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A biomimética como esperança de outros sistemas

O conceito já começa a ser considerados e é possível encontrá-lo por meio de novas formas de organização social

Andrii Lobur para Pexels
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Por Julia Codogno

Em 2020, mergulhamos no que viria a ser a maior crise humanitária dos últimos tempos. Assistimos análises, previsões e dados bastante contundentes, que se transformaram na perda de vidas e só fizeram refletir nossa profunda incapacidade de agirmos como sociedade.

Se por um lado nossa espécie é determinada por seu instinto de comunidade, tendo suas ações organizadas em grupo, em que a cooperação é necessária para nossa sobrevivência, parece que, ao longo dos anos, optamos por provocar essa realidade e nos lançamos a construir histórias amparadas pelo egocentrismo e indiferença quanto aos impactos coletivos.

Submetidos a um sistema exploratório, que vislumbra crescimento infinito num planeta finito e é subsidiado pelo privilégio de apenas um pequeno e seleto grupo de pessoas, percebemos que a maneira com que cultivamos, produzimos, consumimos e descartamos nossos bens de consumo é responsável por desencadear um cenário catastrófico.

Fatores como: o aquecimento global, a alta quantidade de emissão de gases de efeito estufa, o aumento desenfreado do desmatamento e a falta de políticas e agendas direcionadas para conter tais desastres, nos encaminha para um futuro (presente) de poucas possibilidades.

Segundo um relatório apresentado pela Organização das Nações Unidas (ONU), a Organização Mundial da Saúde (OMS) e pelo Fundo Mundial para a Natureza (WWF), nosso comportamento altamente destrutivo, fundamentado por uma economia linear, e que somente expõe nossa (não) relação com a natureza, está colocando em risco, também, nossa própria sobrevivência.

A pesquisa destaca que a maioria das doenças infecciosas emergentes são impulsionadas por atividades humanas provocadoras de descompassos ambientais. Ainda de acordo com a pesquisa, estaremos cada vez mais expostos a cargas virais desconhecidas e de implicações imensuráveis.

Outro estudo de grande relevância, compartilhado em meio a pandemia do novo coronavírus por um dos mais importantes veículos de comunicação – a Nature Magazine relata que poderemos estar diante de um considerável avanço de nossa extinção. Segundo o report Deforestation and world population sustainability – A quantitative analysis: “Com base nas taxas atuais de consumo de recursos e na melhor estimativa de crescimento da taxa tecnológica, nosso estudo mostra que temos uma probabilidade muito baixa, menos de 10% na estimativa mais otimista, de sobrevivermos sem enfrentarmos um colapso catastrófico”.

Crescimento populacional, desigualdade social, sistema corruptivo e ausência de atuações mais satisfatórias (para todos), são combustível para esse progresso.

Diante de tantos apontamentos – angariados pela ciência, se faz impossível não descortinar o pensamento de que o sistema ao qual estamos inseridos – onde a exploração e a acumulação são parte essencial para o funcionamento dessa grande engrenagem, que só beneficia alguns pequenos senhores do poder, se encontra insuficiente em abarcar e subsidiar todos os que fazem parte desse planeta.

Mas, e se encontrarmos na natureza também nosso alento?

Ao longo de nossa história acompanhamos um planeta resiliente, em constante evolução e grande capacidade regenerativa. Operando de maneira sistêmica e altamente eficaz, onde cada ser vivo é indispensável e co-responsável por sua conservação, utilizando somente aquilo que lhe é necessário, cuidando dos seus e do todo e respeitando a organicidade da vida.

De acordo com a cientista Janine Benyus, fundadora do Instituto de Biomimética, temos a oportunidade de encontrarmos nessa mesma natureza, que recorremos apenas como fonte de recursos e constante extorsão, uma sabedoria ilimitada.

A biomimética – conceito que ficou conhecido popularmente em 1997, com o livro Biomimicry: Innovation Inspired by Nature, escrito por Janine, consiste na prática de imitar padrões e estratégias presentes no meio natural, atuando como uma ferramenta disruptiva e promissora para a implementação de um sistema mais circular e colaborativo.

Entre seus fundamentos, observamos:

A natureza como modelo: a natureza sendo utilizada como inspiração para criadores e processos. Tendo como objetivo a resolução de problemas humanos;

A natureza como medida: a natureza como mediadora de recursos. Nos ensinando a otimizar recursos e utilizar somente o que nos for necessário;

A natureza como mentora: a natureza vista como ensinamento, como fonte de aprendizado. Deixando para trás o conceito de exploração.

Tais ensinamentos já começam a ser considerados e é possível encontrá-los por meio de novas formas de organização social, na criação de negócios, no desenvolvimento de nossas casas, produtos e outros bens de consumo.

Algumas dessas práticas são: alianças e parcerias entre grandes corporações – além da implementação de formatos horizontalizados; inovações quanto à matéria-prima e outros insumos – mediante a circularidade dos processos; inspiração para a criação e desenvolvimento em setores como o de transportes, construção civil e, até mesmo o têxtil e diversas outras que podem ser acessadas aqui.

No Brasil, a biomimética ainda é tímida, mas podemos citar dois casos bastante interessantes compartilhados pela Amazu Biomimicry – uma empresa nacional que presta consultoria sobre o tema:

O Votu Hotel, localizado na Praia dos Algodões – na Bahia, tem em sua construção um auto-sombreamento inspirado na capacidade de algumas espécies de cactos. Sua ventilação é natural e constante, tendo o conforto térmico, inspirado em tocas feitas pelo cão-da-pradaria, um roedor que costuma fazer entradas e saídas de ar mais dinâmicas nas escavações. A cozinha também possui um sistema de troca de calor com o ambiente externo – funcionando de forma semelhante ao resfriamento feito pelo bico dos tucanos.

Outro bom exemplo é a startup Nuclear. Onde foi possível desenvolver um dispositivo para plantio de mudas em grande escala por meio de inspiração no design das bromélias (plantas que acumulam água entre suas folhas) e na serrapilheira (camada de folhas e galhos secos que se forma sob as árvores e mantém a umidade e nutrientes do solo).

Quando olhamos para tais iniciativas, que fomentam soluções para conter uma crise ecológica de tamanha grandeza, percebemos que é possível transcender nosso modus operandi. Valorizando nossa ancestralidade e mimetizando ecossistemas complexos que nos permitem imaginar cenários eficientes e provocadores de impacto positivo.

Como citado pelo escritor e ativista Wendell Berry: “O propósito não é impor um padrão criado por nós e perturbar os padrões naturais, mas sim estar ciente de que o engenho humano é subordinado à sabedoria da natureza”.

Fonte: ONU / OMS / WWF / Nature Magazine / Biomimicry Institute / Ask Nature / Akatu / Amazu Biomimicry

Referências Bibliográficas: Fletcher, Kate. Moda e Sustentabilidade: design para mudança. Kate Fletcher e Lynda Grose: Tradução Janaína Marcoantonio – São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2011.

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