Fashion Revolution

O que as costureiras têm a dizer no Dia da Costureira?

As costureiras são a classe trabalhadora mais expressiva da moda. Para elas, há desvalorização da atividade

Costureiras reivindicam direitos e reconhecimento dos patrões. Foto: iStock
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*Por Bárbara Poerner, jornalista de moda. Atualmente, é repórter na ELLE Brasil e colunista no Fashion Revolution e Revista URDUME.

Sem elas, a moda não existiria. As costureiras são a classe trabalhadora mais expressiva da moda. Isso porque o setor emprega 8 milhões de brasileiros e 75% são mulheres. Da parcela de formais, modalidade que representa 1,6 milhões, 75% são do segmento de confecção, conforme a Associação Brasileira da Indústria Têxtil e do Vestuário.

O motivo do número ser composto, majoritariamente, por mulheres não é nenhuma coincidência. Isso tem relação com a presença e protagonismo das mulheres na Primeira e Segunda Revolução Industrial e a constituição do trabalho doméstico feminino. Quem disserta sobre esses temas muito bem é Angela Davis, em Mulheres Raça e Classe, e Silvia Federici, em O Ponto Zero da Revolução. Deixarei a contextualização histórica para as autoras e outras colunas. 

Hoje e aqui, a palavra está com elas, as costureiras.

Em especial, as do Coletivo Mulheres do Pólo: um grupo que se formou em 2021, após inquietações e muito otimismo da vontade para mudar as condições de trabalho no agreste pernambucano. O grupo é composto por mulheres costureiras da região de Santa Cruz do Capibaribe e elas formam um espaço de apoio, colaboração e luta por trabalho digno, asseguramento dos seus direitos e empoderamento econômico. 

Santa Cruz faz parte do pólo têxtil de Pernambuco, que soma dez cidades. Outras protagonistas são Toritama e Caruaru. A região emprega mais de 100 mil pessoas, conforme o Sebrae, e só Toritama produz quase 20% do jeans nacional. As configurações de trabalho são baseadas na informalidade e pequenas oficinas: 88% dos locais de trabalho empregam só até 4 pessoas. Um relatório da organização Aliança Empreendedora, de 2020, aponta que a informalidade vai de 23,9% em Caruaru, 39,8% em Santa Cruz do Capibaribe e até 57,3% em Toritama. 

Ainda, conforme a organização, 70% das costureiras autônomas da região recebem até um salário mínimo por mês e 38% ganham só um quarto desse valor. Tudo isso em longas jornadas de trabalho, que chegam a ser de 15 horas por dia. As complexidades da região são tantas que jamais caberiam em uma única matéria. Tampouco, elas são fáceis de serem resolvidas. Só com diálogo, políticas públicas eficientes e mudança das condições locais, com mais oferta à saúde, educação e moradia de qualidade, poderemos falar em outras modalidades de trabalho e de vida.

Abaixo, você pode ler o depoimento de cinco costureiras de Santa Cruz e integrantes do Coletivo Mulheres do Pólo. Perguntei o que elas gostariam que nós soubéssemos no Dia da Costureira, celebrado em 25 de maio. E já adianto: precisamos abrir os olhos para compreender que existem muitas vidas costurando o que veste um Brasil inteiro.

Gilmara Maria de Souza Costa tem 37 anos. Foto: Arquivo pessoal

Gilmara Maria de Souza Costa: ‘Desejo que possamos ter mais direitos’

Tenho 37 anos, sou casada, mãe, artesã e costureira. Minha principal fonte de renda vem da costura; tive contato com a costura muito nova. Minha cidade, Santa Cruz, tem a costura como principal fonte de renda desde a década de 60. Aos 12, comecei a trabalhar como costureira. Minha vó, minha mãe e minhas tias são costureiras. Eu herdei esse ofício, talvez por dom ou necessidade. Ou até imposição cultural. Mas, aqui estou eu: costureira. Sou grata por tudo que tenho, pois tudo que consigo é por meio da costura. 

Neste dia tão especial, o dia da costureira, quero parabenizar todas nós que somos fortes e nos reinventamos a cada dia, ano e década. Quero parabenizar todas por nossa força, garra e criatividade. Por fazermos parte diretamente desse alavancamento na economia da cidade. E para outras pessoas que não têm esse contato direto com o ofício, quero dizer que costura também é arte. Muitas de nós trabalhamos em locais insalubres e temos que nos reinventar por não termos materiais adequados e suficientes. Somos cobradas de que a peça e o produto final sejam perfeitos, independente das condições que foram dadas. 

Desejo que nós, costureiras, possamos ser mais vistas, ter mais direitos. Falando da minha região, nós temos o maquinário e trabalhamos em casa. Então, tudo por nossa conta… energia, equipamentos. Não temos férias, décimo terceiro, ou algum direito trabalhista. Temos o valor que é combinado quando a pessoa vem trazer a peça. Na maioria das vezes, aceitamos esse valor, não por ser preço justo, mas porque se não pegarmos, podemos passar necessidade. Eu mais desejo do que parabenizo. Desejo que as pessoas comecem a se importar e a saber qual a origem da roupa que elas usam. Se isso acontecer, automaticamente vai mudar muito a vida de nós, costureiras. 

Cileide Maria Pereira de Aquino começou a trabalhar aos 12 anos. Foto: Arquivo pessoal

Cileide Maria Pereira de Aquino: ‘Costura é algo desvalorizado’

Comecei a trabalhar com 12 anos de idade, porque as condições da minha mãe eram baixas, em uma máquina chamada ‘pé duro’. Aos 15, costurava em máquinas mais modernas. Hoje, tenho 39 e trabalho para sustentar minhas filhas. Pelo tempo que trabalho com a costura, posso ver que é algo muito desvalorizado pelos nossos patrões. Eles não reconhecem o nosso trabalho. A gente sempre dá o melhor de nós, mas eles não estão satisfeitos.

Josefa é costureira há 20 anos. Foto: Arquivo pessoal

Josefa Gorete de Albuquerque Macedo: ‘Somos o coração da economia local’

Sou costureira há 20 anos. Aprendi na casa do meu tio. Não foi fácil, porque ele me deu uma semana para aprender. Então eu me dediquei bastante, porque vi ali uma grande oportunidade de ajudar na renda de casa. Sou costureira desde meus 13 anos e sou muito grata por fazer parte da economia da minha cidade. Seria ótimo que, como costureiras, tivéssemos nossos direitos trabalhistas garantidos. Temos que ser vistas como profissionais da moda. Somos o coração da economia local e deveríamos ser mais valorizadas.

Inês começou a costurar com 14 anos. Foto: Arquivo pessoal

Inês Bento da Silva: ‘Costuro até hoje por necessidade’

Comecei a costurar com 14 anos. Sempre foi uma necessidade. Isso tem uns 20 anos. Eu estudava pela manhã e à tarde costurava algumas peças, para ganhar dinheiro e poder comprar algo para mim e minhas necessidades. Costuro até hoje por necessidade. Mas, gosto de costurar. Se eu não fosse costureira, não sei o que eu faria. Acho que nasci para costurar. 

Eu gostaria que as pessoas soubessem que acho que não somos valorizadas. Quando a pessoa trabalha fora [com CLT], ela tem os direitos amparados, aqueles que estão na lei. Em casa não. É o preço que eles [patrões] querem, mas temos uma necessidade. Eu tenho filho pequeno, mas não tem creche, e se tem, é longe. Então, a gente se sujeita a costurar o que eles querem. 

Cida é costureira há 20 anos. Foto: Arquivo pessoal

Cida Anjos: ‘A costureira é um ser humano’

Tenho 37 anos e moro em Santa Cruz há 21. Costuro há 20 anos. Inicialmente, aprendi a costurar na casa da prima do meu pai, onde cuidava de uma bebê e nas horas vagas a avó me ensinava a costurar. Depois eu fui trabalhar em outros fabricos [confecções], fazendo outros tipos de peças. Também trabalhei em grandes fábricas, de algumas marcas conhecidas na cidade; fui gerente de uma facção. Depois, comprei minhas máquinas e há dez anos eu só costuro em casa. É sem direitos trabalhistas, mas mesmo assim ainda é melhor aqui do que em algumas fábricas, onde é formalizado mas não valoriza a gente enquanto costureira.

Gostaria que as pessoas soubessem que a costureira, antes de mais nada, é um ser humano. Uma mulher que muitas vezes, no agreste e no polo de confecções, tem a carga horária excessiva, cuida da casa, do filho, tem que fazer hora extra. Essas mulheres não são vistas, não são valorizadas. Falta essa percepção de que não é só uma pessoa que faz a roupa que você leva para [a feira do] Moda Center. Elas são muito mais. É a costureira que mantém esse polo de confecção vivo no agreste. Falta essa valorização, falta elas serem vistas e ouvidas. 

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