Diálogos da Fé
Blog dedicado à discussão de assuntos do momento sob a ótica de diferentes crenças e religiões
Diálogos da Fé
Trump e os muçulmanos
Subir ao palco ao lado do candidato com um histórico robusto de xenofobia, islamofobia e antissemitismo é, em última análise, apoiar o próprio carrasco


Em 2019, quando a Folha de S. Paulo publicou uma reportagem sobre a divisão dentro da comunidade muçulmana brasileira, causada pela parte que apoiava o então presidente Jair Bolsonaro e a outra que não, fiquei chocado. Para mim, um político como ele – claramente islamofóbico e que, ainda no primeiro mês do seu mandato, publicou um vídeo em suas redes sociais difamando o Islã e os muçulmanos, alegando que iriam dominar o Ocidente submetendo-o à “sharia” – não deveria receber apoio justamente daqueles que se dizem muçulmanos.
Contudo, essa era e ainda é uma realidade, e eu me coloco na posição de respeitar os posicionamentos de cada pessoa. Muitos justificam suas opções através de alinhamentos políticos: suposta defesa da família, combate à ideologia de gênero, criminalização de drogas e do aborto etc. Por outro lado, há o fantasma do comunismo. As pessoas preferem votar em quem “tem uma fé” do que em quem não tem, como se um alinhamento político à esquerda significasse necessariamente ser contra a religião.
No último sábado, 26 de outubro, nada foi muito diferente, apenas com argumentos e ambiente distintos. Em Michigan, um grupo de líderes muçulmanos da comunidade islâmica local subiu ao palco ao lado do ex-presidente dos EUA e atual candidato à presidência, Donald Trump, para declarar seu apoio a ele. O argumento deles, no entanto, é que Trump promete pôr fim à guerra na Ucrânia e na Faixa de Gaza.
Sim, a esperança de paz é sempre positiva. Não podemos descartar nenhuma proposta de paz, contanto que respeite e garanta a dignidade de cada lado envolvido. Uma proposta que beneficie apenas um lado não é paz, mas submissão.
Entretanto, lembro-me de tudo que Trump disse e fez em relação aos muçulmanos. Um dos imãs que subiram ao palco, Belal al-Zuhairi, afirmou, durante uma entrevista, que não devemos ficar presos ao passado. De fato, o passado pode gerar o mais profundo pessimismo. Mas ele também deve servir de lição para o futuro. Analisar cuidadosamente tudo o que é dito por políticos com um histórico robusto de xenofobia, islamofobia e antissemitismo é essencial para que possamos avançar.
Conheci Trump como o homem que prometia expulsar os muçulmanos dos EUA. Talvez ele não tenha conseguido expulsá-los, mas promulgou o famoso Muslim Ban, que proibiu cidadãos de diversos países de maioria islâmica de entrarem nos EUA ou dificultou a aquisição de visto para eles. Recentemente, Trump afirmou que pretende mandar imigrantes latinos de volta aos seus países – e ainda assim uma brasileira pediu a ele que os EUA não se tornem um novo Brasil.
Diante de tudo que Trump disse e fez no passado, questiono o quão acertado é para líderes muçulmanos apoiá-lo publicamente. Sim, a adversária também não é exemplo de empatia em relação ao massacre na Faixa de Gaza, que agora se estende ao Líbano. Por isso, os muçulmanos, ao invés de declarar apoio a seus possíveis algozes, deveriam pressionar ambos os candidatos para que a paz no Oriente Médio e no mundo seja uma prioridade, independentemente de haver ou não apoio muçulmano.
Subir ao palco ao lado de Trump é, em última análise, apoiar o próprio carrasco – o que chamamos de Síndrome de Estocolmo.
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