Fashion Revolution

No Dia da Consciência Negra, precisamos falar também de racismo ambiental

Todos os setores precisam estar comprometidos com o combate à crise climática e com a proteção de populações racializadas

No Dia da Consciência Negra, precisamos falar também de racismo ambiental
No Dia da Consciência Negra, precisamos falar também de racismo ambiental
Indígenas protestam por demarcação de terra na região de Guaíra. Foto: CIMI
Apoie Siga-nos no

O que acontece quando um evento climático extremo — uma realidade que deve se tornar cada vez mais comum — atinge uma cidade? O Brasil ainda não se recuperou de Porto Alegre. No final de abril, chuvas intensas abateram a capital do Rio Grande do Sul, provocando o maior desastre climático da história do estado: mais de 300 cidades gaúchas decretaram estado de calamidade. Foram quase 700 milímetros de chuva, elevando o nível dos rios e impactando cerca de 800 mil pessoas. A força das águas desabrigou famílias, isolou o aeroporto e uniu o Brasil em uma corrente de solidariedade.

Mas o que ocorre quando uma chuva devastadora como essa atinge uma favela? Ou quando um rio de dejetos invade uma pequena cidade? Em janeiro de 2024, as chuvas na região metropolitana do Rio de Janeiro castigaram de maneira desigual áreas nobres e periféricas, levando a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, a recorrer ao conceito de racismo ambiental para descrever o fenômeno. No Rio, a tragédia deixou 12 mortos, mas a maior das calamidades é a injustiça de absolver os responsáveis por crimes ambientais — como o que ocorreu com o desastre de Mariana, que a população de Minas Gerais sofreu há nove anos.

Em novembro, o IBGE divulgou os dados do Censo 2022 sobre favelas — tipo de habitação que abriga 16,4 milhões de pessoas. Esse número supera a população de São Paulo (12,3 milhões) e é mais que o dobro dos habitantes do Rio de Janeiro (6,8 milhões). As favelas — outrora denominadas pelo IBGE como “aglomerados subnormais” — são caracterizadas por ocupações irregulares em terrenos públicos ou privados e pela falta de serviços públicos essenciais. Quando existem, saneamento básico e eletricidade são limitados ou improvisados. Além disso, moradias irregulares não suportam os impactos de eventos climáticos extremos.

E qual é a cor das pessoas que vivem nas favelas do Brasil? Mais uma vez, o IBGE esclarece: as proporções de pardos (56,8%) e pretos (16,1%) nessas comunidades são superiores às observadas na população total (45,3% e 10,2%, respectivamente). Por outro lado, a proporção de brancos na população brasileira (43,5%) é bem maior que a registrada nas favelas (26,6%).

Há quem normalize essa realidade dizendo que os mais pobres sofrem mais com o impacto climático porque são, justamente, os mais pobres. Porém, em um país que viveu 388 anos de escravização, essa camada mais pobre é, majoritariamente, negra. Diante da maior crise dos nossos tempos, não podemos aceitar tal argumento. É vergonhoso que, para alguns — brancos —, um evento climático extremo seja apenas um contratempo, enquanto para outros — negros — implique perder a casa, os poucos bens, a saúde ou até a vida.

Em 2024, ser antirracista significa enfrentar o racismo ambiental. Todos os setores precisam estar comprometidos com o combate à crise climática e com a proteção de populações racializadas, em especial no contexto de mitigação das consequências de eventos climáticos extremos. Mais atingida pela pobreza, a população negra é a que menos contribui para a destruição do meio ambiente e, paradoxalmente, a que mais sofre com os efeitos da crise ambiental.

Cada segmento pode e deve agir. A indústria da moda, por exemplo, carrega sua parcela de responsabilidade e precisa encontrar soluções para enfrentar essa crise. A produção crescente de itens de moda impacta o planeta e deve ser repensada em nome da preservação da vida na Terra. Os problemas começam nas matérias-primas: tanto o algodão quanto o poliéster, as fibras mais populares do mundo, têm impactos ambientais significativos. A monocultura do algodão destrói o cerrado brasileiro, com desmatamento e contaminação do solo pelo uso de agrotóxicos. Já o poliéster, ao ser lavado, contribui para a epidemia de microplásticos — partículas inferiores a 5 mm que contaminam todos os ambientes do planeta. No descarte, o cenário é ainda pior: o lixão de roupas no Deserto do Atacama, no Chile, é um símbolo do impacto da produção linear de roupas, sendo tão grande que pode ser visto por satélite.

O Fashion Revolution Brasil — braço local do maior movimento ativista de moda do mundo — denuncia o racismo na moda não apenas na falta de representatividade, mas também em relação aos direitos dos trabalhadores. Segundo o Índice de Transparência da Moda, pesquisa anual conduzida pelo Fashion Revolution Brasil, em 2023 apenas 3% das marcas divulgaram ações de promoção da igualdade racial e étnica em suas cadeias de fornecimento.

Neste Dia da Consciência Negra, questione as marcas: qual é a cor das pessoas que fizeram suas roupas? A revolução será antirracista — ou não será nada!

ENTENDA MAIS SOBRE: , , , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome

Muita gente esqueceu o que escreveu, disse ou defendeu. Nós não. O compromisso de CartaCapital com os princípios do bom jornalismo permanece o mesmo.

O combate à desigualdade nos importa. A denúncia das injustiças importa. Importa uma democracia digna do nome. Importa o apego à verdade factual e a honestidade.

Estamos aqui, há 30 anos, porque nos importamos. Como nossos fiéis leitores, CartaCapital segue atenta.

Se o bom jornalismo também importa para você, nos ajude a seguir lutando. Assine a edição semanal de CartaCapital ou contribua com o quanto puder.

Quero apoiar

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo