Fashion Revolution

Opinião: Sustentabilidade é fundamentalmente antirracista

A moda estrangula uma possível horizontalidade e consequentemente rompe com vidas nesse processo

Imagem: David Fenton/Getty Images
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Por Rafael Silvério*

Como diria Stevie Wonder: “Good Morn or evening friends. Here’s your friendly announcer” (“Bom dia, amigos e amigas. Está aqui seu apresentador amigável”, em tradução livre).

Logo nos versos iniciais de Love’s In Need Of Love quero começar “escurecendo” que em 2015 a ONU publicou os 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) em uma reunião de chefes de Estado e de Governo em Nova Iorque. Essas metas fazem parte de uma Agenda Mundial de Desenvolvimento Sustentável com prazo para 2030.

Entre elas está a de número 10: Redução das Desigualdades.

Está sugestionado para a criação e implementação de  produtos, serviços e modelos de negócios que visam explicitamente às necessidades das populações desfavorecidas e marginalizadas. Eis o calcanhar de Aquiles, para muitos que não vêem a questão de equidade racial como a parte do âmbito interno da sustentabilidade. Segundo IBGE, 56.10%da população brasileira se denomina parda ou preta. Somos mais da metade desse país, porém não temos representatividade equitativa dentro da maioria das discussões sobre o assunto. O fato que mais me incomoda é visualizar tantos brancos debaterem, decidirem e aplicarem pauta sócios ambientais sem sequer abrir diálogo com mais da metade da população que será afetada por tais posições. 

Nesses anos inserido na indústria da moda, constato a nítida disparidade dos investimentos entre o ambiental e social. E quando se trata de projetos que tragam reparação histórica para a situação da população preta nacional, o cenário é ainda mais invisível. Acompanhei papers e artigos científicos dotados de artifícios codificadores de informações que estão postos em prol da manutenção de um poder homogeneamente branco. Atrelando os nosso destino sempre às mãos de pessoas brancas – pois o racismo é uma sistemática sofisticada que se manifesta de várias maneiras. E a moda, assim como qualquer vetor social, escoa práticas de um mecanismo macro. O professor Robert Bullard, ex-decano da Escola de Relações Públicas Barbara Jordan – Mickey Leland e atualmente professor distinto da Texas Southern University, definiu justiça ambiental para além do recorte ecossistêmico em seu discurso na Mercer University, 20 anos atrás:

“A busca do tratamento justo e do envolvimento significativo de todas as pessoas, independentemente de sua raça, cor, origem ou renda no que diz respeito à elaboração, desenvolvimento, implementação e reforço de políticas, leis e regulações ambientais. Por tratamento justo entenda-se que nenhum grupo de pessoas, incluindo-se aí grupos étnicos, raciais ou de classe, deva suportar uma parcela desproporcional das conseqüências ambientais negativas resultantes de operações industriais, comerciais e municipais, da execução de políticas e programas federais, estaduais, locais ou tribais, bem como das conseqüências resultantes da ausência ou omissão destas políticas”.

A moda estrangula uma possível horizontalidade e, consequentemente, rompe com vidas nesse processo, as invisibilizando na base da pirâmide. O que os ODS nos convida é a implementação de um processo de capitalização digno. Para chegarmos a uma real isonomia entre pretos e brancos, precisamos fazer três movimentos de maneira simultânea:

Despertar para uma consciência afro-indígena

Esse chamado é para todo brasileiro, pois a base de nossa cultura está atrelada às raízes afro indígenas. E ter ciência de que nossa existência nesse espaço sócio-político se deve a esforços dos nossos antepassados, sejam eles de linhagem sanguínea ou não. Lembrando que o sistema racista está constituído em cima de falácias de que uma raça é superior a outra. Essa supremacia contempla toda uma ótica verticalizada que mantém a branquitude dentro de seus privilégios, embalada de uma membrana nomeada pela autora americana Robin DiAngelo comofragilidade branca.

Descolonização do pensamento eurocentrista

Minha amiga pessoal e parceira Paloma Gervasio Botelho (Consultora de Estilo Pessoal, Mentora de Estilo para Marcas, Moda Artivista e Idealizadora dos projetos @rcni.br, @negrxsdialogosdemoda e @afro.ppf.) diz que esse processo é fundamental para que consigamos ter um pensamento de autoestima em relação a nossa própria história. Essa perspectiva nos tira do lugar  “vira lata”, e começa a reconhecer valia em nossa trajetória, nos explicando estruturas das mazelas sociais que vivenciamos. Trazendo uma seara genuína da identidade latino brasileira respeitosa com seu solo. Empretecer referências, incluir e projetar profissionais pretos em todos os lugares, inclusive aqueles de poder também em nossa sociedade, permitirão que qualquer debate seja plural e que consigamos chegar a decisões que não apenas diminuam a desigualdade racial, mas que não encurralem a população preta às periferias intelectuais do nosso tecido social.

Aprendizado de uma educação antirracista

A professora, filósofa e socialista estadunidense Angela Davis nos lembra: Numa sociedade racista, não basta não ser racista, é preciso ser antirracista”. Essa frase viralizou na semana com hashtags #blackouthuesday. Vale frisar que uma educação antirracista tem que ser estabelecida de forma interracial, para todos e respeitando suas especificidades para além de um quadrado preto em rede social. A redução tem que ser incorporada ao cotidiano daqueles que se predispõem a abranger seus horizontes com máxima responsabilidade afetiva.

Essas movimentações são primordiais para refletirmos com mimetismo toda a população que se autointitula parda e negra. Nos espaços industriais, para muito mais além dos serviços essenciais e ou no chão de fábrica.

Essa representação racial engloba várias esferas e atravessa vários setores. Logo, é necessário abrir diálogo para a comunidade preta desmistificar o assunto e o tratar de forma acessível e de fácil compreensão. Só assim podemos passar da fase da inclusão de pessoas pretas para o pertencimento intrínseco. 

Enquanto observamos iniciativas ao longo dos anos, projetos sobre redução de emissão de carbono e preocupação industrial com a pegada hídrica, assistimos às desigualdades sociais, principalmente na nossa “pátria mãe gentil”, alarmante para uma “minoria” preta que está condicionada a um genocídio financiado por um ego branco.

É do nosso interesse, e de nossa comunidade, discutir sustentabilidade em todos os seus pilares – econômico, ambiental e especificamente “social”. Estamos sem voz, e é mais interessante nos deixarem  assistindo em silêncio o debate de um futuro mais limpo e mais inteligente. Limpo para quem? Inteligente para quem?

*Rafael Silvério (@silveeerio): Designer Preto de Moda e Consultor de Branding. Formado pela Faculdade Santa Marcelina em Desenho de Moda (2013) e Pós Graduação na UNIP em Negócios Internacionais e Comércio Exterior (2016) designer participante da Casa de Criadores (2019) com sua marca @silveriobrand, que propõe pela moda uma maneira de reconhecer seus sentimentos e questionando a nossa noção de belo, através de volumes inventivos e silhuetas lúdicas por um olhar romântico. Trabalha como consultor de branding para marcas e negócios relacionados a criatividade.

**Meu agradecimento especial a professora e doutora Lilyan Berlim pela revisão e apoio para meu encorajamento de aceitar a escrita como arma prol equidade racial.

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