Fora da Faria
Uma coluna de negócios focada na economia real.
Fora da Faria
O ChatGPT quer te ver nu (ou quase)
A OpenAI, criadora da plataforma de inteligência artificial mais popular do planeta, estuda liberar conteúdo erótico a partir do fim do ano. Mas o que explica essa mudança de rota?


Algo novo pode chegar aos usuários do ChatGPT em dezembro. E não é o Papai Noel. A OpenAI, criadora da plataforma de inteligência artificial mais popular do planeta, estuda liberar conteúdo erótico a partir do fim do ano. O anúncio foi feito por Sam Altman, CEO da empresa, que descreveu a nova política como parte da filosofia “treat adults like adults” — “tratar adultos como adultos”.
A ideia é permitir que usuários, mediante verificação de idade, possam criar ou interagir com conteúdos classificados como “adultos”, incluindo erotismo. É uma guinada e tanto para uma empresa que, até recentemente, exibia compromissos firmes em restringir esse tipo de material.
Mas o que explica essa mudança de rota? Talvez a resposta venha da velha máxima: siga o dinheiro.
A empresa de análise Appfigures estimou que, só no primeiro semestre de 2025, os aplicativos de IA focados em interações românticas ou eróticas faturaram 82 milhões de dólares.
No ano passado, a consultoria Ark Invest, especializada em tecnologias disruptivas, publicou um artigo provocador: “A companhia de IA é a próxima fronteira do entretenimento digital?”. A “companhia”, no caso, é a interação entre uma pessoa e um personagem criado por IA generativa: um parceiro virtual com corpo, voz, personalidade e até memória emocional.
As plataformas Replika e Character.AI são os exemplos mais conhecidos. Em ambas, o usuário pode conversar, criar e evoluir personagens que aprendem com o tempo e constroem uma relação empática entre o artificial e o humano. A convivência pode virar amizade, amor… ou sexo. O mercado já sente o impacto: em 2024, conteúdos gerados por IA ocuparam 14,5% da audiência do OnlyFans, contra apenas 1,4% no ano anterior.
A mudança da OpenAI foi rápida. Mas, além do dinheiro, há algo mais: a promessa de vínculos profundos.
Nesse novo modelo, a interação pode se tornar tão íntima quanto uma relação humana — só que sem rejeição, sem conflito, sem imperfeição. O endereço do seu amigo é uma URL. O encontro em um app que já não é um caminho, mas o ponto final.
A tecnologia passa a permitir que cada um molde sua própria companhia. Um Frankenstein ao contrário, ou talvez uma versão digital da “Mulher Nota 1000”. Na comédia de 1985, dirigida por John Hughes, dois adolescentes criam no computador a mulher ideal — que ganha vida e ajuda os garotos a atravessar as dores da adolescência. Trinta anos depois, em Her (2013), de Spike Jonze, Theodore, um escritor solitário vivido por Joaquin Phoenix, se apaixona por Samantha, uma inteligência artificial.
O problema é que, enquanto buscamos companhia digital, nos afastamos do que é real. A desumanização já é um velho conhecido dos meios de comunicação, onde o humano pode se tornar um simulacro. Assistimos a cenas de guerra em Gaza como quem vê um filme de ação. O real, repetido à exaustão, se torna ficção. Agora, a ficção começa a ocupar o lugar do real.
Se já há uma geração trancada em quartos, dormindo sobre telas e conversando com inteligências artificiais, a tendência é de mais isolamento.
E, com dois pés fora da realidade, o impacto se espalha: moda, educação, beleza, higiene, tudo pode ser digitalizado. Perfume para encontro? Talvez desnecessário. Basta programar seu próximo par para gostar de quem não usa nenhuma fragrância.
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