Fora da Faria

Uma coluna de negócios focada na economia real.

Fora da Faria

A economia cresce quando as mulheres ganham o que merecem

O crescimento global daria um enorme salto remunerando de maneira igual homens e mulheres. Mas isso, infelizmente, não interessa a todos

A economia cresce quando as mulheres ganham o que merecem
A economia cresce quando as mulheres ganham o que merecem
Concentração de ato organizado pela Marcha das Mulheres Negras contra o racismo, o machismo, o genocídio e a lesbofobia, na praça Roosevelt, região central da capital paulista (Rovena Rosa/Agência Brasil)
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A regra básica do mercado é geração de renda. Quanto mais pessoas com maior renda, melhor será o desempenho da economia. Uma sociedade com melhores condições de vida caminha para ser mais justa. Embora essa obviedade seja mais do que ululante, ela nem sempre é seguida, especialmente quando se observa a disparidade de remuneração entre homens e mulheres.

As mulheres representam 51,5% da população brasileira, segundo o último Censo. No entanto, a participação no mercado de trabalho revela uma disparidade de gênero: em 2022, 53,3% das mulheres estavam empregadas, enquanto entre os homens esse índice chegava a 73,2%, de acordo com dados do IBGE. Além disso, mais da metade dos lares brasileiros são chefiados por mulheres, conforme a mesma pesquisa.

Lançado pelo governo federal, o Relatório de Transparência Salarial, do Ministério do Trabalho e Emprego, divulgado em setembro de 2024, reforça uma realidade anacrônica, amplamente conhecida e, ao mesmo tempo, absurda. Empresas com 100 ou mais empregados participaram da pesquisa, totalizando 50.692 questionários. Os dados revelam que as mulheres recebem, em média, 20,7% a menos do que os homens. A média salarial masculina foi de 4.495,39 reais, enquanto a feminina ficou em 3.565,48 reais. E a desigualdade se aprofunda: mulheres negras ganham, em média, 2.745,26 de reais, enquanto as mulheres não negras têm um rendimento médio de 4.249,71 reais.

Se as mulheres recebessem os 929,91 reais que as separam dos salários dos homens, o mercado teria uma injeção adicional de mais de 40 bilhões de reais por mês, ou cerca de 480 bilhões de reais por ano—um montante nada desprezível. Para efeito de comparação, a recente liberação do FGTS colocou 12 bilhões de reais em circulação.

Os números de 2024 da Associação Brasileira de Comércio Eletrônico (ABCOMM) mostram que as mulheres foram responsáveis por 60% do total movimentado pelo e-commerce no Brasil, o que equivale a cerca de 122 bilhões de reais em compras. O impacto de uma remuneração mais justa sobre esses valores é evidente: mais dinheiro na mão das mulheres significa maior consumo, impulsionando produção e competitividade.

Uma remuneração mais justa para as mulheres não impacta apenas a economia — também é uma questão de justiça social. Muitas mulheres vivem em relações de dependência financeira, onde submissão, assédio e agressões se combinam em um ciclo de degradação. Garantir salários dignos não só reforça a civilidade, como também organiza famílias, protege crianças e fortalece a autonomia feminina.

Se isso ainda não bastasse, a equidade salarial também impulsiona o crescimento econômico. Com 480 bilhões de reais a mais circulando, não seria descabido questionar se o PIB de 2024 não poderia ter superado os 3,4% divulgados pelo IBGE. Claro, há outras variáveis a considerar, mas diante das previsões de desaceleração econômica, não restam dúvidas de que mais renda na mão das mulheres significa um país mais próspero e dinâmico.

No Brasil como no mundo

No ano passado, o Banco Mundial publicou o relatório Mulheres, Empresas e o Direito 2024, destacando a disparidade nos rendimentos entre homens e mulheres. Segundo o estudo, as mulheres recebem, em média, 0,77 centavos de dólar para cada 1 dólar ganho pelos homens. Além disso, enquanto a participação masculina no mercado de trabalho gira em torno de 75%, entre as mulheres esse índice é de apenas 50%.

Quando se avaliam as legislações desses países relacionadas a equiparação salarial, o Relatório aponta que, dos 190 países pesquisados, 92 não têm nenhum instrumento legal para isso. Existem ainda 77 países com restrições legais para o trabalho das mulheres. Os exemplos são espantosos: 59 nações impedem mulheres de trabalhar em determinadas indústrias, 20 proíbem o trabalho noturno e 26 vetam mulheres operando trens, veículos de grande porte ou aviões.

As consequências são drásticas. Com remuneração menor e com proibições, os mecanismos de dominação se acentuam. Perpetuam-se os casos de violência e todas as mazelas que atingem as mulheres em todo mundo. A consequência econômica também é evidente. É uma parte fundamental para o consumo que fica afastada dele. A economia global daria um salto enorme remunerando de maneira igual homens e mulheres. Todos ganham. Mas isso, infelizmente, não interessa a todos.

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