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“Acredite na sua filha”: As matriarcas da seleção de futebol feminino

As histórias das mães orgulhosas e das filhas que representam o Brasil com a bola nos pés

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“Ela nunca deu crédito para as bonecas”, relatou Nailza Demoner, 55 anos, ao recordar a preferência da filha, Gabriela Zanotti, pela bola em vez do tradicional brinquedo “das meninas” na infância. Assim como a jogadora do Corinthians, outras atletas também tiveram o despertar para o futebol de maneira parecida, segundo suas mães. Geyse Ferreira (Benfica/Portugal) e Raquel Fernandes (Sporting Club Huelva/Espanha) começaram a ensaiar seus primeiros chutes ainda na infância, entre amigos, nas ruas de seus bairros em Maragogi (AL) e Ibirité (MG), respectivamente.

O interesse precoce pela modalidade, fez com que Geyse e Raquel, no início de suas carreiras, dividissem as quatro linhas com meninos; já que não havia time exclusivo de mulheres nas proximidades. Para Maria Cristina Gomes da Silva, 45 anos, ver a filha numa equipe mista nunca incomodou. Segundo ela, os meninos apreciavam Geyse no time devido à sua notável habilidade.

Maria Francisca da Silva, 61 anos, relembra do pontapé inicial para a próspera trajetória da filha no futebol. Foi no campinho improvisado em São Paulo que o treinador focado em crianças carentes descobriu Ludmila da Silva. Convidada a fazer parte do time da garotada, a mãe, inicialmente, relutou antes de autorizar a menina a frequentar os treinos. Hoje, Ludmila é parte do elenco campeão do Atlético de Madrid (Espanha) e nome confirmado na disputa da seleção brasileira na Copa do Mundo em junho próximo.

Gabi e sua mãe (Foto: arquivo pessoal)

Dona Nailza sabe bem o que é isso. A mãe de Gabriela Zanotti lembra que ficava enlouquecida com bate-bola pela casa, sentindo-se forçada a colocar a menina numa escolinha de futebol. Mas a filha, muito ativa, fazia com a mãe também participasse das atividades e campeonatos. Isso mesmo: Dona Nailza na zaga e Gabi no ataque.

Mas uma hora a brincadeira de criança acaba e o papel de jogadora profissional tem que ser assumido. Chega então a responsabilidade e junto as dificuldades e expectativas.

A princípio, a mãe, que exerce a profissão de gari, não acreditou na escolha da filha. Demorou um pouco para entender, mas quando viu que Geyse “levava jeito para bola” e que o esporte lhe completava, dona Maria Cristina, além de fã se tornou a maior impulsionadora. Hoje, aquela pequena garota se tornou a gigante jogadora que retribuí todo apoio da mãe, sendo uma das revelações da seleção brasileira e destaque na equipe do Benfica (Portugal).

Escolher ser mulher-atleta de futebol no Brasil é desafiador frente à baixa visibilidade, salários desiguais em relação à categoria masculina e o enfrentamento dos mais diversos preconceitos. Esse cenário de espaço restritivo do futebol feminino no país expõe as esportistas a diversas dificuldades, intolerâncias e frustrações. Apesar de tudo, as mães entrevistadas sempre incentivaram as decisões, investiram nos sonhos e fortaleceram a caminhada das filhas em busca da profissionalização na modalidade.

Ludmila e a matriarca (Foto: arquivo pessoal)

Dentre todos os inconvenientes do futebol feminino brasileiro, Antônia Fernandes da Silva, 57 anos, matriarca de Raquel Fernandes, pontua que o salário desigual em relação à categoria masculina é o entrave mais complicado que encaram, razão pela qual não consegue morar junto da filha. Mas assinala que a distância não a impede de torcer e vibrar pela pupila.

“Essa dificuldade que a mulher tem no futebol é a dificuldade que a mulher encontra em quase todas as profissões” afirma categoricamente Dona Maria Francisca. Além da desigualdade salarial; a falta de oportunidades, incentivo e divulgação também ofuscam a modalidade no país. Segundo a aposentada, muitas meninas precisam conciliar o sonho de serem jogadoras com outras atividades profissionais para assim se sustentarem.

“Enquanto um homem na mesma categoria da Ludmila já tem uma casa boa, um bom carro, ela ainda não conseguiu comprar a casa própria na Espanha e pouco consegue ajudar a família no Brasil com o salário que ganha.”

Diante desses obstáculos e respirando as complicações vividas pelas herdeiras, as genitoras almejam benfeitorias para a categoria no país. Dona Nailza deseja estrutura adequada, profissionais qualificados e maior visibilidade para o futebol feminino. Enquanto a mãe de Geyse salienta: “Gostaria mesmo era de ver o estádio cheio de gente aqui no Brasil vendo as meninas jogarem. Porque o futebol é o mesmo, só muda o sexo”.

Contudo, perante a essas adversidades, as mães se apegam as grandes conquistas que as filhas, com muito esforço, obtiveram ao longo de suas trajetórias profissionais. Dona Maria Francisca sente-se super orgulhosa do primeiro contrato assinado da Ludmila com o Juventus. Dona Antônia se recorda envaidecida da primeira equipe profissional de Raquel, o Atlético Mineiro, e depois a sua primeira convocação para a seleção brasileira sub-17. Dona Nailza, se lembra saudosa da primeira mudança de Gabi Zanotti, quando foi escolhida para integrar a equipe do Kindermann (Caçador-SC).

Sem dúvida, dentre todos esses triunfos e superações, o orgulho e a emoção são mais nítidos quando suas filhas entram em campo para representarem a Seleção Brasileira de Futebol. Para Dona Antônia, ver a Raquel vestindo a camisa canarinho é a recompensa de muita dedicação da atleta, que não se ausenta dos treinos nem durante as férias.

Raquel com a mãe (Foto: arquivo pessoal)

Carregar o escudo do Brasil no peito é a certeza que o caminho e a batalha valeram a pena. É o combustível para seguir adiante.

As atletas se profissionalizaram, ganharam visibilidade, principalmente pelas convocações para seleção principal; consequentemente mudaram também a rotina dessas mães. Dona Maria Cristina, rindo bastante, diz que agora é reconhecida na rua como “a mãe da Geyse”. Já Dona Maria Francisca enfatiza que ainda está aprendendo a lidar com a distância, mas que mesmo de longe “pega no pé” da Ludmila, principalmente em relação ao seu comprometimento para com as obrigações. E que aconselha a pupila a não se iludir com a fama, manter-se vigilante e firme nos objetivos.

“O fato de ela ser famosa não significa que ela está bem financeiramente. Ela tem que batalhar muito para conseguir o que ela almeja, converso sempre com ela para manter a humildade, ter sempre os pés no chão e não se iludir com a fama.”

E como conselho de mãe é precioso, Dona Maria Cristina orienta as meninas que estão iniciando carreira a não desistirem e perseverarem, mesmo diante de todas as dificuldades que o futebol feminino vem enfrentando. E somado a isso, Dona Nailza, recomenda dedicação, comprometimento, entrega, treinamento e humildade.

Para o futuro, Dona Nailza e Dona Antonia, infladas de esperança, anseiam que Gabriela e Raquel permaneçam no esporte, atuando em grandes equipes. Sucesso é palavra presente e desejo marcante no depoimento de todas as mães entrevistadas.

Orgulho, incentivo e superação movem as genitoras. E se hoje, o Brasil entra em campo representado por grandes atletas, é porque fortes corações também pulsam fora da camisa canarinho. Afinal, quando nasce o sonho de uma filha também nasce o sonho de uma mãe. E quando nasce uma jogadora também nasce a mãe de uma jogadora.

Dona Maria Francisca, representando as demais matriarcas, finaliza: “Mães, incentivem suas filhas a serem o que elas quiserem ser, jamais deixem que ninguém diga que elas não são capazes. Pois com garra e determinação nós mulheres podemos tudo.”

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