Diplomacia para Democracia

Reflexões sobre uma política externa brasileira independente

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Vitórias eleitorais mudam a correlação de forças, mas desafios e contradições são constantes

Passada a ressaca política, devemos entender o tamanho da nossa tarefa no Brasil de 2022

O presidente eleito Lula (PT) durante pronunciamento após resultado da votação. Foto: Ricardo Stuckert
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O atual ciclo político na América Latina nos mostra que a vitória deve ser construída na disputa da realidade concreta. Recentes eleições levaram ao retorno democrático da Bolívia com o presidente Luis Arce, à vitória de Gabriel Boric, no Chile, e à histórica conquista de Gustavo Petro e sua vice Francia Márquez, na Colômbia, sinalizando que os avanços na região são feitos por meio de lutas oxigenadas pela força de transformação e mobilização dos movimentos políticos e sociais. Os embates perante a sociedade são, entretanto, permanentes. Em nossas frágeis democracias latino-americanas, vitórias eleitorais mudam a correlação de forças para um cenário mais favorável às forças progressistas, porém nuances, desafios e contradições são constantes.

Não há tempo para desperdiçarmos com pessimismo e resignação: o bolsonarismo é sim uma força política coesa e com raízes sociais, mas isso deve marcar um ponto de avaliação e reorganização das nossas estratégias, não ser fator de derrotismo. Vivemos a disputa do futuro do Brasil. Nesse momento, devemos nos inspirar em experiências que pareciam impossíveis, mas, valendo-se da capacidade da política de transformar a realidade, construíram e alcançaram a vitória, como ocorrido na Colômbia.

A Colômbia foi historicamente governada pela direita sob uma dinâmica de violência política. A frágil democracia do país é formada por uma complexa relação entre neoliberalismo, extrema direita, narcopolítica, Estado terrorista, paramilitarismo, guerrilhas e narcotráfico. Até então poderíamos dizer que o Brasil de Jair Bolsonaro caminha para uma colombinização do Brasil com o avanço do neoliberalismo, crescimento da extrema direita, narcopolítica e milícias. Porém, o que prefiro destacar da experiência colombiana são os processos de resistência política na sociedade que os levaram a eleger por meio de um Pacto Histórico o ex-guerrilheiro Gustavo Petro e sua vice-liderança, oriunda do movimento social, Francia Márquez.

Devemos nos inspirar nesta outra Colômbia, aquela que realizou o “paro nacional” em 2019 e 2021, no qual a juventude, movimentos sociais e políticos formaram uma ampla maioria nas ruas em um verdadeiro levante democrático. Em 2021, foram mais de 50 dias de greve e mobilização. Essa atitude de disputa política fortaleceu a articulação de uma frente ampla, tão necessária no país. A Colômbia que pediu um cambio construiu o Pacto Histórico: uma abrangente coalizão entre a centro-esquerda e forças progressistas.

Mesmo com todos esses elementos concretos favoráveis, a vitória era muito difícil. A conjuntura do primeiro turno mostrava o Pacto Histórico em primeiro lugar com Gustavo Petro, porém a surpresa do segundo turno foi o crescimento de Rodolfo Hernandes, nome desconhecido que em poucas semanas teve crescimento exponencial nas redes sociais, principalmente na plataforma do Tiktok. Rodolfo Hernandes ocupou o espaço deixado pela extrema-direita uribista, desgastada pelo último governo de Ivan Duque, e rapidamente conseguiu amplo apoio de todo o campo conservador. O cenário para o segundo turno estava acirrado: Petro venceu o primeiro turno com 40% dos votos, 12 pontos percentuais a mais que Hernández (28%), porém a soma dos apoios de direita do terceiro colocado Federico Gutiérrez (24%), candidato de uma coalizão de forças ligada ao partido no poder, e Sergio Fajardo (4%), candidato centrista, numericamente representavam 56%, o que sinalizava derrota para o campo progressista.

A vitória não estava dada, mas foi construída. A estratégia adotada pelo Pacto Histórico foi acreditar no inédito triunfo e mobilizar todas as forças políticas e sociais para conquistar os votos das abstenções. Por meio da compreensão da capacidade de transformação da realidade política, e com muita garra, eles puderam superar a frieza dos números e certo realismo derrotista.

Cabe acrescentar que a Colômbia, devido a seu histórico de perseguição aos movimentos políticos e sociais, não chega perto de ter a capacidade política estrutural que temos com o PT, maior partido de massas da América Latina, e de nossos movimentos sociais como MST, CUT, MTST, UNE, UBES e ANPG. A violência política é uma realidade no território colombiano. O Pacto Histórico sonharia em ter a capacidade territorial de mobilização dos nossos partidos e movimentos de esquerda, mas por décadas as ações na Colômbia foram criminalizadas e inviabilizadas pelos governos de direita. A construção dos levantes populares e do próprio Pacto Histórico foi fruto de esforços e habilidades coletivas que mobilizaram os colombianos a escreverem sua própria história como protagonistas do processo político.  Eles fizeram acontecer o impossível, reverteram o cenário dado, surpreenderam os analistas e agora, no poder, se esforçam para construir a verdadeira mudança de sua sociedade.

No Brasil, nossa luta converge em um momento histórico e urgente no qual serão necessárias uma força descomunal e a consciência de que não podemos ser apenas espectadores do processo político, mas devemos fazer parte de sua construção. A ruptura com o fascismo e a recomposição das nossas bases democráticas mostram que o caminho deve ser o mesmo que o colombiano: primeiramente, acreditar na vitória, pois quem irá construí-la seremos nós, nas ruas, com mobilização ampla de todas as forças democráticas. Em segundo lugar, trabalhar e resistir até o limite de nossas possibilidades.

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