, Banco Central Europeu e FMI) esta parte da dívida deixou de ser com os bancos e foi assumida pelos governos da Alemanha, França, Holanda, entre outros.

Portanto, quem jogou a dívida grega para os “contribuintes europeus” eventualmente pagarem, foram os próprios governantes europeus, em particular, a chanceler Angela Merkel. Os bancos já tiveram seu lucro e graças a governos complacentes, livraram-se do mico.

Esse poder dos bancos, melhor dizendo, do sistema financeiro internacional, também é visível aqui. Haja vista a taxa Selic que voltou a subir no Brasil deixando-nos como um dos países com a maior taxa de juros do planeta. O governo aqui também é pressionado, externamente e internamente, para adotar medidas de austeridade.

Não pelo FMI, pois a dívida com esta instituição, feita por governos anteriores, foi saldada durante o governo Lula, mas pelas agências internacionais de rating que trabalham para o sistema financeiro e ameaçam em rebaixar as avaliações sobre a segurança dos investimentos se não promovermos medidas de ajuste.

A preocupação que, principalmente, o setor financeiro manifesta com o equilíbrio fiscal e que estão embutidas nas agências de rating, não tem nada a ver com o bem-estar do País, mas tão somente garantir que o governo brasileiro reserve os recursos necessários para pagar os especuladores, externos e internos.

No entanto, há uma diferença gritante entre a Grécia e o Brasil. A primeira tem a possibilidade de rapidamente consultar a população se ela está de acordo ou não com alguma medida a ser adotada pelo governo como ocorreu no referendo do último dia 5 de julho. O então primeiro-ministro Alexis Tsipras foi negociar o terceiro pacote de empréstimos respaldado pela opinião da maioria da população sobre as políticas de austeridade. Aqui dependeríamos da aprovação do Congresso para consultar o povo se, por exemplo, deveríamos limitar a taxa de juros. Pode-se imaginar a dificuldade que enfrentaríamos.

Estas semelhanças na economia e diferenças na política entre Grécia e Brasil sugerem fortemente que é hora de abrir um debate internacional sério sobre as reformas que se fazem necessárias em nível mundial para combater assimetrias e assegurar tratamentos justos para nossos povos.

Não é admissível que o sistema financeiro internacional que não distribui riqueza, salvo para uns poucos, que não produz bens e nem empregos possua o poder que tem. A liberalização financeira que se começou a construir, principalmente, a partir da década de 1970 gerou um monstro que precisamos controlar.

Kjeld Jakobsen é integrante da Fundação Perseu Abramo/FPA e do Grupo de Reflexão sobre Relações Internacionais/GR-RI

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