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É possível proteger a floresta e impulsionar a economia

Somente nos primeiros cinco meses de 2022, a floresta perdeu o equivalente a 2 mil campos de futebol por dia

Foto: Eliz Tessinari
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O desmatamento na Amazônia segue em ritmo alarmante. Somente nos primeiros cinco meses de 2022, a floresta perdeu o equivalente a 2 mil campos de futebol por dia e registra a maior taxa de devastação dos últimos 15 anos, de acordo com dados do Sistema de Alerta de Desmatamento (SAD) do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon).

Para Miguel Scarcello, secretário geral da SOS Amazônia, o cenário atual remete à década de 1970, conhecida como a década da destruição, marcada pelo desmatamento e pela anuência do poder público. A sensação é de que ainda estamos presos à discussão ultrapassada de “economia x proteção ambiental”, como se o crescimento econômico estivesse necessariamente associado à destruição. 

Mas, que tal aproveitarmos o Dia de Proteção às Florestas para conhecer iniciativas que, na prática, nos mostram que é possível proteger a floresta e impulsionar a economia?

A SOS Amazônia, ONG que tem como missão promover a conservação da biodiversidade e o crescimento da consciência ambiental na Amazônia, compartilhou com o Fashion Revolution algumas iniciativas de bioeconomia como mecanismo de proteção às florestas.

SOS Amazônia investe em bioeconomia como estratégia de proteção às florestas 

A SOS Amazônia incrementa a produção extrativista e aponta um caminho de sustentabilidade para Unidades de Conservação (UCs), que concilia a geração de renda, a proteção de florestas e a governança dos territórios. Somente em 2021, foram realizadas mais de 1.238 visitas de assistência técnica e extensão rural e florestal, que possibilitaram a capacitação de 220 extrativistas em boas práticas de produção. Como resultado, o incremento da produção extrativista gerou cerca de 1,5 milhão de reais. 

Em parceria com o Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ), a SOS Amazônia realiza o projeto Nossabio, que investe em bioeconomia com a implantação de cadeias de valor estruturadas a partir de produtos da sociobiodiversidade, como açaí, borracha e cacau silvestre. A extração do látex da seringueira é o símbolo do extrativismo na Amazônia e da cultura do Acre. Retomar essa atividade produtiva e buscar novos mercados para o látex oriundo do extrativismo é, ao mesmo tempo, um desafio e um resgate histórico e cultural. 

No total, cerca de 70 famílias trabalham com o corte da seringa em duas UCs: Reservas Extrativistas do Cazumbá-Iracema e Chico Mendes. Para aumentar a produtividade, foram realizadas oficinas de boas práticas de manejo e a reabertura de antigas estradas de seringa, que estavam abandonadas desde a década de 1990, quando o valor de mercado da borracha atingiu preços irrisórios. 

Cada família vinculada ao projeto recebeu uma ajuda de custo no valor de trezentos reais para subsidiar os gastos iniciais com esse trabalho. Também foram entregues kits de extração e produção da borracha, composto por tigela, bica, balde e todo o material necessário, conforme as recomendações da empresa Vert, parceira na execução do projeto. Com incentivo e orientação técnica, a cadeia de valor da borracha apresenta bons resultados: com a reabertura de 128 antigas estradas de seringa, foram produzidas 70 toneladas de borracha Cernambi Virgem Prensado.

O extrativista Jilberto Maia é responsável por fazer o manejo de três estradas de seringa, que compõem a colocação onde reside, batizada por ele como Colocação Floresta, na Resex do Cazumbá-Iracema, localizada no município de Sena Madureira, interior do Acre. Cada estrada de seringa tem cerca de 100 hectares, o que equivale a dizer que, indiretamente, ele ajuda a conservar 300 hectares de floresta, tendo em vista que a seringueira é uma árvore nativa da Amazônia e se encontra dispersa no meio da mata.

Além de seringueiro, Jilberto é um artesão habilidoso. O contato com a natureza, o vai e vem por entre árvores e varadouros despertaram nele o olhar atento e a criatividade de reproduzir em borracha animais da biodiversidade amazônica. Anta, tatu, jacaré, capivara, jabuti, coruja, onça e muitos outros ganham forma nas mãos do artista. Cada animal em miniatura é comercializado, em média, a 60 reais. “Cheguei a fazer até uma onça pintada para um show da Maria Bethânia”, orgulha-se.

Para ele, ser seringueiro e realizar um trabalho que atravessa gerações é uma honra. “Eu comecei a cortar seringa com nove anos de idade, andando mais meu pai. A partir dos 12 anos, eu comecei a cortar sozinho, ajudei meu pai a criar meus irmãos, construí família e criei os meus filhos”, relembra. Hoje, com 59 anos, Jilberto ainda vive da seringa e a comercialização da borracha representa 95% do seu orçamento, seja na forma de matéria-prima como na produção de artesanato.

Frutos da terra: cacau e açaí

Se o corte da seringueira é uma atividade consolidada, o manejo do cacau silvestre, por sua vez, ainda é uma novidade para muitas comunidades da Amazônia. O fruto ocorre em abundância nas florestas à margem do Rio Iaco e apresenta grande potencial de mercado, por exemplo, para fabricação de chocolate. Nessa cadeia produtiva, 50 famílias são contempladas pelo Nossabio na Resex Chico Mendes e outras 20 nas Florestas Nacionais do Macauã e São Francisco. Cada família realizou o manejo de pelo menos 200 pés de cacau em área de floresta e, assim como na cadeia da borracha, foram realizadas oficinas de boas práticas de manejo e entregues kits de produção aos extrativistas. 

Também foram construídos três núcleos de beneficiamento das amêndoas de cacau: dois foram entregues à Amopresema (Associação dos Moradores e Produtores da Reserva Extrativista Chico Mendes em Sena Madureira) e outro entregue à Assexma (Associação dos Extrativistas da Floresta Nacional do Macauã e Área de Entorno). Cada núcleo contém duas barcaças de secagem das amêndoas, um depósito para armazenamento e dez caixas para fermentação, que foram utilizados já na safra de 2022, nos meses de fevereiro e março. 

Somente na Amopresema, foram beneficiados 380 quilos de amêndoa de cacau na própria comunidade, com a adoção de boas práticas e destinação comercial do produto, neste caso, em parceria com a empresária Luísa Abram, que fabrica chocolate com cacau silvestre coletado por comunidades extrativistas da Amazônia. “O projeto foi pensado desde a organização da comunidade, o trabalho de coleta, manejo e beneficiamento, até a comercialização. O produtor já tem a garantia da empresa que vai comprar e uma estimativa do preço que será pago por aquele produto”, ressalta Adair Duarte, coordenador do projeto.

Na Resex Chico Mendes, o açaí pode representar uma alternativa de renda para os moradores, considerando que o fruto apresenta duas safras anuais e a demanda pelo produto é crescente. Além de capacitações e entrega de kits para escalada nos açaizeiros, a SOS Amazônia realizou o mapeamento dos pés de açaí para subsidiar a elaboração do estudo de viabilidade econômica e, assim, mensurar a rentabilidade dessa cadeia de valor. Para aumentar a produção, cerca de 3.500 mudas das espécies de açaí solteiro (Euterpe precatória) e açaí de touceira (Euterpe oleraceae) serão plantadas nos seringais Filipinas, Humaitá, Porongaba e São Sebastião, envolvendo 36 famílias vinculadas ao Nossabio.

Recuperação florestal 

O desenvolvimento de cadeias produtivas é estratégico para a proteção de florestas. Ao identificarem os potenciais econômicos da sociobiodiversidade, as famílias deixam de desmatar suas propriedades com a intenção de substituir a floresta por pastagem para o gado. Pensando nisso, a SOS Amazônia, por meio do Projeto Faça Florescer Floresta, promove a recuperação de áreas degradadas com a implantação de Sistemas Agroflorestais (SAFs), isto é, o plantio consorciado de espécies florestais, frutíferas e de palmeiras, de interesse econômico e ecológico, que depois se integram à paisagem original.

Se os índices de desmatamento só crescem, a SOS Amazônia promoveu a recuperação de 61 hectares de áreas degradadas com o plantio de 105 mil árvores em 2021. Em todo o processo, as comunidades são envolvidas, desde a produção de mudas até a comercialização dos produtos, para que se apropriem da técnica e dos benefícios que podem ser gerados pelo reflorestamento, algo que se torna essencial para que as áreas restauradas sejam mantidas ao longo do tempo. 

“Com o avanço do desmatamento e as queimadas na Amazônia, é de extrema urgência estabelecer novas relações com a floresta, recuperar áreas degradadas e desenvolver atividades em conjunto com os povos locais que contribuam com a manutenção dos serviços ecossistêmicos, como a regulação do clima, dos recursos hídricos e a oferta de alimentos e matérias-primas”, considera Álisson Maranho, diretor técnico da SOS Amazônia.

Projeto Nossabio

O Nossabio – Territórios Conservados foi aprovado em dezembro de 2019, por meio do Legado Integrado da Região Amazônica (Lira), programa brasileiro de conservação idealizado pelo Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ), com recursos do Fundo Amazônia e da Fundação Gordon e Betty Moore. O programa foi concebido para aumentar a efetividade de gestão das áreas protegidas da Amazônia, como Unidades de Conservação e Terras Indígenas, bem como estruturar cadeias de valor a partir de produtos da sociobiodiversidade.

Cerca de 315 famílias são contempladas em cinco Unidades de Conservação (UCs): Reserva Extrativista Chico Mendes, Reserva Extrativista do Cazumbá-Iracema, Floresta Nacional de São Francisco, Florestal Nacional do Macauã (no Acre) e Parque Estadual de Guajará-Mirim (em Rondônia). A SOS Amazônia é responsável pela gestão operacional do projeto em estreita ligação com organizações sociais, cooperativas e associações extrativistas de cada uma das unidades.

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