Fashion Revolution

Na moda, a transparência não deve ser apenas uma tendência

A busca pela verdade é importante oportunidade de transformação para o setor

(Foto: iStock/Vladimir Vladimirov)
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Nos últimos anos, com o descortinar de impactos socioambientais altamente nocivos, números catastróficos e a onda de excessos provocados por um sistema de alta produtividade e grande descarte, a busca pela verdade e pelas melhores práticas é uma enorme oportunidade para transformar a moda, um setor marcado por cicatrizes profundas e difíceis de serem curadas.

 

Uma indústria que detém o título de potência financeira e lucrativa, ocupando a casa dos 2,5 trilhões de dólares em movimentações anuais, segundo o report The State of Fashion, da consultoria McKinsey & Company em parceria com o Business of Fashion. E que produz cerca de 150 bilhões de novas peças por ano, segundo o Massachusetts Institute of Technology, tem sido provocada a prestar contas de feitos tão “grandiosos”.

As grandes varejistas, desafiando as lógicas do tempo, conseguem em poucas semanas produzir, distribuir e comercializar artigos têxteis a preços irrisórios. Mesmo diante das facilidades tecnológicas e econômicas, esse feito é, no mínimo, curioso.

Essa curiosidade também abre diálogo para entender como enriquecem alguns poucos líderes e grupos do setor. No ranking anual da Forbes, o empresário Bernard Arnault (chefe do grupo LVMH, da Louis Vuitton, Givenchy, Dior e dezenas de outras marcas) aparece como 3ª homem mais ricos do mundo. Sua fortuna é estimada em 76 bilhões de dólares. Ocupa a 6ª posição do ranking o espanhol Amancio Ortega (dono do grupo INDITEX, da Zara) com uma fortuna estimada em 62,7 bilhões de dólares.

Esses números nos remetem a denúncias trazidas à tona durante a pandemia. Milhares de pessoas foram demitidas e deixadas ainda mais à margem da lei e de qualquer proteção social. No Brasil, as que puderam “manter” alguma fonte de renda, chegaram à receber cerca de 50 centavos para cada produção de novas máscaras de proteção.

Denúncias que mostram que a transparência não pode ser apenas mais uma tendência da moda, deve também fazer frente à naturalização da precariedade, à desumanização, à mentira, à vulnerabilidade de toda uma classe trabalhadora.

Estamos falando de uma classe absorvida por uma cadeia produtiva extensa, complexa, silenciosa e de muitos interesses ($$$) individuais

Por meio do fast fashion, com produções sucateadas e condicionadas à uma operacionalização frágil e barata, abrimos precedentes para a ilegalidade, práticas abusivas e degradação social e ambiental.

Onde uma maioria de mulheres – cerca de 75% da força de trabalho no Brasil, segundo a Associação Brasileira da Indústria Têxtil e da Confecção – é incessantemente marginalizada, invisibilizada e está sujeita à baixa remuneração e à corrupção de direitos básicos previstos por lei.

De acordo o relatório Global Slavery 2018, o setor têxtil é o 2º que mais expõe pessoas à condições de trabalho análogas à escravidão.

A fragilidade das ações e a dificuldade em comunicar mostra que os grandes players tem feito pela sustentabilidade. Para o Fashion Revolution, a transparência, que parece ter encontrado aconchego em manobras comerciais, como uma espécie de selo de autenticação, não é – nem poderá ser – sinônimo de sustentabilidade.

A transparência é uma ferramenta fundamental. É capaz de tornar essa confusa cadeia de produção visível (e questionável) para outras corporações, organizações, para a sociedade civil. Deve funcionar como um aparato constituído por verdades e movido pela vontade de mudança. Pode ser parte fundamental de novos e melhores futuros para todos os que fazem parte dessa desalinhada e discrepante engrenagem.

Para fomentar e viabilizar essas informações criamos o Índice de Transparência. O documento foi sob uma metodologia própria e torna possível endereçar e reconhecer esforços para cada departamento, alem de abrir espaço para que as empresas possam divulgar suas ações e condutas de impacto positivo.

O Índice, que foi lançado em 2018, chega em 2020 à sua terceira edição. É um convite para que mais negócios da moda revejam suas atitudes e compartilhem suas práticas. É para que nós, consumidores, possamos conhecer além de produtos. Como já disse Augusto Branco, poeta rondoniense: “…nem tudo que reluz é ouro…”. Pesquisar, questionar e cobrar comportamentos mais responsáveis é essencial para avançar nesse debate.

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