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Uma exortação contra a idolatria do extremismo do tempo presente

As posições públicas do teólogo reformado holandês W. A. Visser ’t Hooft nunca foram tão relevantes como agora

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O avanço da política de extrema-direita no mundo tem chamado a atenção. A chegada ao poder de políticos como Donald Trump, nos EUA, e Jair Bolsonaro, no Brasil, assim como a reeleição de Recep Erdogan, na Turquia, e o crescimento de partidos extremistas na Europa, têm reforçado e ampliado o quadro do populismo conservador e excludente.

Nele, emergem posições que tocam descontentamentos da população e tratam temas como fechamento à imigração, preservação da identidade nacional em suposto risco, oposição à União Europeia, cortes em políticas sociais, controle de processos de educação pública, destruição do meio ambiente, extermínios de indígenas e populações das periferias das cidades. Eleitores descontentes, então, elegem políticos populistas extremistas, que encarnam personagens agressivos e apresentam soluções radicais e simplistas para problemas complexos.

O que isto tem a ver com “Diálogos da Fé”? Muita coisa! As religiões são fonte de defesa da paz com justiça e da democracia. Afinal, o mundo é nossa casa comum!

No campo cristão, há poucos dias, o Papa Francisco falou sobre isto em entrevista. “Um país deve ser soberano, mas não fechado. A soberania deve ser defendida, mas as relações com outros países e com a Comunidade Europeia também devem ser protegidas e promovidas. O nacionalismo é um exagero que sempre acaba mal: leva a guerras”, declarou.

Questionado sobre o populismo extremista, o Papa condenou: “… estudando teologia, eu aprofundava o popularismo, isto é, a cultura do povo: uma coisa é que o povo se expresse, e outra é impor ao povo a atitude populista. O povo é soberano (tem seu jeito de pensar, de se expressar e de sentir, de avaliar), mas os populismos nos levam ao nacionalismo: esse sufixo, ‘ismo’, nunca faz bem”, reforçou.

Pelo lado evangélico, um recurso importante tem sido a memória. Recorrer a posições proféticas de líderes do passado é fonte de iluminação para o presente e para ações religiosas coerentes com a fé cristã. É o caso de um dos mais influentes e marcantes líderes cristãos europeus: o teólogo reformado holandês W. A. Visser ’t Hooft (1900–1985). Seu nome é pouco reconhecido entre nós, mas suas posições públicas nunca foram tão relevantes como agora.

Na época da intensa atuação de Visser ’t Hooft, assim como na nossa, uma parcela das igrejas apoiava políticas opressivas e xenofóbicas, enquanto outra lamentava sua fraqueza em se opor a elas. Naquela época e na nossa, a igreja estava rachada por divisões de raça, de classe e de ideologia política. Naquela época e na nossa, muitos cristãos viam sua fé como algo que devia estar fora das questões e dos problemas do cotidiano, não como uma base para engajá-los na superação deles.

Visser ’t Hooft deve ser lembrado à medida que procuramos lidar com as idolatrias e relativizações morais de nosso tempo. Ele lamentava a perda da solidariedade humana e o desejo generalizado de líderes autoritários que prometiam falsa proteção frente à insegurança. “O ódio se tornou como um dever nacional”, escreveu. E desafiava repetidamente: os “tempos clamam por uma ousada e unida contestação das igrejas [contra isto]”.

Visser ’t Hooft, que foi o primeiro secretário-geral do Conselho Mundial de Igrejas (CMI), fundado em 1948, afirmou: quando a igreja é fiel ao seu chamado é “uma comunhão que transcende todas as fronteiras de nação, raça ou classe” e, assim, desafia frontalmente, por sua própria existência, as reivindicações idólatras da ideologia racista e nacionalista.

Este teólogo e pastor aprendeu muito com a Igreja Confessante na Alemanha, a comunidade de cristãos que resistiu ao nazismo. Ela se opôs também ao chamado “Movimento Cristão Alemão”, uma rede apoiada pelo Estado que cortejava a liderança de Hitler e a ideologia do nazismo. O Movimento Cristão Alemão tinha no seu “Princípio Orientador”, por exemplo, que “raça, povo e nação [são] ordens de existência concedidas e confiadas a nós por Deus” e “que a nação seja protegida dos inaptos e inferiores.” A Igreja Confessante era contra esta visão excludente.

Uma resposta foi a conhecida Declaração de Barmen (1934). Os que formavam a Igreja Confessante, reunidos, perceberam que não estavam simplesmente em uma luta pelo controle da igreja, mas em uma defesa do que a igreja acredita. Visser ‘t Hooft levou isto a sério. Num tempo em que muitos cristãos tentaram viver com uma “dupla lealdade” – a Cristo e à nação, ou a Cristo e ao nazismo, sua posição não foi ambígua: “essa falação silencia a voz profética da igreja, tornando-a irrelevante”, dizia. A igreja, argumentou ele, deve estar disposta a entrar no combate histórico, a tomar partido quando estiver convencida de que o evangelho está em jogo (como estava na luta contra o nazismo).

As palavras do Papa Francisco hoje e a voz do pastor Visser ‘t Hooft no passado ecoam entre nós. São um chamado às igrejas para uma fidelidade ativa à fé cristã diante da idolatria e da busca da paz com justiça e da misericórdia. Como nas palavras do Evangelho: “Quem tem ouvidos para ouvir, ouça!”

*[O pensamento de Visser’t Hooft foi extraído e adaptado do artigo de Michael Kinnamon, “W. A. Visser ’t Hooft’s confrontation with nationalist idolatry among Christians”, The Christian Century, 8 de Agosto de 2019.

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