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Na volta ao Campeonato Brasileiro, Fortaleza aposta na inclusão

‘Time de Rogério Ceni’ é o único clube da série A a fazer tradução das entrevista em Libras

(Foto: Leonardo Moreira/Fortaleza EC)
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A semana que marca o retorno do maior campeonato nacional coincide, este ano, com o período em que se comemora os 17 anos da institucionalização da Libras (Língua Brasileira de Sinais) como segunda língua oficial do Brasil. As datas evidenciam a negligência do ambiente esportivo em apresentar meios de acessibilidade que envolvam as necessidades dos torcedores surdos.

Reconhecido frequentemente como “o time de Rogério Ceni”, o Fortaleza, atual campeão da série B e recém-elevado à elite do futebol nacional, vem apresentando uma boa campanha não só dentro das quatro linhas, mas também fora delas. O tricolor é o único clube da série A a apresentar o serviço de tradução das entrevistas para Libras.

A primeira vez que um intérprete foi usado em coletivas do clube foi em novembro de 2018, na homenagem prestada ao ex-lateral Chiquinho. “A iniciativa do dr. Rolim Machado, segundo vice-presidente do clube, veio para quebrar essa barreira linguística e incluir os torcedores surdos no contexto esportivo”, destaca Crystonberg Silva, intérprete do time. “Sabemos que o futebol é uma paixão nacional, e não é diferente na comunidade surda. É um público que nunca deixou de amar o clube, nunca deixou de estar presente no estádio, nunca deixou de existir”, ressalta.

Crystonberg explica, também, que o trabalho não se resume às coletivas. “A gente faz gravações diárias no CT sobre o clube, além de compartilhar informações no nosso grupo do WhatsApp, um grupo dos torcedores surdos. Trocamos informações através de vídeos em Libras, para que as notícias não fiquem restritas, não deixem de ser compartilhadas. Além disso, atendemos as demandas nos dias de jogos. Eu estou presente no estádio para dar suporte a qualquer surdo que precise de algo, que esteja tendo alguma dificuldade em relação à comunicação”.

Um dos beneficiados com a iniciativa foi André Conrado, um dos administradores do grupo citado por Crystonberg. “Fiquei bastante emocionado com esse serviço, eu amo, sou bem fanático pelo futebol, pelo Fortaleza e pela torcida. A torcida é bem visual, entender um gol é fácil, tanto para o ouvinte como para o surdo, você sente a vibração, a emoção, e, nesse aspecto, surdos e ouvintes são equivalentes”, destaca André.

A repercussão do serviço disponibilizado pelo tricolor cearense fez com que André recebesse mensagens de torcedores de outros clubes, comentando a importância da ideia.

“Vários torcedores do São Paulo, por exemplo, mandaram mensagens parabenizando, bem orgulhosos da atitude do time do Fortaleza, por ser o único que aceitou ter o intérprete de Libras. Eles já lutaram, já pediram, mas ainda não atenderam. Foi o clube que mais vi torcedores falando que já pediram. Mas não pode desistir, tem que continuar tentando, o desejo é que essa acessibilidade não fique só em um time, mas se expanda em vários”.

“Agora, a rivalidade é pela acessibilidade. Enquanto os torcedores do Fortaleza têm acesso às coletivas e informações, os demais clubes estão deixando a desejar, restringindo a informação à pessoa surda, ao torcedor que também tem todo direito à comunicação”, completa o intérprete Crystonberg Silva.

No entanto, para André Conrado, algumas melhorias ainda precisam ser feitas para que o acesso dos torcedores surdos aos ambientes esportivo seja ainda mais amplo. “Seria bom que tivesse o intérprete nas transmissões, na televisão, para narrar o jogo, para passar o que o narrador está falando. Também poderia ter uma televisão com libras nos estádios, nos restaurantes dos estádios, nas lojas oficiais dos clubes, para auxiliar na hora de comprar uniformes, ingressos. É difícil, mas é possível de ser alcançado”, destaca.

Há, ainda outro problema com as emissoras de televisão. Apesar do serviço de intérprete ser disponibilizado pelo Fortaleza, em algumas ocasiões o enquadramento não é feito da forma correta, acabando por excluir o intérprete da imagem. “O ideal é o enquadramento maior, para aparecer tanto o palestrante como o intérprete, mas, às vezes, fazem um enquadramento menor. Bom mesmo é o intérprete ao lado, pois aquela janela com intérprete é ruim, porque a qualidade da imagem é ruim, fica muito difícil de ver as mãos, de entender a Libras”, pontua André. “Vivemos na era da inclusão mas, infelizmente, nem todos têm uma visão inclusiva, seja por falta de informação ou por não conviver, não ter uma pessoa próxima que viva essa realidade”, lamenta Crystonberg.

Apesar das dificuldades ainda enfrentadas, as conquistas são motivo de grande felicidade. Um exemplo é a comemoração do meia Dodô, responsável por anotar o quarto gol na classificação do Fortaleza sobre o Vitória (BA), em partida válida pelas quartas-de-final da Copa do Nordeste. “Eu encontrei o Dodô e pedi para quando ele fizesse um gol, fazer o sinal de “I love you” com as duas mãos. Ele prometeu. Passou um mês, ele ainda não tinha marcado, mas no outro mês, quando ele fez o gol, ele comemorou fazendo esse sinal. Eu fiquei muito emocionado, quase chorei, porque ele lembrou de mim e da comunidade surda”, conta André Conrado.

*Foto principal: Leonardo Moreira/Fortaleza EC.

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