Fora da Faria
Uma coluna de negócios focada na economia real.
Fora da Faria
Porque 2026 pode dar samba para o mercado
O próximo ano pode ser marcado por uma combinação poderosa entre consumo, sensação de melhora na qualidade de vida e impacto eleitoral
Lulu Santos disse que “nada do que foi será do jeito que já foi um dia”. Tudo bem. Belchior afirmou que “ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais”. Tenho certa queda por esta segunda afirmação. Não costumo tratar rompantes como tendências definitivas. E acho mesmo que mudanças profundas de comportamento não acontecem de repente. Ouvi, durante a pandemia, que o mundo nunca mais seria o mesmo. Ora, não aprendemos a lição depois de duas guerras mundiais, dos campos de concentração do nazismo, das ditaduras sanguinárias e das disputas desumanas por territórios e poder… Olhando para o lado, muitas dessas ameaças ainda nos assombram.
O mercado de consumo se sustenta sobre um tripé de confiança, renda e oportunidades. Confiança é a percepção de estabilidade — a crença de que será possível consumir hoje e honrar dívidas amanhã. É também a relação de credibilidade com produtos e marcas, fundamental para evitar decisões de compra desastrosas. A renda entra como o excedente: aquilo que sobra depois de pagas as despesas básicas. Já a oportunidade é a combinação entre acesso ao bem desejado e a convicção de que haverá renda e estabilidade suficientes para sustentar aquela escolha.
Partindo dessas premissas, 2026 revela características relativamente fáceis de antever. O Carnaval, por exemplo, cairá em 17 de fevereiro. Não é detalhe menor: a data marca simbolicamente o encerramento do verão. Carnavais em março esticam a estação e favorecem setores como o de cervejas. Em 2026, do Ano Novo até o Carnaval, serão apenas 48 dias. O resultado tende a ser um período de vendas agressivas, concentradas. A embalagem que deve ganhar novamente protagonismo é a lata: prática, portátil, mas de margem menor para as empresas. Para capturar o consumo, cervejarias devem ampliar distribuição, intensificar ações promocionais e reforçar patrocínios em blocos e desfiles.
Janeiro e fevereiro, vale lembrar, costumam ser meses de orçamento pressionado. IPVA, matrículas escolares, material didático, parcelas do IPTU retornam ao cotidiano das famílias. O Carnaval, nesse contexto, funciona quase como um anestésico temporário, reduzindo a disputa direta pelo share do bolso.
Passada a folia, o Brasil começa a mirar a Copa do Mundo, que se inicia quatro meses depois. A expectativa é de aquecimento nos mercados de artigos esportivos, televisores, churrasqueiras portáteis e, claro, cerveja — que viverá, na prática, seu segundo carnaval no ano. A venda de passagens para acompanhar o torneio também tende a impulsionar o setor de serviços. Como de costume, o desempenho da seleção será decisivo: quanto mais longe o Brasil avançar, maior a propensão ao consumo.
E então chegam as eleições. Processos eleitorais são, invariavelmente, períodos de maior circulação de dinheiro. Governos ampliam políticas sociais, reforçam investimentos e buscam gerar uma percepção positiva. Os efeitos indiretos dessas ações, sobretudo em grandes centros urbanos, acabam sendo sentidos no bolso. A mudança nas faixas do Imposto de Renda, por exemplo, deve injetar cerca de 28 bilhões de reais na economia.
Apesar das rivalidades políticas, a maioria do eleitorado opera a partir de uma lógica simples: a expectativa de melhora nas condições de vida. Se essa percepção se consolidar no primeiro semestre, especialmente acompanhada de aumento do poder de compra, o ambiente polarizado tende a favorecer quem conseguir se associar a esse desempenho econômico.
O próximo ano, portanto, pode ser marcado por uma combinação poderosa entre consumo, sensação de melhora na qualidade de vida e impacto eleitoral. Soma-se a isso a esperada (e já tardia) redução da taxa Selic, que finalmente deve começar a cair dos estonteantes 15%. Juros menores abrem espaço para investimentos produtivos, o que, em última instância, significa emprego.
Claro, muita água ainda vai passar sob a ponte. Mas 2026 tem boas chances de ser um ano positivo para o mercado de bens de consumo e para a economia real. E isso pode, sim, dar samba para o consumo, o emprego e a renda.
PS: Fora da Faria entra de férias por três semanas. Voltamos em janeiro.
Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome
Depois de anos bicudos, voltamos a um Brasil minimamente normal. Este novo normal, contudo, segue repleto de incertezas. A ameaça bolsonarista persiste e os apetites do mercado e do Congresso continuam a pressionar o governo. Lá fora, o avanço global da extrema-direita e a brutalidade em Gaza e na Ucrânia arriscam implodir os frágeis alicerces da governança mundial.
CartaCapital não tem o apoio de bancos e fundações. Sobrevive, unicamente, da venda de anúncios e projetos e das contribuições de seus leitores. E seu apoio, leitor, é cada vez mais fundamental.
Não deixe a Carta parar. Se você valoriza o bom jornalismo, nos ajude a seguir lutando. Assine a edição semanal da revista ou contribua com o quanto puder.



