Diálogos da Fé
Blog dedicado à discussão de assuntos do momento sob a ótica de diferentes crenças e religiões
Diálogos da Fé
Um exercício de comunicação
Um simbólico episódio de distribuição de carne a necessitados em São Paulo e um texto sobre o sacrifício de Abraão que uniu muçulmanos e evangélicos


As discussões mais duras ocorrem sobre a religião. Por meio da história, sabemos bem que tais discussões tornam-se conflitos e guerras.
O nosso objetivo é conviver seguramente em nosso mundo, que cada vez mais fica menor e por isso damos muita importância ao diálogo. Não é suficiente, no entanto, conhecer o outro e se encontrar e passar tempo com ele para fazer um diálogo inter-religioso. Por meio da abordagem cortês de um amigo evangélico, descobrimos nuanças muito significativas, não menos importantes do que o conhecimento religioso, enquanto se faz um trabalho de comunicação.
Em um certo dia, organizamos a distribuição de carnes de sacrifício nos bairros desfavorecidos de São Paulo. Como o sacrifício de animais começa com o profeta Abraão, pensamos que os judeus e os cristãos sabiam o que o sacrifício significa.
A Torá relata que Isaac foi o filho que Abraão teria de sacrificar. O Alcorão conta a mesma história, citando Ismael como o filho a ser sacrificado. Mesmo que os personagens sejam diferentes, a essência da história é a mesma em ambos os livros sagrados.
Preparamos um pequeno texto a partir da história de Abraão para distribuir àqueles que receberiam a carne, para que soubessem o que era ela, de onde vinha e qual o motivo da distribuição.
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O nosso amigo evangélico nos acompanhou nas visitas de organização nos órgãos públicos, como a prefeitura. Ele fez tudo dentro do seu alcance, gentilmente. E quando soube do texto, pediu para ler.
Ele leu e fez algumas pequenas alterações. Com a cortesia de sempre, perguntou se haveria problema em fazermos as mudanças sugeridas.
Quando observamos que o significado do texto era o mesmo, apenas havia mudado a forma de expressão, o enviamos para a impressão do jeito que veio.
Vocês imaginam o resultado?
A organização foi um sucesso. Alguns dias depois da distribuição, alguém foi ao Centro Cultural Brasil-Turquia, a instituição que organizou esta ação social. Ele perguntou: “Quem preparou o texto distribuído com as carnes?” Ele havia gostado tanto que quis conhecer os organizadores. Era um pastor evangélico que fazia mestrado em teologia.
O que aconteceria se não tivéssemos um amigo evangélico ou se não tivéssemos feito as alterações por ele sugeridas?
Provavelmente o nosso texto causaria uma reação negativa em quem recebeu a carne, pois os beneficiados eram majoritariamente evangélicos. Assim não teríamos mais aceitação ou alguma posição positiva em relação a nossa boa intenção de fazer este tipo de ato no futuro.
É possível que haja detalhes extremamente importantes em uma questão como o sacrifício que os seguidores das três religiões monoteístas conheçam. Se os detalhes não forem observados, é provável que não se possa fazer amizades nos trabalhos de diálogo. Como o nome diz tudo: “crença”. Trata-se da mesma crença, não do conhecimento, do imaginário ou das abordagens. Queremos amor e amizade entre os seguidores de diferentes crenças.
Por isso, acredito, os muçulmanos devem fornecer as informações certas aos outros. Se os fundamentos da fé islâmica forem basicamente entendidos, pode-se conversar sobre a distinção entre muçulmano e terrorismo. Assim, poderemos nos livrar das insinuações feitas a respeito.
Ainda mais importante é enxergamos aqueles que querem utilizar um assunto tão delicado como a crença para capturar a nossa liberdade de pensar. Desta maneira, podemos respeitar a fé dos outros, com suas nuanças e os importantes detalhes. Que não nos encontremos no meio das duras discussões, que podem causar afastamento, enquanto tentamos conhecer uns aos outros.
* Tradução: Atilla Kus. Revisão: Mustafa Goktepe
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