Fora da Faria

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Produtos fajutos, informações falsas e motivos descabidos

A 25 de Março é provavelmente a menor região do mundo a ameaçar o império americano

Produtos fajutos, informações falsas e motivos descabidos
Produtos fajutos, informações falsas e motivos descabidos
Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil
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A investigação sobre a venda de produtos falsificados na região da 25 de Março, é parte de um show burlesco para tentar justificar uma ação descabida. A 25, como é conhecida, é um polo de venda de produtos no atacado e varejo. Lojistas e consumidores de todo o país, mas especialmente do interior de São Paulo se abastecem no local que, agora passa a ser tratado como algoz das marcas americanas. Esse é o teor da investigação iniciada pelo Escritório do Representante de Comércio dos Estados Unidos.

O nome 25 de Março é uma lembrança da outorga da primeira constituição brasileira, em 1824, sendo adotado pela rua 40 anos depois. A região tem 3,5 mil lojas e uma frequência média diária de 400 mil consumidores. Dezenas de ações de fiscalização foram feitas, especialmente a partir da década de 80, pela Polícia Federal, Receita Federal e pelas polícias e órgãos de fiscalização do estado e município. Ilegalidades foram punidas e outras continuam acontecendo.

Tratar o tema como uma crise internacional é, no mínimo, um ato de ilusionismo. Segundo os dados da Univinco, entidade que representa os lojistas da região, em 2024, o faturamento de toda a região da 25 foi de 14,5 bilhões de reais ou 2,6 bilhões de dólares. Isso daria 0,009% do PIB americano, que caiu 0,5% no primeiro trimestre do ano. Provavelmente culpa da 25.

A ameaça do governo americano leva a outros questionamentos: não seria indicado olhar para o próprio umbigo? No último dia 17, a Aafa – Associação Americana de Vestuário e Calçados, enviou um ofício ao USTR pedindo para incluir as plataformas de marketplace americanas em sua lista anual de países e sites beneficiários de vendas de produtos piratas. Uma ação local seria recomendada: fiscalizar ainda mais a Canal Street, em Nova York, região onde se encontra todo tipo de produtos falsificados? Em novembro de 2023 uma ação policial apreendeu mais de 200 mil itens falsos com valor de 1 bilhão de dólares na região de Manhattan. Uma única ação apreendeu 30% do que a 25 vende anualmente. Já segundo o site do PPI – Progressive Policy Institute, um estudo da OCDE – Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico de 2021 “estimou um limite superior de 464 bilhões de dólares em produtos falsificados que atravessaram fronteiras em 2019.”

Na 25 de Março, 60% das compras são parceladas no cartão de crédito. A estimativa é da Univinco. Mastercard e Visa, estão, potencialmente, sendo utilizados para transações que atacam empresas americanas. Deveriam agir contra. Impedir as transações na área, não entregar maquininhas na região. Se 60% das compras são parceladas nos cartões, poderiam atuar contra a comercialização de mais de 1,5 bilhão de dólares de produtos supostamente falsos. Deveriam, inclusive, ampliar as medidas e bloquear compras no e-commerce de lojas suspeitas em marketplaces. Um sacrifício pequeno para defender o PIB americano. Mas renunciar ao próprio lucro não faz parte da política dessas empresas. E que se dane o patriotismo. O problema, para elas, é o Pix.

Combater a falsificação de produtos é uma meia atitude. As fakes news são tão ou mais perigosas do que produtos falsificados. Matam milhares, como na epidemia de Covid, onde a desinformação ceifou vidas. Matam quando atacam as vacinas, desmerecem a ciência ou quando criam bolhas de desinformação. Matam disseminando ódio. Mas o olhar seletivo da iniciativa americana é determinado pela ótica da ganância. Empresas americanas não podem perder. Sejam cartões de crédito ou big techs. Fake news são os produtos da estratégia de desinformação, distribuídos em escala global. Materializam o achaque à verdade e criam um exército de zumbis que compram narrativas. A falsificação da verdade, pela postura das sanções, não merece ser combatida. A definição é que existem duas falsificações: as boas e as más. As fake news dão lucro, viva as fake news. A ética é etérea.

A 25 de Março é provavelmente a menor região do mundo a ameaçar o império americano. Lá trabalham cerca de 50 mil brasileiros e estrangeiros, a imensa maioria humildes. O império não quer deixar pedra sobre pedra. E continua a encontrar aliados em solo brasileiro. Muitos deles frequentam a 25, pedem PIX para defender as fake news e aplaudir as sanções contra o Brasil. Acredite se quiser.

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