Fashion Revolution

Cânhamo: o tecido profano

A variedade não psicotrópica da cannabis, usada na indústria para fazer plásticos, casas, roupas e outros, está em um limbo regulatório

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Aqueles que queriam aproveitar as promoções de início de ano talvez precisem verificar com a Anvisa se escolheram certo. De acordo com a agência, algumas camisas, calças e toalhas vendidas nos shoppings são ilegais, fruto de uma importação ilícita, e sua comercialização é proibida. Não fez sentido? Exatamente.

Isso porque em 2021 a Anvisa afirmou que tecidos de cânhamo são proibidos, pegando de surpresa comércio e consumidores. A agência se retratou, afirmando que tecidos que contenham fibras de cânhamo não se encontram sujeitos ao controle especial da Anvisa. Mas o que permanece dessa história é: a regulação da cannabis, no Brasil, não é simples nem coerente.

Ainda que o cultivo da planta seja proibido no País, é permitido importar medicamentos ou comprá-los diretamente nas farmácias — mas a um preço muito elevado. Já são mais de dez produtos diferentes vendidos nas farmácias e muitos outros que podem ser importados diretamente pelo paciente. Por isso, pessoas que não têm condições financeiras só conseguem acessar seu tratamento recorrendo ao Judiciário.

Mas o cânhamo, que é a variedade não psicotrópica da cannabis, usado na indústria para fazer plásticos, casas, roupas e outros, está em um limbo regulatório.

As regras da Anvisa não dizem nada especificamente sobre o cânhamo e seus usos na indústria — já que estão fora das competências regulatórias da agência sanitária. Assim, nunca deixamos de encontrar roupas, tapetes e outros tecidos de cânhamo no Brasil.

Por isso a resposta, ainda que retratada, de que os tecidos de cânhamo seriam proibidos surpreendeu o mercado. Essa afirmação extrapolou os limites da competência regulatória da Anvisa e a realidade do País, que comercializa indiscriminadamente esses produtos desde sempre.

Em consulta realizada a pedido da Associação Nacional do Cânhamo Industrial, a Anvisa foi questionada se seria possível importar tecido para a produção de roupas que fosse composto de cânhamo (cannabis sativa). A agência informou que a cannabis sativa consta na Lista E da Portaria SVS/MS nº 344/98, que determina quais são as plantas proscritas. Sendo assim, seriam proibidos importação, exportação, manipulação e uso da planta, assim como de todas as substâncias obtidas dela e, “como o cânhamo é extraído da planta cannabis, também está proscrito de acordo com a legislação sanitária vigente”.

Sendo o cultivo e a importação proibidos, a única conclusão possível seria de que as marcas que vendem roupas de cânhamo em território nacional, como Levi’s e Osklen, estariam cometendo um ilícito — segundo a interpretação da Anvisa.

O que isso significaria, na prática, é que as lojas e os consumidores de roupas de cânhamo incorreriam no artigo 33 da Lei de Drogas (Lei nº 11.343/06) por tráfico ilícito.

Contudo, em nova consulta, a agência afirmou que, mesmo sendo derivado da cannabis, os tecidos de cânhamo não se encontram sujeitos ao controle da Portaria SVS/MS nº 344/98.

Com posicionamentos diametralmente opostos, realizados por uma das entidades mais técnicas do País, fica claro que o marco legal do cânhamo industrial precisa ser alterado. As regras são antigas e não conseguem regular as condutas contemporâneas — nem com a melhor ginástica hermenêutica.

A conclusão é de que o Brasil precisa amadurecer seu marco regulatório e estabelecer regras específicas para o cânhamo. Regras que não gerem dúvidas ao aplicador do Direito e permitam que, na próxima ida às compras, possamos comprar presentes sem ter de antes consultar a Anvisa.

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