Fora da Faria
Uma coluna de negócios focada na economia real.
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Os lucros gordos dos inibidores de apetite
A indústria farmacêutica turbina a dependência alimentar e vende a solução num só combo, de olho na próxima quebra de patente


País desenvolvido é um país obeso. Mas ser obeso não é saudável. É preciso emagrecer. Então, o país desenvolvido é obeso e toma inibidores de apetite. Essa é a lógica perversa que cria um efeito de codependência entre comer em excesso e consumir remédios como Ozempic. O consumo de alimentos e bebidas vinculados à indulgência são campeões em saciar cansaço, solidão, falta de tempo e, até mesmo, a fome. São ultraprocessados e ricos em açúcar e calorias. O resultado: no mundo são 2,3 bilhões de adultos acima do peso, e 700 milhões de indivíduos com obesidade segundo a OMS. No Brasil mais de 20% da população está obesa.
Comer em excesso leva à epidemia de diabetes tipo 2. A estimativa da NCD Risk Factor Collaboration (NCD-RisC), rede mundial de pesquisa, em colaboração com a OMS, é de que existam 800 milhões de pessoas com diabetes no mundo. No Brasil as estimativas variam entre 16 e 20 milhões, segundo a IDF – Federação Internacional de Diabetes, que reúne mais de 240 associações de todo mundo. Cerca de 90% dos casos do diabetes tipo 2, estão geralmente associados ao comportamento.
Dois comandos: coma e emagreça
Meios de comunicação e redes sociais continuam na implacável luta por reafirmar falsamente o corpo perfeito, magro, dentro do que se considera padrão. Corpos similares favorecem a produção em série. O padrão também permite vender sem experimentar, como no caso das compras pela internet. Nesse mundo, consumidor ouve dois comandos: coma e emagreça.
Os apelos constantes de consumo voltados para a indulgência, a relação entre o prazer de comer em substituição a outros prazeres, gera a epidemia. Cria, simultaneamente, mercado para alimentos ultraprocessados e medicamentos para diabetes, incorporados a uma rotina de emagrecimento. Uma combinação saborosa como hambúrguer com fritas.
Os lucros gordos dos inibidores de apetite
A marca que se tornou sinônimo dessa categoria é o Ozempic, do laboratório dinamarquês Novo Nordisk. O faturamento da empresa no último ano foi de R$ 240 bi, sendo o Ozempic responsável por 45% do total. O mercado americano responde por mais de 70% do consumo das canetas do medicamento, seguido a muita distância pela China, com 5%. O resultado de 2024 aponta para uma evolução nas vendas de cerca de 26% e a empresa espera um crescimento neste ano superior a 16%. A Novo é dona também da marca Wegovy.
Outras marcas disputam o mercado. O laboratório Lilly, fabricante dos medicamentos para obesidade Zepbound e Mounjaro para diabetes, é um forte competidor. Porém suas vendas não correm no mesmo trilho de crescimento da Novo.
Mercado de alimentos e bebidas pode ser impactado
O uso de medicamentos para emagrecimento gera outras movimentações: queda no consumo de alimentos e bebidas. Americanos devem reduzir o consumo de alimentos nos próximos anos em cerca de US$ 248 bi, revela um estudo recente da consultoria KPMG.
Fundos estão revendo seus investimentos na onda do emagrecimento. Recentemente Terry Smith, um dos maiores investidores da Inglaterra, vendeu sua participação na Diageo, dona das marcas Smirnoff e Tanqueray. Citando inibidores de apetite, ele disse que “é provável que esses medicamentos sejam usados para tratar o alcoolismo, dado o impacto que têm sobre o consumo de bebidas alcoólicas”. Ele parece ter antecipado um estudo publicado na JAMA Psychiatry, em que pesquisadores da Universidade da Carolina do Sul, que demonstram a redução do consumo de álcool com o uso de semaglutida, princípio ativo do Ozempic.
Quebra de patente 2026
A patente do Ozempic é válida até março de 2026, o que tem potencial para reduzir os preços posteriormente. Para enfrentar essa quebra de patente, a Novo anunciou a possível produção do CagriSema no primeiro trimestre de 2026, na expectativa de reduzir possíveis perdas. Este medicamento teria resposta clínica semelhante ao Munjaro, seu concorrente direto.
Em 23 de dezembro último, a brasileira EMS, gigante do setor de genéricos, obteve a licença para fabricar no Brasil dois inibidores de apetite. Com o princípio ativo liraglutida, o Lirux, indicado para diabetes, e o Olire, para obesidade, devem estar nas farmácias neste ano. Carlos Sanches, presidente do conselho da empresa, diz que “no médio prazo, vejo a EMS faturando US$ 2 bilhões no Brasil (cerca de R$ 11,8 bilhões) e outros US$ 2 bilhões nos Estados Unidos”. Segundo a Pharmaceutical Market Brazil em 2024 foram comercializadas aqui mais de 3 milhões de canetas do produto.
Com um mercado que ainda tem muito espaço para crescer, os ultraprocessados são um combustível de apoio para a indústria farmacêutica. Existe muito espaço a ser abocanhado. E, nele, os pesos pesados estão de olho na balança. Não na comercial, mas naquela que está em sua casa ou na farmácia.
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